Marco Aurélio Mello, 44 anos, jornalista (na foto, o quinto da esquerda para a direita). Durante 12 anos trabalhou na Rede Globo de Televisão, fazendo parte das equipes que decidiam o que era e o que não era notícia, primeiro em jornais regionais e locais e depois no Bom Dia Brasil, Jornal da Globo e Jornal Nacional, até 2006. Nas eleições presidenciais daquele ano ele se opôs à maneira como a emissoria decidiu fazer a cobertura do processo eleitoral, privilegiando o candidato do PSDB à época, Geraldo Alckmin. Expôs as mazelas da Vênus Platinada e se alinhou com outros jornalistas descontentes, que também faziam críticas severas às tentativas de fraudes e manipulações, entre eles Carlos Dorneles, Luiz Carlos Azenha e Rodrigo Vianna.

Demitido sem justa causa em 2007, não ficou nem 24 horas desempregado. No mesmo dia, recebeu convites de todas emissoras de televisão. Dois meses depois de se recuperar de uma crise de stress pós-traumático, que o levou a ser hospitalizado, assumiu o posto de editor especial do Jornal da Record, onde passou a editar reportagens especiais e a ajudar no dia-a-dia da redação. Em menos de um ano de Record recebeu o Prêmio Vladimir Herzog, ao lado de Adriana Araújo e Luis Cosme Pinto (hoje editor-chefe do Jornal da Record) e outros, pela série de reportagens intitulada: Saúde, salve-se quem puder. Ano passado, ao lado de Lucio Sturm e outros recebeu outro importante prêmio de jornalismo do país: o Embratel, com a reportagem ‘Cadê meu Carro’, exibida no Domingo Espetacular, que mostrava a facilidade de se comprar um motor no Paraguai, de um carro roubado aqui no Brasil.

Blogueiro desde 2006, seu “DoLadoDeLá” conta histórias saborosas dos bastidores da televisão, ativismo político e cultural e a vida cotidiana. Costuma dizer que os nomes dos personagens não importam e sim a “lógica” do negócio – para desespero dos leitores, que sempre querem saber quem são o vilão e o mocinho de suas fábulas. De leitor tornei-me amigo e incentivador do seu trabalho desde as primeiras horas.

Com o link para o Ouro de Tolo viramos parceiros e, seguindo a lógica da rede, um impulsionou o outro, para divulgarmos nossos blogs, o que nos fazem muito gratos.

Marco Aurélio Mello é o entrevistado de hoje da coluna “Jogo Misto”.

1) Os leitores tem muita curiosidade em saber sobre uma redação “por dentro”. Como funciona o processo de produção do Jornal da Record? Como se decide o que é notícia? A alta direção da emissora influencia no que é noticiado?

MAM – O processo é mais ou menos comum a todas as emissoras. Numa reunião, por volta das onze horas [N.doE.: o “Jornal da Record” é exibido à noite], os chefes decidem com as praças quais serão os temas que valem ser reportados. Depois disso as equipes são orientadas na rua sobre os caminhos a seguir. Quando os editores chegam, no início da tarde, uma nova reunião é feita para saber o que rendeu e o que não rendeu. É quando o telejornal daquela noite começa a ser “desenhado”.

O que é notícia? É tudo aquilo que as “comadres” na janela de casa diriam: – Nossa, verdade?

Ao contrário da TV Globo, temos muita liberdade na TV Record.

2) Por que se faz necessária uma lei que regulamente os meios de comunicação brasileiros? Você acha que há equilíbrio na cobertura jornalística?

MAM – A chamada “Lei dos Meios” é fundamental porque, hoje, meia dúzia de patrões decidem o que um país de 200 milhões de habitantes vai ver pela lente de aumento que, por incrível que pareça, não é deles mas de todo o povo brasileiro. Afinal, eles são concessionários e não donos dos meios.

