Pode um desfile de escola de samba ser ruim e, ao mesmo tempo, bom ?
Pode. Uma escola de samba pode vir com fantasias e alegorias fracas, por exemplo, e um samba bacana. Ou pode estar fraca de quesitos mas boa para se brincar carnaval.
É o caso do nosso “Samba de Terça” de hoje, Boi da Ilha 2007. A agremiação insulana já é a segunda escola onde mais tenho desfiles realizados – neste 2010 estou indo para o quinto ano – e sempre é um prazer passar pela passarela com a vermelha, preta e branca da Ilha.
O enredo proposto pelo carnavalesco Paulo Cavalcanti era sobre a telefonia, com toques bem humorados. Nas palavras da sinopse:

Justificativa:

Desde a pré-história o homem evolui de forma vertiginosa. A comunicação se fez presente e necessária a esta evolução. No início jamais se imaginou que poderia ser criado um dos inventos mais preciosos e úteis da humanidade: o telefone. Esta evolução natural implicou no abandono de métodos artesanais para dar lugar a uma tecnologia que se aprimora há mais de um século.

Além de servir para simples diversão das pessoas que o utilizam para conversar, ele é útil para que se possam alcançar outras facilidades e benefícios da vida moderna, tendo acesso a serviços de todo tipo.

A contribuição do telefone se mostra maior quando o mesmo se faz presente no imaginário dos artistas e se presta como inspiração para a música em vários estilos.

A proposta da Escola se apresenta em buscar na origem da civilização elementos que justifiquem a criação e a funcionalidade deste aparelho que vai além do modismo, mostrando com bom humor que o telefone é de fato parte integrante de nossas vidas.

Introdução:

O Boi viaja para a pré-história e mergulha na memória ancestral. Dorme em caverna, usa pedra, pele e pau. Comunica-se com fumaça e tambor. Mas quer mais. Evolui e quer falar mais longe, quer saber mais rápido. E continua a viagem na história. Vai do “homem das cavernas a Grahan Bell”, o escocês que inventa o telefone e encanta o Imperador D. Pedro II.

Chegando ao Rio de Janeiro, alegre, irreverente brinca feito criança com telefone de latinha. A moça de voz bonita conecta o plugue e tem as chaves para comunicar. Mas, também, na Cidade Maravilhosa, encontra o carioca malandro que quer se dar bem! Amarra linha na ficha, e bate no aparelho pra não pagar a ligação. Sem se tocar, o próprio povo sofrido, “machuca” os orelhões que ficam mudos, surdos, inoperantes…

A evolução continua e a arara-azul é a inovação, pois agora se fala é com cartão. Esbarra em linha cruzada, cortada, e clonada impedindo de falar com a namorada.

Encontra Donga e outros artistas e, telefone na mão, ou usando o orelhão se veste de vermelho, preto e branco. Avisado pela polícia, todo mundo vai brincar e sambar. O Boi denuncia, anuncia, faz trim-trim perguntando: “Alguém ligou pra mim?” Vai junto ao imaginário do artista que quer falar com a Terezinha, pois “quem não se comunica se trumbica”. Carente de atenção implora: “Alô… alô! Responde com toda sinceridade”. E manda notícias para bem distante: “Alô, alô, marciano aqui quem fala é da Terra”. Cheio de saudade pede: “liga pro meu celular”, “Liga pra mim, mas não liga pra ele”.

O tempo passa e o “bibelô do rico” cai no gosto do povo. Pelo telefone se combina o pagode, se chama a polícia, se pede a pizza, aciona a ambulância, se manda notícia. Isso, sem falar na fofoca que rola solta… Ainda se tira fotografia, e até sexo se faz! O povo sabe que pelo telefone se arma o golpe, se acerta a propina, mas também serve para denunciar o bandido e o corrupto.

Sinal de fumaça, hoje, e efeito especial de alegoria. Os tambores rufam, mas é porque é carnaval e homem da caverna agora é fantasia.

O Boi vê que pelo céu já se comunica nas ondas do celular. O Boi está na linha e não vai desocupar. Liga para todo mundo, entra na rede, navega, conversa, namora e pesquisa; enfim se globaliza. Até na aldeia, índio não quer mais apito, índio quer é celular.

Esquentem os tamborins! A nossa hora é essa! O tempo custa caro e temos pressa! Vamos espalhar a brasa, fazer fumaça, fazer trim-trim! Porque é carnaval e o Boi da Ilha quer telefonar! E, aliás, a Escola da Ilha do Governador pergunta aos amantes da folia: Alguém ligou pra mim?

