A notícia mais importante dos últimos dias para os cariocas foi a sucessão de arrastões ocorridos em diversas vias da cidade. Ao contrário de outras ocasiões, ao invés de simplesmente roubar os carros os bandidos passaram a incendiá-los, destruindo-os completamente e não usufruindo do que seria o produto do roubo. Tal característica nos traz uma série de questões.

A política de segurança pública do Rio de Janeiro vem se alicerçando no que se chama UPP – Unidade de Polícia Pacificadora. Esta consiste na ocupação indeterminada de favelas e comunidades cariocas, expulsando o tráfico e as milícias destas áreas e retirando o poder de domínio sobre estas comunidades. Como consequência, tanto o tráfico quanto a mílicia tem suas fontes de renda comprometidas, o que, obviamente, levaria a uma reação.

O leitor mais antigo do Ouro de Tolo sabe que tenho algumas restrições ao projeto das UPPs. A meu juízo trata-se de uma estratégia insustentável a longo prazo, que ‘guetiza’ e estgimatiza o morador da comunidade e que, ao fim e ao cabo, atende a interesses de parcelas mais abastadas da cidade. Basta notar que as primeiras unidades foram instaladas em comunidades da Zona Sul carioca, migrando depois para a Tijuca.

Entretanto, sem dúvida alguma tal instituição se converteu em um manancial precioso de votos nas últimas eleições para o governador reeleito Sérgio Cabral. A sensação de segurança percebida tanto pelos moradores de favelas quanto especialmente pelos formadores de opinião levou à formação de uma massa crítica de apoio à continuidade do projeto. Por outro lado, sem a intervenção do Estado através de outros instrumentos de política pública a tendência é de que no médio e longo prazo haja um esgarçamento desta estrutura e a volta à uma realidade anterior.

Contudo, não é deste aspecto que estamos tratando, mas sim da reação dos bandidos – aí incluo milícias, maus policiais, comandantes de batalhões e assemelhados – à perda de lucrativos mercados não só de venda de drogas como de todas aquelas atividades paralelas exercidas pelas milícias – que possuem um potencial inesgotável não só de recursos financeiros como de sufrágios nas eleições. Era evidente que não ficaria sem resposta a implantação deste tipo de política.

No início deste ano publiquei post com o depoimento de um (provável) policial militar dado na resenha do livro “Sangue Azul”. Ele dizia que os traficantes “donos” dos morros foram traídos por seus sócios na Polícia e na política, tendo sido obrigados a procurar outros locais. Note-se que de lá para cá o Complexo do Alemão se tornou refúgio dos traficantes do Comando Vermelho e, por exemplo, o índice de assaltos a carros e residências na Ilha do Governador aumentou siginificativamente.

Na prática o que acabou ocorrendo foi uma “migração” do crime, saindo de áreas mais abastadas – e com maior poder de pressão sobre os políticos – para outras não tão organizadas e de menor poder aquisitivo. Municípios fluminenses como Macaé também sofreram os efeitos deste deslocamento de criminosos em busca de recuperar seus ganhos, sejam traficantes, sejam até milicianos. Por outro lado parece claro que “bandidos acima de qualquer suspeita” na cúpula também contribuem para tal fato.

Claramente os últimos “arrastões” fizeram parte de uma estratégia coordenada e que visava, a meu ver, dois objetivos: o primeiro estabelecer uma atmosfera de pânico na população e na imprensa; o segundo mandar algum tipo de “recado” àqueles que mandam. Talvez as próximas UPPs a serem instaladas no Complexo do Alemão, na Mangueira e na Rocinha – pontos chave tanto em faturamento quanto em estratégia logística – tenham motivado o comando do tráfico a estabelecer este tipo de ação. 

Acrescento que a política da escola de samba verde e rosa também tem de ser olhada sob este aspecto, a propósito, em especial pelo volume de recursos envolvidos e pela frequência de adeptos e simpatizantes. Não tenho elementos aqui para afirmar que há influência de elementos ilícitos em sua administração, mas sem dúvida alguma é uma possível “tentação” de fonte de recursos – em especial se a UPP for mesmo instalada. Mas este é outro assunto.
O leitor mais apressado pode concluir que os motivos que eu aponto acima seriam os causadores dos arrastões em série. Só que tem algo que me intriga: tanto no Trevo das Margaridas (Irajá, acesso à Rodovia Presidente Dutra) quanto na Linha Vermelha (fotos) há unidades policiais próximas e que poderiam chegar em pouquíssimo tempo aos locais dos crimes. No caso específico da Linha Vermelha há um batalhão da Polícia Militar na via, a aproximadamente uns seis, sete minutos (se muito) de onde houve a ocorrência. A demora na ação policial, a meu ver, é no mínimo estranha.

Ainda mais quando nos lembramos de um caso ocorrido na semana passada: policiais em um carro roubado, do citado batalhão, foram interceptados por PMs da unidade da Ilha do Governador. Na troca de tiros um dos PMs ao volante de um carro roubado acabou morto. Aliás, a atitude do Comandante Geral da Polícia Militar foi no mínimo hipócrita, ao declarar que o policial morto e os demais presos eram uma mancha na corporação e que eram casos isolados. Das duas uma: ou ele não conhece a Polícia que comanda ou, como se diz popularmente, “jogou para a galera”

Demagogia, em português claro.

Ou seja, o que desejo chamar a atenção do leitor é para o fato de que a questão destes arrastões é mais complexa que o senso comum vendido ao grande público. Tem política envolvida, tem polícia, tem tráfico e tem milícia. Por mais que o Secretário Beltrame diga que irá reforçar o policiamento e que este tipo de evento é “inevitável”, algum tipo de recado ou reação está em andamento e, certamente, as tratativas para a volta à normalidade não devem, acredito eu, passar pelos olhos do cidadão.

Aguardemos.

P.S. – Existe um perfil no Twitter chamado “Boca De Sabão”, que de forma anônima tem como objetivo divulgar o dia a dia negro da Polícia Militar. É uma bom retrato da realidade e recomendo segui-lo(s).

(Fotos: O Globo)