Mais um domingo e mais uma coluna “Bissexta”, de autoria do advogado Walter Monteiro. O tema de hoje é o recente show de Paul McCartney no Brasil e as questões que envolvem o envelhecimento dos grandes astros da música.
Aliás, algo que me preocupa é o fato de que os maiores compositores brasileiros, hoje, são os mesmos da década de sessenta. Voltarei ao tema proximamente.
No final do texto o leitor pode ver um vídeo do show de Porto Alegre.
“La la, How The Life Goes On
Um dos dias mais felizes da minha vida aconteceu em abril de 1990. Eu, que sempre fui completamente enlouquecido pelos Beatles, tive a chance de ver Paul McCartney bem de pertinho. Comprei um ingresso com alguma antecedência e fui com uma turma grande de amigos para o Maracanã, umas 15 pessoas ou até mais, algumas eu nem conhecia direito. Gostei tanto que resolvi voltar no dia seguinte, acompanhado apenas por dois amigos, tão beatlemaníacos quanto eu, que assistimos ao segundo show cantando todas as músicas e chorando sem parar. Tive a sorte de estar morando em Porto Alegre quando Paul resolveu abrir a turnê sul-americana por aqui. E posso comparar os dois momentos.

Como as coisas eram mais fáceis em 1990! Para poder comprar o ingresso do show no Beira-Rio, centenas de pessoas passaram a noite na fila. Em pouquíssimas horas todas as entradas se esgotaram, antes que eu me desse conta de que deveria correr para o estádio. Na Internet, o site ficou fora do ar quase o tempo todo e quando voltou só havia opções para o ingresso mais barato, que me custou mais de R$ 250,00, com todos os penduricalhos de taxas que agora viraram moda.

Não tenho a menor idéia de quanto custou o show 20 anos atrás. Só sei que não lembro de ter ficado em fila alguma. Ou melhor, só decidi assistir o segundo show horas antes e ainda havia ingressos disponíveis. E não poderiam ser muito caros, afinal, éramos três estudantes e não pareceu nenhum sacrifício para nossos caraminguás de estagiários. Naquele tempo não tinha nada de frescuras do tipo área vip, camarotes de patrocinadores ou outros mecanismos de apartheid. Chegamos umas duas horas antes do início, fomos caminhando pela multidão e ficamos a poucos metros de Sua Santidade, Sir Paul McCartney.

Outra ótima lembrança é que gravei o show na versão editada pela Globo, no vídeo-cassete da minha mãe. As músicas eram mescladas com umas entrevistas do Paul no camarim. E nunca me esqueço (bom, eu revi a fita algumas vezes) dele dizendo que estava surpreso de ainda conseguir ser roqueiro aos 47, quase 48 anos.

Domingo passado entrei no túnel do tempo. Paul, de forma até mais generosa do que em 1990, cantou as músicas que todos aprendemos amar. É incrível como a música dos Beatles é atemporal, universal, eterna. Eu mesmo só conheci as músicas quando o conjunto já havia se desfeito fazia anos, mas fui escravizado por elas. E o mais impressionante é ver que o primeiro álbum, Please Please Me, foi gravado em 1963 e o último, Abbey Road, em 1969 (Let it Be foi lançado em 1970, mas com a banda já desfeita e aproveitando gravações de 1969). Nesse mínimo intervalo de 6 anos os Beatles lançaram 13 álbuns (sendo um deles duplo, o Álbum Branco), praticamente só com musicas inéditas e próprias. Só fizeram shows ao vivos até 1966. Foram mundialmente conhecidos em um tempo de comunicação precária, onde, claro, não existia Internet, transmissão via satélite e até mesmo a televisão era rara na casa das famílias. Haja criatividade. Haja talento.

Mas me parece que para tudo na vida há limites. Paul continua tocando divinamente bem, a banda que o acompanha é sensacional, os efeitos visuais do show são impressionantes, principalmente os telões de alta definição, mas me deprimiu ver aquele vovozinho de cabelo pintado de acaju, mãos enrugadas ao piano, procurando emular a si mesmo quando jovem.

Talvez tivesse sido melhor ter ficado apenas com o show mágico de 1990 na memória, quando Paul já não era nenhum garoto, mas ainda tinha traços mais joviais. Vê-lo assim tão distante das fotos da década de 60 que o telão atrás do palco insistia em mostrar, me deu um choque de realidade de que, não importa o quanto a pessoa se esforce, life goes on, bra, la la, how the life goes on.

And if you want some fun, take obladiblada.”