Eis que, ao contrário do que anunciei aqui, a Portela, a minha Portela trocou o enredo que irá apresentar no carnaval de 2011: “Rio, Azul da Cor do Mar”.

O Presidente Nilo Figueiredo, no cargo desde meados de 2004 após um processo eleitoral tumultuadíssimo – com direito a dois pleitos, carteiras falsas e “otras cositas más” – em sua administração fez com que a escola evoluísse em diversos aspectos. Hoje a bateria é a melhor da cidade (atual Estandarte de Ouro), bem diferente do caos que era em 2004, quando desfilei tocando chocalho. Temos um puxador decente e que não é compadre do presidente, como anteriormente. nosso casal de mestre sala e porta bandeira é um dos melhores do carnaval, se não o melhor. Há incentivo a novos profisisonais e a idéias e a escola, hoje, tem uma vida que transcende os 82 minutos de desfile.

Contudo, há pontos em que a direção da escola deixa muito a desejar, como já havia escrito anteriormente. Um deles é a escolha do enredo, que vem sendo baseada, sempre, em temas que permitam patrocínios milionários. Entretanto, apesar de a escola hoje vestir aproximadamente 2.500 pessoas entre alas de comunidade e outras como baianas e bateria a parte plástica, em especial as alegorias, deixam muito a desejar.

Uma escola de samba hoje recebe de verba entre subvenções estadual e municipal, direito de arena da televisão, ingressos e venda de Cds aproximadamente R$ 4 milhões. Minha estimativa é de que o desfile da escola em 2010, péssimo desfile por sinal, não tenha gasto mais que R$ 2 milhões, talvez uns 2,5 milhões levando-se em conta as despesas correntes – salários, manutenção e que tal.

Ou seja: uma tremenda incoerência, para se dizer o mínimo, com o discurso oficial da escola de que “é impossível se fazer carnaval sem patrocínio”. Quem leu os artigos do jornalista especializado em carnaval Aloy Jupiara que transcrevi aqui vai entender um pouco o que ocorre.

Outro problema é que, mesmo com os patrocínios, a escola é sempre a última a iniciar seus preparativos. Eu me recordo que em 2007 a três semanas do carnaval os carros eram apenas chassis. Saiu o carnaval ? Saiu. Mas alegorias mal acabadas devido à pressa e que deixaram vários pontos na apuração. Este ano o carro que vinha á frente da ala em que desfilei foi “finalizado” com a escola já desfilando.

Mais uma problemática, solucionada este ano, é a qualidade dos carnavalescos da escola. Por pagar salários abaixo do mercado a escola acaba atraindo carnavalescos inexperientes ou que não são considerados do primeiro time de artistas. O ex-rei Momo Alex de Oliveira, “carnavalesco” de 2010, é um exemplo.

Ele tinha feito apenas a Unidos do Jacarezinho em 2009 – com alegorias e fantasias ruins e mal acabadas, a propósito – e não satisfeito em arruinar o desfile da águia em 2010 ainda rebaixou a mesma Unidos de Jacarezinho. Para completar, ainda rebaixou para o Grupo de Acesso a Tradição de Bangu no carnaval virtual. Três fracassos retumbantes no mesmo ano e que deixaram claro que o ex-soberano da folia, decididamente, não é do ramo.

Ele é reflexo da busca por pretensas revelações que sejam mais baratas e permitam à escola estabelecer uma (duvidosa) economia. O típico caso onde o barato sai caro. Outro ponto é que o ambiente de trabalho da escola é extremamente “estressante” e isto afasta os profissionais mais talentosos – já ouvi de um destes que “com esta diretoria, não trabalho na Portela”.

Talvez por causa do fiasco de 2010, e em especial das eleições que se aproximavam para maio, foi contratado o carnavalesco Roberto Szaniecki (abaixo), polonês, com longa estrada no carnaval e em especial um figurinista de grande talento. Ele estava fora do mercado devido à fama de nunca terminar os carnavais que inicia, e provavelmente deve ter vindo por um salário abaixo de seu talento. Apesar deste defeito, sem dúvida alguma é um grande salto de qualidade na plástica da escola, nem que seja na beleza das fantasias – até porque ser pior que 2010 é virtualmente impossível. Entretanto acredito que será o melhor ano da escola neste quesito desde que a atual diretoria assumiu o mandato.

Por falar em mandato, eu acabei não indo votar, mas nem adiantaria: o pleito se resumiu a assinar a lista de presença, não havendo cédulas para voto em branco ou nulo. Ainda lembro que o Estatuto foi alterado para que o Presidente pudesse se candidatar a um terceiro mandato: entretanto, eu estou até hoje esperando a convocação para a Assembléia de Sócios que deliberaria sobre tal questão. Sinceramente, não sei qual foi o estratagema utilizado para tal.

