O IBGE divulgou ontem os dados da POF – Pesquisa de Orçamento Familiar. Tal pesquisa, feita pela terceira vez, mede o dispêndio das famílias brasileiras, a evolução de sua renda e consequente concentração. 
Além disso, serve para definir os pesos a serem utlizados na aferição do IPCA – Índice de Preços ao Consumidor Ampliado – principal índice de inflação do período.

Esta foi realizada entre 2008/09, enquanto que a anterior ocorreu entre 2002/03.

O primeiro dado que chama a atenção é a redução do gasto das famílias com a alimentação, como se vê no gráfico acima. Ao contrário das manchetes capciosas dos principais portais de internet ontem, isto é um sinal de progresso e eu explico porquê.

Despesas com alimentação são o que qualquer estudante do segundo período de Economia chamam de ” bens inferiores”: à medida em que se eleva a renda o total das despesas com este tipo de bens cai na proporção da renda total. Isto é mais ou menos lógico: como os alimentos são a despesa mais importante e suas necessidades em termos de quantidades não mudam muito em relação à renda familiar, quando a renda cresce há uma maior disponibilidade de recursos para o atendimento a outras necessidades que por exiguidade de renda são atendidas precariamente.

Obviamente, há um “efeito substituição” de produtos de menor qualidade por outros mais nobres, não somente em termos de marcas como a troca de cereais por proteínas; mas este efeito é menor que o “efeito renda” verificado. Mas pode ser observado levando-se em conta que o consumo de carnes e peixes (proteínas) subiu de 18,3% do total dispendido em alimentos para 21,9%. Por outro lado, o consumo de cereais, leguminosas e oleaginosas caiu de 10,4% para 8,0%.

Cereais e proteínas possuem uma espécie de “efeito substituição”: quando a renda de um indivíduo aumenta ele muda de padrão alimentar: consome menos cereais e mais proteínas. Inclusive este foi o tema de minha monografia final de curso na faculdade de Economia, padrões alimentares. Se a renda aumenta mais ele diminui o consumo destes dois tipos de produtos e aumenta o de frutas, legumes e verduras.

Chama a atenção, especialmente, a redução da despesa total em alimentação nos habitantes do campo. Sinal de que a evolução de renda para os habitantes da zona rural foi maior vis a vis aos habitantes citadinos.

O quadro acima (clique nele para ampliar) mostra bem isso: ele compara a matriz de despesas entre as famílias com renda total abaixo de R$ 830 e as que possuem acima de R$ 10.375 de renda familiar. No primeiro caso a despesa com alimentação representa 27,8% da despesa familiar, contra apenas 8,5% no segundo grupo. O ítem “Habitação” segue a mesma tendência, com 37,2% para o primeiro grupo e 22,8% no segundo.

Outra curiosidade são as despesas com saúde: embora parecidas em termos percentuais, no grupo de menor renda o maior dispêndio é com a compra de remédios; enquanto para a outra ponta do especto a despesa maior neste ítem refere-se a planos de saúde. Pode-se a grosso modo dizer que um grupo remedia, o outro previne.

A rubrica “Transportes” possui comportamento contrário, devido à aquisição de veículos pela faixa de maior renda. Um dado preocupante é que o investimento em educação é muito maior, mesmo percentualmente, no extrato de maior disponibilidade. Isto significa, como veremos abaixo, que é um fator de análise que pode ampliar a concentração de renda.

A diferença entre a despesa média de famílias onde a pessoa de maior escolaridade possui um ano de estudo e as que possuem onze anos é de 207%. Entretanto, tal dado melhorou: em 2002/03 era de cerca de 400%. Isto reflete a política de aumento real do salário mínimo empreendida no Governo Lula, por um lado – sobre a qual escrevi artigo anteriormente – e do outro mostra a expansão do emprego em setores intensivos em mão de obra, mas de salários médios mais baixos – como a construção civil.

Também se reflete o efeito indutor de programas assistenciais como o Bolsa Família, que revitalizam a economia de cidades menores. O valor do programa gera um pequeno comércio, uma pequena indústria, que emprega aquele trabalhador que se encontra fora do mercado e o retira do programa assistencial.

Ressalte-se, também, que a diferença de renda entre as pessoas que se declararam brancas e as auto-declaradas parda e negra é de 89% e 79%. É uma bom indicador para aqueles que criticam as cotas nas universidades, pois como vimos acima existe uma correlação clara entre “anos de estudo” e “aumento de renda”. Obviamente, algum tipo de cota que também contemplasse níveis de renda mais baixa seria desejável tendo em vista os números apresentados.

Ainda escreverei um segundo texto sobre a pesquisa, porque são inúmeros dados que podem ser cruzados e trazer conclusões bastante interessantes. Mas podemos concluir que entre as duas realizações da POF o país teve aumento de renda, redução da concentração e melhora no padrão de vida. Isto é altamente salutar e explica alguns fenômenos a que temos assistido nos últimos tempos – inclusive políticos.

(Gráficos: IBGE)