Neste domingo, a coluna “Do Pouco Um Tudo e Vice Versa”, assinada pela jornalista e produtora cultural Thaty Moura, retoma o tema de coluna anterior e questiona as intenções da Ministra da Cultura no que toca ao Ecad.

Por meu turno posso dizer que minha experiência com este órgão não é das melhores. Na humilde condição de três vezes vencedor do concurso de samba enredo da Acadêmicos do Dendê, os valores repassados eram uma verdadeira “caixa preta” e o depósito dos valores – que em nenhuma das ocasiões chegava à bagatela de R$ 1 mil, longe disso – demorava uma eternidade.

O MinC, o Ecad e a reforma interminável

Não é novidade pra ninguém que eu desaprovo, e muito, a gestão da Ana de Hollanda à frente do Ministério da Cultura (MinC).

Desde que assumiu o cargo ela tem dado “tiros no pé” atrás de “tiros no pé”. Retirou o selo do Creative Commons do site do MinC, logo nos primeiros dias de governo. Alegou que tratava-se de propaganda, além de incentivar os autores a abrir mão dos Direitos Autorais. Oi?!

Como explicado em coluna anterior, o Creative Commons é uma licença que autoriza a reprodução do conteúdo de diversas formas, em geral, não lucrativas. Abre-se mão dos direitos, sim, para que usuários acessem o seu conteúdo e possam transmitir para outros usuários sem fins lucrativos. O direito do autor permanece protegido em casos comerciais, uma vez que você escolhe uma licença que permite o uso sem fins lucrativos.

Após esse primeiro momento, a ministra protagonizou outros desmandos.

Inicialmente, disse que a revisão da Lei dos Direitos Autorais (LDA) não era uma discussão pertinente ao ministério. Debate este que vinha sendo realizado nas gestões anteriores, inclusive com quatro meses de consulta pública ao texto da reforma e tendo o texto final passado pelo crivo da Casa Civil. Contudo a Ministra considerou que não era oportuno apresentar essa proposta.

Agora, ela tomou pra si, novamente, essa questão, mas acredita haver pontos a serem revistos. Com isso, entre   25 de abril e 30 de maio, o anteprojeto (APL) que reforma a Lei dos Direitos Autorais receberá novas contribuições da sociedade. O objetivo, pelo menos na teoria, é aprimorar o texto, especialmente em sete pontos.

1.    Limitações aos direitos do Autor (Arts. 46,47, 48 e 52-D);
2.    Usos das obras na internet (Arts. 5º, 29 e 105-A e 46, II);
3.    Reprografia das obras literárias (Arts. 88-A, 88-B, 99-B);
4.    Da Obra sob encomenda e decorrente de vínculo (Arts. 52-C);
5.    Gestão coletiva de Direitos Autorais (Art. 68 §§ 5º, 6º, 7º e 8; arts.86, 86-A,98, 98-B,  98-C,98-D, 99 §6º, 99-A, 99-B e 100);
6.    Supervisão estatal das entidades de cobrança e distribuição de diretos (Arts. 98§2º, 98-A, 100-A, 100-B, 110-A, 110-C);
7.    Unificação de registro de obras (Arts. 19, 20, 30, 113-A).

Espero estar errada, mas para mim isso não passa de uma manobra para ganhar tempo. Revisar algo que já foi amplamente discutido ao longo de duas gestões anteriores (oito anos)? É um pouco estranho e demais para mim.

A principal questão da legislação tange à arrecadação e distribuição dos Direitos Autorais, realizada desde 1973 pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad). O Escritório é uma sociedade civil de natureza privada, constituida por associações efetivas* que formam uma espécie de conselho administrativo.

O Ecad era fiscalizado pelo Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA), que foi extinto em 1990, no governo Collor, sob suspeita de corrupção. Entretanto, até a presente data, nenhum outro órgão fiscalizador foi criado. E as denúncias de fraudes e desvios de dinheiro são frequentes.

