Mais uma quarta feira e mais uma coluna “Formaturas, Batizados & Afins”, do Professor de Biofísica Marcelo Einicker Lamas. Hoje a coluna trata, com um depoimento absolutamente pessoal, do centenário de nascimento do pesquisador Carlos Chagas Filho, que se dará no próximo dia 12.

“Centenário de Carlos Chagas Filho

Caros amigos,

Em um país onde temos como ídolos além dos jogadores de futebol, artistas, cantores e pessoas que muitas vezes não contribuíram com nada para nosso desenvolvimento, esta coluna presta uma homenagem a um dos maiores homens que o Brasil já teve. Se vivo fosse o Professor Carlos Chagas Filho estaria completando em 12 de setembro exatos 100 anos! Claro por esta data tão marcante, diversas homenagens tem sido feitas a ele; e por mais homenagens que se façam, ainda será pouco tal foi o legado deixado por este grande pesquisador brasileiro.

Um breve resumo da vida de Carlos Chagas Filho

Foi no Rio de Janeiro, em 12 de setembro de 1910 que nasceu Carlos Chagas Filho, como indica o nome, filho de Carlos Ribeiro Justiniano Chagas ou simplesmente Carlos Chagas – grande médico e cientista que até hoje é o único pesquisador na história a ter descoberto uma doença (Doença de Chagas), o inseto transmissor (“barbeiro”), seus sintomas, seu agente causador (o protozoário Trypanosoma cruzi) e ciclo de vida. Por este feito, Carlos Chagas (o pai) teria sido indicado ao Prêmio Nobel de 1934 mas…sabe-se lá por que motivos, não houve premiação naquele ano. Mas isso é uma outra estória.

Carlos Chagas Filho tinha não apenas o pai como grande exemplo, mas também seu irmão mais velho, Evandro Chagas – que morreu precocemente vítima de um acidente aéreo. É muito comum nos depararmos com Hospitais, Ruas, Escolas, Praças, enfim, vários logradouros e instalações que levam o nome de Carlos Chagas e de Evandro Chagas. Mas hoje falamos de Carlos Chagas Filho e por isso darei foco em sua figura.

Em 1926 ingressou na Faculdade de Medicina da UFRJ, na época Universidade do Brasil na Praia Vermelha e já no ano seguinte começou sua formação científica no Instituto Oswaldo Cruz – FIOCRUZ, onde já trabalhavam o pai e o irmão. Em 1931 conclui o curso de Medicina e ganha um prêmio por ter alcançado as melhores notas nos anos de graduação.

Seguem-se anos bem intensos e importantes para a vida de Carlos Chagas Filho. Ele começa a trabalhar e dirigir hospitais não só no Rio de Janeiro, mas também em Minas, onde o pai descobrira a Doença de Chagas. Em 1934, com a morte do pai, Carlos Chagas Filho intensifica sua atuação nas unidades de saúde. Já no ano seguinte se casa com Anna Leopoldina Alvim de Mello Franco, com quem viveu até o fim da vida e teve quatro filhas, que ele dizia serem “minhas quatro filhas únicas!”. Com o casamento, Carlos Chagas Filho passou a frequentar ambientes com pessoas da alta sociedade carioca, além de começar a conhecer Ministros de Estado, Diplomatas e pessoas de grande influência. Carlos Chagas Filho teve a sabedoria de poder e saber utilizar estes conhecimentos para alavancar o desenvolvimento científico no Rio de Janeiro e iniciar uma trajetória singular na história de nosso País. Com Guilherme Guinle ele conseguiu recursos que em muitas épocas o ajudaram a comprar equipamentos e pagar bolsas para estudantes, por exemplo.

No mesmo ano de seu casamento, Chagas Filho é aprovado num concurso de Livre-Docência em Física Biológica na Faculdade de Medicina, ou seja, em 10 anos ele se formou Médico e se tornou professor da Universidade. E aí, nesta época, Chagas Filho inicia um processo que teve uma repercussão gigantesca para a estória da pesquisa científica no Brasil. Ele percebeu que precisava aliar pesquisa e ensino, pois até então o que se tinha era a Universidade como local de ensino e as Institutições de Pesquisa, como o Instituto Oswaldo Cruz, obviamente como locais de pesquisa.

Para Chagas Filho tanto a pesquisa quanto o ensino iriam melhorar muito se caminhassem juntos; e pensando nisso ele cria o Laboratório de Biofísica na Universidade do Brasil, começando então a aliar pesquisa e ensino. Chagas Filho percorre a Europa em viagens onde busca aprimorar seus conhecimentos e contactar pesquisadores importantes da época para convidá-los a vir ministrar cursos no Brasil. Fazendo isso, Chagas foi formando pesquisadores em diferentes áreas de conhecimento. Com isso, ele cria a Cátedra de Biofísica, que já é formada por vários Laboratórios de diferentes especialidades. Muitas vezes perguntaram ao Prof. Carlos Chagas Filho o que era Biofísica, e ele costumava responder: “Biofísica é tudo que nós gostamos de estudar e pesquisar”, o que fez com que ele não se prendesse a uma única especialidade.

Neste período, Chagas Filho sofria muita pressão de pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz, incluindo seu irmão, que queriam que ele se fixasse naquela Instituição de pesquisa e deixasse de lado esta “aventura” de aliar pesquisa e ensino na Universidade. Em 1940, Chagas Filho perde seu irmão Evandro num acidente de avião e guarda este sentimento de perda por toda vida. Ele costumava dizer que Evandro era mais brilhante que ele e que o próprio pai, e que era uma pena grande que ele tivesse partido ainda tão jovem, com tanto a contribuir. Mas Chagas Filho seguiu firme seus propósitos e em 1941 se tornou membro da Academia Brasileira de Ciências da qual foi presidente entre 1961-1966.

