Certa feita eu caminhava pelo Centro do Rio, pensando na morte da bezerra, quando fui abordado por um sujeito aos berros. Me pareceu em transe. Trajando um terno no melhor estilo Bemoreira Ducal e uma gravata da grife Didi Mocó Sonrisal Colesterol Cibalena Novalgina Mufumbo , o cidadão me interpelou contundente como um João Batista no deserto, besuntado de mel e gafanhotos:
– Encontre Jesus Cristo! Encontre Jesus Cristo! Encontre Jesus Cristo!
Respondi ao pregador com a calma de um eremita das montanhas:
– Meu senhor, eu posso até procurar, mas é improvável que o Filho do Homem esteja perdido nessa muvuca do Largo da Carioca. Saravá!
Disse isso e fui, imediatamente, arremessado aos tempos da minha infância profunda, de chupeta e calças curtas, quando o vô Luiz escondia os ovos de Páscoa no quintal da casa de Nova Iguaçu e gritava pra molecada:
– Encontrem os ovos de Páscoa! Encontrem os ovos de Páscoa!
Essas recordações enviesadas sobre a procura do Nazareno em pleno Largo da Carioca e a caçada aos ovos de chocolate me ocorreu, em delírio fabular,   por conta da Copa do Mundo da África do Sul e da mais recente entrevista, cheia de diatribes, do meio-campista Kaká. Explico abaixo.
O mix de jogador, celebridade e apóstolo se declarou perseguido pelo ateu Juca Kfouri por seguir os passos de Jesus Cristo. À guisa de esclarecimento: Kaká é discípulo e garoto propaganda de uma igreja dirigida pelo apóstolo Estevam e a bispa Sônia, uma espécie de casal Bonnie and Clyde do neopentecostalismo canarinho.

Senti na declaração do bom menino [que não faz pipi na cama e nem faz malcriação] uma certa nostalgia das catacumbas. É isso: Kaká exala por todos os poros o desejo das catacumbas, a saudade inconfessável dos tempos em que os cristãos se escondiam nos subterrâneos de Roma para professar a fé no Messias.  Alguns crentes anseiam pelas catacumbas contemporâneas, como movidos por um desejo ancestral de vingança. E somos nós, os que não encontramos um messias que nunca se perdeu, que acabaremos encerrados lá pelas milícias do cordeiro de deus – fundamentalistas medievais capazes ainda de afirmar que o rato transmissor da peste bubônica do século XIV foi apenas o agente do Pai Maior na punição aos incautos. 

Nós, os não-abençoados, corremos o risco de ter que, muito em breve, inventar catacumbas brasileiras para bater bola com os assombros da vida, até a hora da velha da foice nos pegar no passaraio. Desceremos – os que acreditamos nos deuses sem Deus mais por poesia do que por fé – aos subterrâneos das cidades para tocar tambores, bater palmas e punhetas, afinar cavacos, pontear violas e ralar buchos com as moças, madames e senhoras no fole das sanfonas.
As ruas não mais nos pertencerão. As esquinas estarão, pelo andar da carroça, tomadas pelas tropas do Leão de Judá e outras milícias tantas de tantos credos, marcialmente preparadas para impedir o furdunço de carnavais e rezas profanas nessa nossa bolinha azul, cu de Judas do espaço sideral, cafundó do universo e cafua dos homens.
Às catacumbas, camaradas! Sigam-me os que forem baderneiros, bradarei feito um Caxias à sorrelfa. Buscaremos, qual anti-cruzados da  armada Brancaleonne, ataque poderoso do Íbis de Shampoo, abrigos nucleares para tomar em paz a água que o passarinho não bebe, desfilar nosso repertório de afetuosos palavrões e trocar  juras eternas e provisórias de amor. Rogaremos e blasfemaremos aos santos e demônios no deserto sem estrelas da noite grande; aquela que só tem sentido e se ilumina no ato de compartilhar as solidões dos homens na mesma ceia.

Abraços

6 Replies to “ÀS CATACUMBAS”

  1. Simas, é impressionante!
    Quando eu to mais triste e fudido da vida, é hora de entrar no seu blog e ficar leve. E não dá outra!
    Como diria o Poetinha: “sua missão é de paz”!
    Hei de ainda ler um livro teu com todas essas crônicas urbanas reunidas.
    Às catacumbas!
    Saravá!

  2. Lula
    Lindo adorei, você sabe que dia é hoje? Dia de Xangô no Chamba de mamãe.Xangô
    Orixá da justiça, dos raios, das pedras e do trovão. Em lenda africana é o rei de Kòso (terra), historicamente foi o terceiro Aláàfin Òyó – Rei de Oyó (cidade dos iorubas). Possuiu três esposas: Oyá, Oxum e Obá. É um orixá viril e atrevido, violento e justiceiro, castiga os mentirosos, os ladrões e os malfeitores. Os/as filhos/as desse orixá tem como característica serem voluntariosos/as e enérgico/as, altivo/as e conscientes de sua importância real. O mês desse orixá é junho, o dia da semana é domingo, cor vermelho e branco, guia e roupa vermelha e branca. Ferramenta: adamaxê (machado duplo). Saudação Kaô Kabecilé. Na Nação Xambá a primeira grande obrigação do ano é o Amalá de Xangô. Balaneim e Aguanguá são qualidades de Xangôs cultuados na Casa Xambá.

    Xangô era forte, valente, destemido e justo. Era temido, e ao mesmo tempo adorado. Comportou-se em algumas vezes como tirano, devido a sua ânsia de poder, chegando até mesmo a destronar seu próprio irmão, para satisfazer seu desejo. Filho de Yamasse (Torosi) e de Oraniã, foi o regente mais poderoso do povo yorubá. Ele também tem uma ligação muito forte com as árvores e a natureza, vindo daí os objetos que ele mais aprecia, o pilão e a gamela; o pilão de Xangô deve ter duas bocas, que representam a livre passagem entre os mundos, sendo Xangô um ancestral (Egungun). Da natureza, ele conseguiu profundos conhecimentos e poderes de feitiçaria, que somente eram usados quando necessário. Tem também uma forte ligação com Oxumaré, considerado por ele como seu fiel escudeiro. SAUDADES DA FOGUEIRA!!!!!

  3. Que bacana Nadja, que legal!

    Bom, aqui em São gonçalo, minha filha já foi por muitos anos “a filha do capeta” por conta do pai que é sambista.

    E eu? “Sou do mundo”. Tsc, morro de rir e ando baldes !

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