“Em toda sociedade de gestão coletiva do mundo há fiscalização. Isso é um escândalo. É como se déssemos ao Bradesco o direito de receber todos os salários de funcionários públicos do Brasil, cobrando o que quiser, sem fiscalização. A gente confia no Bradesco?”, indigna-se o músico Tim Rescala, da organização de artistas Terceira Via.

No texto final da reforma LDA, aprovada na gestão de Juca Ferreira, frente ao Ministério da Cultura, era estabelecido um novo mecanismo de fiscalização. A preocupação hoje, com as denúncias e supostos envolvimentos da atual ministra com o Escritório, é se haverá esse mecanismo no texto aprovado para a reforma. São cenas dos próximos capítulos que ainda renderão muita conversa.

Por lei, o Ecad seria uma entidade “sem fins lucrativos”. Só em 2010, arrecadou nada menos do que R$ 432,9 milhões, e distribuiu aos artistas R$ 346,5 milhões. Ou seja, sobraram volumosos R$ 86,4 milhões. Estes teriam sido utilizados para cobrir despesas administrativas. Dos 350 mil filiados, apenas 87.500 foram beneficiados. Portanto, 75% dos autores não receberam nada. Quase um quarto das obras contempladas são estrangeiras.

De acordo com o Ecad, nesse caso, é que os 87.500 são os únicos que criam e interpretam obras musicais com potencial econômico. Assim, sou forçada a acreditar que músicas estrangeiras têm um maior potencial econômico na visão de um órgão brasileiro.

Hoje, o Ecad está no centro de um grande debate público. Na noite de 11 de maio, foi protocolado no Senado Federal o pedido de abertura de uma CPI mista para investigar o Escritório Central de Direitos Autorais. O pedido conta com a assinatura de 28 senadores. Após a leitura do pedido em plenário, serão indicados 11 senadores titulares e seis suplentes para compor a comissão.

Sobre a CPI, o Ecad divulgou nota dizendo que “a instituição está disponível para prestar quaisquer esclarecimentos sobre o sistema de gestão coletiva de direitos autorais”, e que em CPIs e audiências públicas anteriores, “todos os esclarecimentos foram fornecidos e nada se comprovou contra a instituição, confirmando a lisura de sua atuação”.

Em tumultuado encontro com artistas em São Paulo, em 10 de maio, Ana de Hollanda foi questionada sobre o tema. A ministra disse que o Ecad vai ter acompanhamento do governo, mas descarta qualquer intervenção no órgão, porque considera que seria “ilegal”, contradizendo a Constituição Federal. “Mas algum tipo de supervisão a gente vai ter. A gente vê escândalos, esses “laranjas” que receberam, e a gente não quer mais que isso aconteça”, disse.

Será mesmo? Quem sofre com todo esse “disse me disse” e finge que investiga são os autores que dependem do Ecad e suas associações para receber pela execução pública (prefiro o termo: execução comercial) de sua obra.

Aqueles que gerem o seu próprio conteúdo seguem sua luta pela democratização do acesso aos bens culturais. Eu sigo com eles. E vocês?

* Associações Efetivas: ABRAMUS – Associação Brasileira de Música e Artes; AMAR – Associação de Músicos, Arranjadores e Regentes; SBACEM – Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores de Música; SICAM – Sociedade Independente de Compositores e Autores Musicais; SOCINPRO – Sociedade Brasileira de Administração e Proteção de Direitos Intelectuais; UBC – União Brasileira de Compositore. Associações Administradas: ABRAC – Associação Brasileira de Autores, Compositores, Intérpretes e Músicos; ASSIM – Associação de Intérpretes e Músicos; SADEMBRA – Sociedade Administradora de Direitos de Execução Musical do Brasil.

Fontes:
Creative Commons
ECAD 
Jornal do Brasil (Editorial) 

(Foto: Google Imagens)

 

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