Em 1945, a Cátedra de Biofísica já tinha em seus laboratórios um grupo sólido de pesquisadores brasileiros e até estrangeiros e a Universidade do Brasil já não era apenas um local de ensino, mas de pesquisa de grande qualidade. Tão conceituada que em 17 de dezembro de 1945, por decreto, é criado o INSTITUTO DE BIOFÍSICA DA UNIVERSIDADE DO BRASIL, que depois em 1985 passou a se chamar INSTITUTO DE BIOFÍSICA CARLOS CHAGAS FILHO e hoje é um dos Centros de Excelência da Pesquisa Científica no Brasil. O Instituto de Biofísica está dividido em 7 Programas Temáticos: Parasitologia, Fisiologia e Biofísica Celular, Neurobiologia, Imunologia, Bioengenharia Tecidual, Biologia Molecular e Biofísica Ambiental e Radioisótopos.

Chagas Filho participou da criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e sem dúvida mudou os destinos do País na área da Ciência e Tecnologia. Foi ainda, diretor da Faculdade de Medicina, Decano do Centro de Ciências Médicas da UFRJ, Presidente da Academia Pontifícia de Ciências do Vaticano – onde foi o mediador da histórica reabilitação de Galileu Galilei, assim como da datação do Santo Sudário. Era grande amigo do Papa João Paulo II e considerado pelo próprio Papa o grande responsável pela aproximação da Fé e da Ciência. Eleito para a Academia Brasileira de Letras, premiado no Brasil e no exterior. Em 1999 como reconhecimento, a Fundação de Amparo a Pesquisa do Rio de Janeiro (FAPERJ), passou a ter o nome de Carlos Chagas Filho.

Por mais breve que se tente traçar uma biografia deste brasileiro de valor, fica muito difícil e arriscado, pois se pode esquecer de algum fato muito importante. Por isso, deixo estes links onde poderão complementar este texto de forma bem rigorosa:

http://gina.abc.org.br/org/aca.asp?codigo=ccf#biog
http://www.canalciencia.ibict.br/notaveis/resumo.php?id=11
http://www.biof.ufrj.br/content/memoria-carlos-chagas-filho

O privilégio de tê-lo conhecido

Entrei para o Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho em outubro de 1989, como estagiário de iniciação científica do Laboratório de Biomembranas. Por uma feliz coincidência, o “meu” Laboratório ficava ao lado do Laboratório do Prof. Carlos Chagas Filho, e de 1989 até 2000, ano de sua morte, tive várias oportunidades de conversar e de estar com ele em diferentes eventos.

A primeira coisa que chamava a atenção no Doutor Chagas (como o chamávamos), era sua simplicidade e o olhar sempre meigo e carinhoso com que se dirigia a todas as pessoas, do Diretor ao faxineiro. Ele sempre queria saber dos alunos a quantas ia o trabalho, o que estávamos pesquisando e não se esquecia destas conversas mesmo meses depois. Era uma pessoa incrível. Já no mestrado, me inscrevi no curso que o Doutor Chagas ministrava para a Pós-Graduação – Metodologia Científica, que era sempre o curso mais procurado de toda a pós-graduação.

Vale ressaltar que Doutor Chagas deu o curso até o ano anterior de sua morte, ou seja, já com mais de 80 anos, com todo o curriculum que tinha, todos os prêmios que tinha, sem precisar provar ou mostrar mais nada, ele ainda mantinha firme o hábito de vir ao Fundão dar sua aula; o que fazia com a intensidade de um principiante, mas com a experiência de quem viveu os momentos históricos da evolução da Ciência no Brasil. 

Nos seus últimos anos de vida, o Prof. Chagas Filho precisava de uma cadeira de rodas para se locomover, mas nem por isso deixava de vir ao Instituto. No fim da tarde, a secretária dele telefonava lá para o nosso Laboratório e docemente dizia: “Marcelo, o Prof. Já está indo. Você poderia ajudar a descer a cadeira de rodas?” Eu parava o que estivesse fazendo e junto com outro amigo do Instituto conduzíamos o grande Mestre até o estacionamento onde o ajudávamos a entrar no carro que o levava de volta para casa. Um trajeto de poucos metros pelo corredor do Instituto de Biofísica que por anos me deu este privilégio de conversar diariamente com este que foi um dos principais cientistas de nosso País. Tenho grande orgulho de ter em meu curriculum vitae dois artigos científicos publicados em co-autoria com o Prof. Carlos Chagas Filho.

Na semana passada o Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho fez um Simpósio comemorativo ao Centenário de Carlos Chagas Filho onde estiveram presentes diversas autoridades e em vários momentos ele foi muito lembrado não apenas como o Mestre e Pesquisador que foi, mas como ser humano. Imagens do Prof. Carlos Chagas Filho em comemorações do Instituto e nas festas juninas e de final de ano emocionaram todos os presentes. Ele achava importantíssimo este encontro de toda comunidade do Instituto, um momento de troca de experiências e de surgimento de colaborações; além  é claro de todo o simbolismo de união e amizade que estes eventos celebram. Ainda em 2010 estão previstas mais homenagens, que certamente merecerão destaque na mídia.

O Prof. Carlos Chagas Filho faleceu em 16 de fevereiro de 2000 aos 89 anos de idade, mas com certeza para nós que trabalhamos no Instituto que ele criou ele é eterno! Até porque sempre que chegamos para mais um dia de trabalho vemos estampado na portaria de vidro da entrada um grande retrato dele e a sua frase mais famosa: “na Universidade se ensina porque se pesquisa”.
 

Nos seus 100 anos, receba os parabéns de todos nós pesquisadores querido Doutor Chagas! Obrigado por tudo!

Até a próxima
Marcelo Einicker Lamas”