3) Por que a grande imprensa, hoje, está mais preocupada em fazer política que em produzir jornalismo de qualidade?
MAM – O mal do poder é esse, a tentação. É muito difícil o exercício do poder. E a imprensa não foge à regra.

4) Como você avaliaria o momento atual da “Vênus Platinada”?

MAM – Um boing em velocidade de cruzeiro com uma das turbinas “pifadas”. Ainda vai longe, graças aos funcionários que sabem como manejá-lo, mas todos sabem que a queda é inevitável.

5) Muitas das histórias do “DoLadoDeLá” têm como inspiração seus tempos de Rede Globo. A emissora é algo apartado da sociedade em geral? De onde emana tanto poder?

MAM – Acho que a emissora reproduz em pequena escala as mazelas da nossa sociedade. O problema é que até ontem eles detinham o monopólio, que dava a eles poder absoluto. Isso já mudou. Haja vista as eleições de 2006 e 2010 em que não conseguiram emplacar seus candidatos à presidência.

6) Qual a sua avaliação sobre o Governo Dilma?

MAM – Ainda é cedo para avaliar um governo que acabou de começar. Acho que ela sabe bem que política é a arte de conciliar interesses. Isso é importante porque só se constrói um país para todos com diálogo.

7) Qual o papel das novas mídias em comparação ao jornalismo tradicional?

MAM – É um aumento brutal de possibilidades de informação.

A partir de agora, só “pensa dentro da caixa”, ou quem é muito limitado, ou quem é muito alienado. E se existe um modo novo de acabar com o segredo ele se chama Wikileaks. Só contruiremos um mundo melhor com transparência absoluta.

8) O que é ser jornalista em um mundo que exige, cada vez mais, a informação em tempo real? Como conciliar rapidez e acuidade na descrição dos fatos?

MAM – Olhos bem abertos. Desconfiança que beire a paranóia. Persistência toda vez que perceber que alguma coisa está errada. Prefira sempre o lado mais fraco, porque este tem menor necessidade de guardar segredos. Ah, e o essencial: gostar do que faz.

9) Uma vez você comentou que foi proprietário de uma pousada em Trancoso (BA). Como foi a experiência?

MAM – Foi uma experiência de neocolonialismo. Os “empresários” dos sul “descobrem” o Quadrilátero do Descobrimento, inflacionam a terra, enchem os nativos de drogas, exploram suas mulheres, desmatam, contaminam e depois da degradação saem à procura de novo Porto Seguro.

Não me sentia confortável naquela situação, apesar de que trabalhar com turismo é delicioso.

10) Qual a cobertura inesquecível em sua vida? Por quê?

MAM – A do mensalão. Porque vi in loco como se dá a promiscuidade entre o poder e a imprensa. É um nojo! [N.doE.: voltaremos ao assunto, em um post conjunto]

11) Um livro inesquecível. Por quê?

MAM – A Revolução dos Bichos, George Orwell. Mostra como a luta pelo poder tem uma alta capacidade de corromper o indivíduo.

12) Uma canção inesquecível. Por quê?

MAM – “E eu que não me sento no trono de um apartamento com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar.” É auto-explicativa, não acha? [N.doE.: a música é simplesmente a que dá nome a este blog: ‘Ouro de Tolo’, de autoria de Raul Seixas]

13) Livro ou filme. Por quê?

MAM – Expandir a mente, sempre.

14) Finalizando, com os agradecimentos do Ouro de Tolo, algumas palavras sobre o blog ou seu autor/editor…

MAM – Obrigado pela oportunidade. É bom poder contar com pessoas generosas como você. Abraço.

4 Replies to “Jogo Misto – Marco Aurélio Mello”

  1. Parabéns pela entrevista e pela esscolha. O Marco Aurélio é um grande profissional e muito querido, faz jus a homenagem. Parabéns pelo blog

  2. Gostei muito desta entrevista. Conheci mais sobre a repercussão do trabalho deste profissional Marco, sincero, verdadeiro, dinâmico. Parabéns a todos Abraço Célia Menezes

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