Telephone: O meio de comunicação que uniu pessoas à distância, tornando próximas àquelas que os olhos não vêem.

Sinopse:

Alô! Se liga! O Boi da Ilha vem falar deste meio de comunicação que une as pessoas distantes; que traz conforto a saudade; que faz tudo ficar próximo.

O Boi da Ilha e sua irreverência pede passagem e quer brincar com esse meio de comunicação. Com alegria constante, a leveza e a sutileza para falar do telefone.

Começando lá nos primórdios, o homem das cavernas sentindo necessidade de se comunicar, descobriu que, gritando poderia ser ouvido à longa distância. Porém este mesmo homem, ser pensante e criativo, desenvolveu outros métodos de comunicação.

Tudo muito bom, tudo muito bem, mas ainda faltava alguma coisa. Algo mais eficiente. E, vieram os índios com seus tambores e sinais de fumaça… E, lá, ao longe, outros índios entendiam os seus sinais.

O tempo passou, a transformação do mundo tornava o progresso uma coisa atual. Não dava mais para pensar em fumaças e tambores para uma comunicação ideal. Mas o que era a comunicação ideal? Ou melhor, como seria esta comunicação ideal?

O escocês Alexander Grahan Bell e seu assistente Thomas Watson, faziam experimentos com um objetivo: emitir notas musicais através da eletricidade. Bell acreditava que transmitindo notas musicais conseguiria transmitir a voz das pessoas. Acidentalmente, Bell e Watson conseguem a transmissão da primeira frase por telefone: (“Mr. Watson come here, I need you” – Sr. Watson, venha aqui. Eu preciso de você!). E a partir daí, se liga, surge o telefone.

Neste mesmo ano, o nosso Imperador Dom Pedro II, visitando uma exposição em Filadélfia, exclama diante do telefone de Grahan Bell: “Meu Deus, isso fala!”.

Meses depois, é instalado no Rio de Janeiro o primeiro telefone do país.

Tudo que é novidade causa espanto e, às vezes, desconfiança, o telefone, como não podia deixar de ser, deixou as pessoas com uma “pulga atrás da orelha”.

Em terras tupiniquins tudo vira gozação, piada, brincadeira. É esta irreverência que o Boi da Ilha quer mostrar.

Dom Pedro II instalou o telefone. O povo se perguntava estarrecido: “Com quem o Imperador fala ao telefone, se só existe o seu?”. Provavelmente, esta mensagem chegara aos nobres ouvidos e, para não ser chamado de louco, autorizou o funcionamento da primeira empresa de telefonia do Brasil.

No ano seguinte, foi comemorado, pela primeira vez, o Dia da Telefonista, em 29 de junho, dia de São Pedro. Isso porque São Pedro detinha as chaves do céu e elas, as telefonistas, detinham a chave da comunicação.

Com a popularidade do aparelho, em 1917, foi gravado o primeiro samba: “Pelo telefone”. Este samba provocou muitas polêmicas entre os freqüentadores dos pagodes na casa de Tia Ciata. Quem registrou este samba, como se fosse de sua autoria foi Donga.

Mas nem todo mundo tinha condições de ter um telefone em casa. Telefone era luxo, privilégio de uns poucos. Por isso foi criado o telefone público. Primeiro usando moedas. Depois, fichas.

A malandragem, que não perde tempo, tratou de dar um jeito de economizar as suas fichas e, com o “jeitinho brasileiro”, amarrava as fichas em uma linha e as prendia ao dedo. À medida que elas caíam, o esperto tratava de puxá-las de volta e as usavam novamente.

Em qualquer bar, qualquer farmácia ou mercearia tinha um telefone público, porém nas ruas, nada!

Nos anos 70, uma chinesinha, naturalizada brasileira e conhecida arquiteta paulista criou o projeto do “orelhão”.

Mas antes, de ganhar o famoso apelido, ele foi chamado de “Chu 2” (devido ao nome da inventora, Chu Ming Silveira), de “tulipa”, “capacete de astronauta” e, finalmente, de orelhão.

O orelhão foi um sucesso internacional. A arquiteta que o criou, partiu da forma acústica mais perfeita – o ovo – que foi ao mesmo tempo, a mais econômica.