Voltando ao enredo 2011, o sonhado “Portela dos Grandes Carnavais” foi descartado sob a alegação de que não tinha patrocínio e que “sem patrocínio não se faz carnaval” – que, como vimos no alto, é uma falácia. Com exceção de 2009 – não por acaso, a melhor classificação da escola desde 1995 – a escola vem mantendo uma linha de enredos politicamente corretos e de exaltação às diferentes esferas de governo.

Foi escolhido um enredo que celebra a relação do homem com o mar, enaltecendo as grandes navegações, o Centenário do Porto do Rio e o pré-sal, entre outras questões. Ainda não tem patrocínio mas foi concebido de forma a buscar posteriormente o aporte de recursos. Entretanto, será uma grande ironia se tais não aparecerem…

Transcrevo abaixo parte da sinopse, retirada do excelente site PortelaWeb – também fonte das fotos que ilustram este post e do qual, ainda que meio inativo, faço parte da equipe. Vale a pena conferir lá o áudio da explanação sobre o enredo feita pelo carnavalesco.

Minha avaliação é de que não é um enredo ruim – ainda mais se comparado a 2010 – e que vai permitir um desfile razoável à escola, ainda que com um desenvolvimento bastante batido – e se houver investimento, claro. Por outro lado existe a possibilidade de um bom samba, até porque foi pedido que se mudasse a linha dos sambas atuais da escola, “funcionais”, mas frios. A Ala de Compositores portelense é a melhor do Rio de Janeiro e deve sair uma grande composição do concurso, o qual estarei proximamente dando notícias aos leitores.

Havia considerado seriamente a possibilidade de não desfilar pela escola, ainda mais depois da troca do enredo, mas sei que meu coração não vai resistir…

RIO, AZUL DA COR DO MAR

Sinopse

Porto de Sapucahy , verão de 2011

Soltem as amarras e deixem as velas enfunarem ao sabor do vento. Vejam o cais se distanciar e, com ele, as lembranças que ficaram. Na bagagem, trazemos sonhos e esperança. Nossos olhos já não conseguem divisar o que é  mar, o que é céu, e tentam traçar uma linha de equilíbrio no horizonte. Singramos no azul!

Subamos à gávea para conversar com as estrelas, companheiras de saudades e solidão. Ora, direis, ouvir estrelas… Por que não?

Estrelas são quase tudo o que temos. Além delas, trazemos instrumentos que nos ajudarão a decifrá-las. Elas se espalham pelo céu formando desenhos e um deles nos chama a atenção. É uma águia! Sim, uma águia em forma de constelação. E será esta que escolheremos para nos guiar pela imensidão.

Dizem que o destino está traçado nas estrelas. Ensinam que precisaremos de muita coragem para enfrentar os perigos e, sobretudo, determinação. E, com fé em Deus, navegaremos pelos sete mares que abrirão os portais do coração.

No Reino de Poseidon, tempestade e bonança

Estamos a muitas braças do continente, nessa noite tenebrosa. A fúria do vento força a resistência dos cabos que sustentam o mastro principal. O tecido das velas parece que não conseguirá resistir. Ondas se agigantam, cobrindo o casco. Raios, relâmpagos e trovões abrem fendas no firmamento.

Começamos a enfrentar o desafio do desconhecido. E, sem que tenhamos tempo de raciocinar, nos deparamos com o medo escondido em nossos porões.

Das profundezas surgem criaturas fantásticas! São polvos, serpentes e dragões abrindo uma estrada na espuma, levando-nos por um turbilhão sem fim.

Ao abrirmos os olhos, porém, tudo se transforma. Cavalos marinhos conduzidos por guerreiros  transportam o cortejo de reis e rainhas que governavam a crença de civilizações que desapareceram no mar abissal.

O que tenta nos dizer a tempestade, afinal? 

Respeitar o que é do mar, mas nunca temer. Acima de toda maldade, o bem sempre há de vencer.

Mare Nostrum, sob a luz de Alexandria

Estas galés que cruzam o nosso caminho transportam toras de cedro, tapetes, tecidos, cerâmicas, corantes, jóias, peças de metal e outros produtos que as mãos do homem foram capazes de moldar.

Do Oriente partem gigantescas embarcações. São os chineses oferecendo novas trocas, ampliando suas rotas, construindo relações.

São mercadorias que remontam aos tempos dos primeiros navegantes, que se lançaram ao mar. Para trocá-las em outros portos, fenícios e egípcios não imaginavam que também deixariam vestígios de sua cultura milenar.

Gregos e romanos inauguraram um tempo de conquistas, ampliando as frentes de comércio e os limites de seus territórios.

