Como de hábito, a nossa coluna “Cacique de Ramos”, assinada pelo historiador e publicitário Fabrício Gomes.
Hoje um episódio da história do Brasil muito pouco conhecido, que seria o planejamento de um Terceiro Reinado por parte da Princesa Isabel.
Vamos ao, de hábito, excelente texto:

Isabel, Imperatriz do Brasil?
“11 de agosto de 1889 – Paço Isabel
Corte midi
 
Caro Snr. Visconde de Santa Victória
 
Fui informada por papai que me collocou a par da intenção e do envio dos fundos de seo Banco em forma de doação como indenização aos ex-escravos libertos em 13 de Maio do anno passado, e o sigilo que o Snr. pidio ao prezidente do gabinete para não provocar maior reacção violenta dos escravocratas. Deus nos proteja si os escravocratas e os militares saibam deste nosso negócio pois seria o fim do actual governo e mesmo do Império e da caza de Bragança no Brazil. Nosso amigo Nabuco, além dos Snres. Rebouças, Patrocínio e Dantas, poderam dar auxílio a partir do dia 20 de Novembro quando as Camaras se reunirem para a posse da nova Legislatura. Com o apoio dos novos deputados e os amigos fiéis de papai no Senado será possível realizar as mudanças que sonho para o Brazil!
 
Com os fundos doados pelo Snr. teremos oportunidade de collocar estes ex-escravos, agora livres, em terras suas proprias trabalhando na agricultura e na pecuária e dellas tirando seos proprios proventos. Fiquei mais sentida ao saber por papai que esta doação significou mais de 2/3 da venda dos seos bens, o que demonstra o amor devotado do Snr. pelo Brazil. Deus proteja o Snr. e todo a sua família para sempre!
 
Foi comovente a queda do Banco Mauá em 1878 e a forma honrada e proba porém infeliz, que o Snr. e seo estimado sócio, o grande Visconde de Mauá aceitaram a derrocada, segundo papai tecida pelos ingleses de forma desonesta e corrupta. A queda do Snr. Mauá significou huma grande derrota para o nosso Brazil!
 
Mas não fiquemos mais no passado, pois o futuro nos será promissor, se os republicanos e escravocratas nos permitirem sonhar mais hum pouco. Pois as mudanças que tenho em mente como o senhor já sabe, vão além da liberação dos captivos. Quero agora dedicar-me a libertar as mulheres dos grilhões do captiveiro domestico, e isto será possível atravez do Sufrágio Feminino! Si a mulher pode reinar também pode votar!
 
Agradeço vossa ajuda de todo meo coração e que Deos o abençoe!
 
Mando minhas saudações a Madame la Vicomtesse de Santa Vitória e toda a família.
Muito d. coração
ISABEL
(Nota: mantida ortografia da época)

A carta descrita acima traduz um dos momentos que ainda permanecem obscuros para a historiografia contemporânea especializada nas questões do Brasil Imperial. Trata-se de uma carta de uma certa Isabel Christina Leopoldina Augusta Michaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Orleans e Bragança – que entrou para a história sob a alcunha de Princesa Isabel -, endereçada ao Visconde de Santa Victória – tido como o braço-direito de Irineu Evangelista de Souza – o Visconde de Mauá. O documento, datado de agosto de 1889, é um dos últimos registros descobertos sobre a Família Imperial e mais do que representar um simples papel envelhecido pelo tempo, desperta temas e sentimentos distintos, justamente por revelar uma parte da história que a maioria da população brasileira – e até mesmo renomados historiadores e pesquisadores sobre o período imperial – desconhece: uma princesa à frente de seu tempo e progressista e de olho no futuro – o Terceiro Reinado da Família Imperial, como Imperatriz da nação.
 

A carta possui alguns trechos emblemáticos, sendo possível ressaltar que a princesa desejava indenizar ex-escravos (com os fundos do Banco Mauá), promover a reforma agrária (vejam só!) e promover o sufrágio feminino. A princesa temia, contudo, a violenta reação de escravocratas – o que reforça a conhecida tese de que escravocratas apoiaram o golpe republicano em 15 de novembro de 1889.
 
Mais do que isso, trechos do documento reforçam o grau de familiaridade e – por que não – intimidade da princesa com importantes figuras que representaram os ideais do abolicionismo no Brasil, como André Rebouças, José do Patrocínio e Joaquim Nabuco. A própria princesa possuía a Guarda Negra – uma espécie de “tropa de choque”, composta, na opinião de Rui Barbosa, pela “ralé carioca e por maltas de capoeiras”, cuja principal finalidade era dissolver comícios republicanos pelo uso da força (José do Patrocínio incentivava ex-escravos a se agruparem para a defesa da monarquia, ameaçada pelo crescimento dos grupos que pretendiam implantar a República no Brasil).
 
A preocupação da princesa com escravocratas e militares, que poderiam descobrir o documento, não era à toa. A Princesa Isabel desejava que as Câmaras, que se reuniriam em 20 de novembro de 1889, com base na nova legislatura que assumiria, apoiassem o tal projeto. Caso fosse bem-sucedido, estaria cimentado um caminho de glórias e extrema popularidade para a princesa que, poderia tornar-se Imperatriz do Brasil, num Terceiro Reinado que adentraria o século XX.
 
O exercício da História não permite achismos, tampouco o uso do “Se”. Decerto que seria errado utilizar tal artifício, mas a fonte histórica permite perceber certas intenções da princesa.
 
Mais interessante é confrontar o documento com os resultados produzidos até então por uma historiografia que apontava a princesa como sendo mulher submissa ao marido (Conde D´Eu), nem um pouco interessada aos assuntos políticos e nacionais, sendo ainda mera personagem da Lei Áuera – quando teria assinado a nova lei apenas porque seu pai – o Imperador Pedro II – encontrava-se ausente da capital do Império.
 
O fundo indenizatório ajudaria a colocar ex-escravos no mapa social da época. Se durante o período monárquico o escravo, mesmo sem liberdade e sujeito a cruéis castigos, existia socialmente, mesmo na base da pirâmide social, com a Proclamação da República, o ex-escravo não situava-se em nenhum extrato social: não era mais escravo, mas também não trabalhava e não possuidor de renda, simplesmente não existia na sociedade. Era como se tivesse sido varrido para debaixo do tapete, indo se isolar nas favelas e morros da cidade. Com a indenização e a reforma agrária, o governo pretendia dar ao ex-escravo uma terra para ele trabalhar e retirar seu próprio sustento.
 
De sorte que é bem provável que esse documento tenha caído em mãos erradas bem antes de chegar aos deputados da nova legislatura na Câmara. Escravocratas e militares apressaram-se a Proclamar a República em 15 de novembro daquele ano (cinco dias antes da carta ser oficialmente apresentada a todos na Câmara) – uma Proclamação apressada, atabalhoada, cercada de dúvidas e tendo à frente um Marechal Monarquista até então – Deodoro era amigo pessoal do Imperador D. Pedro II.”

2 Replies to “Cacique de Ramos – "Isabel, Imperatriz do Brasil?"”

  1. Voce acha pouco ela libertar todos os escravos do Brasil fazendo com isso o sacrificio de perder seu proprio trono?
    VOCE PRECISA ESTUDAR MAIS,MUIOTO MAIS…

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