Em um dos primeiros textos deste blog eu escrevi sobre os acontecimentos do ano de 1968 e a nostalgia que sentia por não ter vivido aqueles tempos. Também chamava a atenção para o fato de que os resultados daquela revolta transformadora se fizeram sentir muito mais na esfera das liberdades individuais que na liberdade política ou de sociedade, e no quando isto interferiu nas duas gerações extremamente individualistas – incluindo a minha – que se seguiram.
Conversando com uma pessoa no meu trabalho esta semana o tema voltou à baila. Eu cada vez mais venho sentindo saudade de tempos que não vivi, ouvindo músicas das décadas de sessenta e setenta, estudando estes períodos históricos. Tenho preferido revisitar os clássicos que buscar novidades muitas vezes de gosto duvidoso.
Acho que já escrevi aqui que venho ouvindo muito a cantora norte americana Joan Baez. Suas interpretações já apareceram por quatro ocasiões na coluna “Final de Semana” desde outubro, quando tomei contato com sua música doce e que canta a solidariedade e os mais fracos; brevemente “Here´s You” estará na mesma série do blog.
A propósito, a música selecionada para amanhã é um solo de sax do grande John Coltrane (foto), um dos mestres do jazz e do qual adquiri um cd na última semana. Cada vez mais venho buscando a grande música do Século XX, muitas vezes de tempos em que eu era nascido ou era, ainda, muito pequeno.
Talvez contribua para isso o fato de os tempos atuais serem cada vez mais individualistas, cada vez mais superficiais, descartáveis e profundamente materialistas. Sem contar a praga do “politicamente correto”, que foi uma dose cavalar de hipocrisia no dia a dia do ser humano e nas convenções referentes à vida em sociedade. O mundo hoje está mais medíocre e mais chato.
Infelizmente não tenho tendência à mediocridade nem à hipocrisia. Detesto estas duas características. Também não gosto do que outro amigo meu denomina com muita propriedade de “bovinismo”, que é o de adotar comportamente idêntico à massa a fim de não ser discriminado por ser diferente. Andar em manada, seria uma tradução mais real do termo.
Como não me agradam estas características dominantes na sociedade e na cultura de massa de hoje e ao mesmo tempo eu não sou mais um garoto na flor da juventude, cada vez mais venho me refugiando nas características de tempos anteriores. Redescubro, revisito, reponho meu cabedal de conhecimento e de sensibilidade a fim de neutralizar cada momento rotineiro do dia a dia cada vez mais entediante; doses de classicismo e de aprendizados, cálices de sentimento e histórias de um tempo onde havia necessidade de solidariedade, vontade de se construir algo novo, idealismo e poesia.
A vida de hoje é urgente. Tudo é “para ontem”, tudo é imprescindível, tudo é acelerado. “Impaciência” é a palavra de ordem. Não nos permitimos degustar nada, esperar nada, prosear, dar chance ao outro de se manifestar.
Acredito que a tecnologia ao mesmo tempo em que tornou muito mais fáceis diversos aspectos da vida humana por outro lado levou a este estado de urgência, intolerância e impaciência. Além disso vivemos tudo muito aceleradamente e hoje se vivem quarenta e oito horas em vinte e quatro. Não admira o aumento crescente de casos de stress, AVCs e enfartes.
Outra resposta a esta mediocrização e ao “bovinismo” é a cada vez maior “guetização” dos indivíduos em tribos, que exercitam a intolerância. O indivíduo precisa se sentir em grupo, se sentir aceito. Portanto, não admira o ressurgimento de guerras nacionalistas e religiosas, derivadas, muito grosso modo, deste fenômeno.
Também vem daí a progressiva “celebrização” da vida humana e a transformação destas “pessoas famosas” quase em semi-deuses. Sobre este fenômeno tratei em texto anterior.
Minha resposta a esta deterioração da sociedade, da cultura e dos costumes é redescobrir o antigo, rever o que de valor produzimos. Mais vale buscar a qualidade que ir atrás de duvidosas novidades. Mais vale buscar a solidariedade dos jovens de 68 que a egoísta busca pelo prazer hedonista da juventude atual. Mais vale buscar valores como a política, o humanismo e a qualidade de vida que a gana cega pelo consumo.
Como resultado, sou uma pessoa nostálgica, quase melancólica até. Sinto saudade de um tempo que eu não vivi, que eu não senti na carne, apenas nas lembranças. Redescubro a boa música que não toca nas rádios, o poeta semi-esquecido, a poesia escondida em uma boa prosa.
Obviamente, para muitos eu sou um chato. Não me importo, até porque “chato” é algo marcado de forma indelével em meu DNA desde que nasci…
P.S. – A foto acima é da Passeata dos Cem Mil, em Junho de 1968. Você leitor imaginaria algo parecido nos dias de hoje ? Mais, conceberia uma faixa com os dizeres como estes que aparecem na foto ? E depois reclamam dos políticos…

3 Replies to “Nostalgia do Que Não Vivi”

  1. Adorei o post. tb sofro dessa nostalgia do que não vivi..amo ver filmes e ouvir musicas dos anos 50,60 e 70.

  2. olá, como posso achar filmes e musicas antigas, pois tenho essa mesma nostalgia, por favor me indique um site

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