Da distante Alexandria, brilha uma chama, transformando a noite em dia.

A caminho de Calicut

Debruçados sobre mapas, lendas e antigos relatos tentamos encontrar o caminho que nos levará às misteriosas terras das especiarias. É para lá que apontam nossos olhos, mergulhados em fascínio.

Para proteger este comércio, mercadores árabes semearam lendas de monstros e gigantes que devoravam quem ousasse cruzar os seus domínios.

Tudo mentira. O pesadelo agora é um sonho. As águas ganham novos matizes e como atrizes representam cada uma de nossas expectativas: cravo, canela, açafrão, flor de lótus e também porcelanas, tapetes, sedas e joias que não se cansam de brilhar.

As mais variadas fragrâncias se misturam no ar. Conseguimos, estamos em Calicut! Mas não devemos nos demorar.

Atlântico, em direção ao Pacífico

O Velho Mundo despertou para um novo século sabendo que não estava mais só. Por trás do horizonte, entre o nascente e o poente, existiam outras terras e riquezas a se alcançar.

Eram terras primitivas, que ficavam muito além da calmaria e daqui podemos vê-las. Ao dia, parece uma deslumbrante miragem, ocupada por nativos, adornadas pelas praias e a plumagem dos pássaros mais bonitos que já se viu. Eis a visão do paraiso tropical.

São tantas terras que nossos olhos se perdem ao tentar abraçá-las. Elas se escondem sob florestas, percorrem montanhas e flutuam nas nuvens, onde guardam segredos e mistérios de antigos impérios, que se curvavam diante do Sol.

Quantas riquezas brotam de suas nascentes! Ouro, prata, pedras preciosas e uma madeira estranha, que tinge de sangue o tecido mais nobre. Dizem que o futuro a perpetuará na força de um gigante chamado Brasil.

Mare Liberum, numa ilha do Caribe
Quantas estradas se abrem neste azul sem fim! O Atlântico é cortado em todas as direções. Embarcações de diversas bandeiras transportam cana-de-açúcar, café, tabaco e algodão.

Já não existem fronteiras para o comércio, nem medidas para a ambição. Outras galés rumam para a África, inaugurando a rota do tráfico negreiro. Trazem milhões de escravos, despejando-os em solo americano. Aceleram a produção, deixando uma dor que não se apaga e uma chaga que ainda marca o sentimento humano.

Negros vão, corsários vem. O mar já não pertence nem à Armada do Rei. Agora, é terra de ninguém.

Brasil, entre riquezas e belezas

Abençoada natureza, que sempre encantará os olhos de quem veleja no aconchego dessa Baía.  A mesma brisa que traz lembranças do passado, sopra na direção do futuro, ensinando que o mar foi, é e será a principal via de comunicação entre os povos mais distantes.

Salve, Porto centenário, e esse intenso vai-e-vem do comércio exterior. Foi aqui que começaram e depois se intensificaram nossas relações com o estrangeiro.

Esse marulhar fustiga a todo instante, recordando investidas e o leva-e-traz . As ondas não se cansam de contar todos os tesouros que ficaram para trás; mas ainda guardam nas profundezas a mais preciosa das riquezas, que, por muito tempo, nos impulsionará.

Rio de Janeiro, ponto de encontro de brasileiros de Norte a Sul, de Leste a Oeste; que recebe de braços abertos o jangadeiro e outros irmãos do Nordeste.  Rio das praias, das raias, cruzeiros, pescadores da noite e da vida marinha. Terra de São Sebastião, paraíso dos golfinhos.

Porto dos Amores, Fonte da Inspiração

Aqui da proa, quando olhamos para trás, não conseguimos dar conta do tempo que passou. Orientados pelas estrelas, desafiamos tempestades, enfrentamos inimigos e aprendemos que navegar é preciso – mas na mesma direção!

Foi assim que descobrimos novos continentes, inauguramos a rota do Oriente e encontramos em pleno mar a Fonte da Inspiração.

Traduzimos os sentimentos em música, transportamos a emoção para a ópera e o teatro, recriamos aventuras em romances, no cinema eternizamos sagas e amores em paginas de clássicos memoráveis. Quando pintamos uma marina, tentando retratar a fascinação que existe em tanto mar, deixamos o azul brincar na tela.

Descobrimos que o mar não é apenas um tema: ele tem início, meio e fim, é um enredo. E toda essa experiência começou quando vencemos o medo, desfraldando as velas no Carnaval.

Pois, o amor é azul.
O céu é azul.
O mar é azul.
E entre eles, navega a nossa querida Portela!”

2 Replies to “Rio, azul (meio turvo) da cor do mar”

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