A música popular se rendeu à invenção do telefone e muitas canções foram criadas em torno desde título:

“Alô… alô? Responde, responde com toda sinceridade…”

“Telefone ao menos uma vez para 344333”.

O Boi da Ilha, irreverente e gozador, lembra o grande animador de auditório popular, Chacrinha, que dizia:

“Alô, alô, Terezinha!” e “Quem não se comunica se trumbica”.

Todas as vertentes da MPB tiraram a sua fatia do invento:

A música sertaneja fez muito sucesso com a melosa “Pense em mim/ chore por mim/ liga pra mim/ mas não liga pra ele…”

Elis Regina gravou de autoria de Rita Lee e Roberto de Carvalho, “Alô, alô, marciano”;

Gabriel, o pensador, em seu famoso Rap, brincou: “2345 meia 78, tá na hora de molhar o biscoito”;

Os Paralamas do Sucesso pedia encarecidamente: “Me liga…”;

A turma do pagode dizia: “Se você sentir saudade, liga pro meu celular…”;

O funk não podia ficar de fora e lançou: “Trim trim trim, alguém ligou pra mim?”.

A telefonia se desenvolvia rapidamente. A década de 90 chega trazendo novidades para o Rio de Janeiro. Foi a primeira cidade brasileira a usar a telefonia móvel celular. Depois foi instalado o primeiro telefone público a cartão, por ocasião da ECO-92 e, por isso, os primeiros cartões tiveram motivos ecológicos. A arara azul foi a primeira ave a ser retratada nos cartões telefônicos.

Hoje, a tecnologia a serviço da informação, nos gabarita a acompanhar os tempos modernos. Em 1995, é implantada a Internet comercial no Brasil.

A comunidade do Boi da Ilha “tá ligada” na tecnologia de ponta. O Boi se liga nos aparelhos que salvam vidas, naqueles que são utilizados pela mundana vida de quem ganha a vida, nos serviços, nas informações, no despertar de um novo dia.

A Escola alegre e irreverente não quer tratar de um tema como o telefone, de forma austera. A idéia é mostrar o lado irônico, satírico e gozador. Falar sobre linha cruzada, linha cortada, escuta telefônica. Mostrar como o telefone chegou ao Brasil. A Escola critica e se diverte com todas as formas e intenções que o telefone é usado: denunciar, fofocar, aterrorizar, fazer amigos…

Atualmente, o telefone deixou de ser apenas um objeto de necessidade para se transformar e ganhar status de melhor amigo. É aquele companheiro inseparável, indispensável, sempre presente que não se desgruda por nada; está sempre à mão para afogar as mágoas, contar as alegrias, medos, deixar recados, etc…

Telefonar é se aproximar, fotografar, mandar mensagens…

O Boi da Ilha sabe que o tempo não pára e que, aqueles velhos sinais de fumaça e tambores não passam hoje, de memórias de um tempo distante. Hoje, o índio não quer apito. Quer celular. E sem o telefone, a vida não tem sentido. Percebendo isto, sem perder a oportunidade de brincar, a Escola anuncia, em altos brados: “Alô… Alô? Se liga, tem Boi na linha”.

A escola atravessou problemas na preparação do carnaval. A falta de estrutura e de recursos financeiros, somada aos problemas de saúde do então Presidente Eloy Eharaldt – e sua característica, digamos, extremamente centralizadora – e a equívocos na concepção do desfile comprometiam a sua preparação.
Aproximadamente um mês e meio antes do desfile a escola trocou sua Direção de Harmonia. Cadu Zugliani, compositor vencedor na Mangueira (foto abaixo), assumiu a função e, na verdade, trabalhou como uma espécie de “Diretor de Carnaval” da escola. Fantasias foram refeitas e os carros também sofreram alterações.

A escola foi a quarta escola a desfilar na noite de terça feira de carnaval, 20 de fevereiro de 2007. O delicioso samba de Aloisio Villar, Walkir, Barbieri, Cadinho e Marquinhus do Banjo proporcionou um passar bem alegre à agremiação insulana.
Para mim foi um desfile delicioso. Com roupa de diretoria, pude brincar sem maiores amarras e o samba me permitiu diversão garantida. Contudo, apesar da providencial intervenção ocorrida antes do carnaval a escola passou bastante fraca em vários quesitos.
Por isso que escrevi no começo que foi ruim, mas foi bom. Levando-se em conta que é o folião e sua alegria o que importa, se tornou um momento bastante especial.

Entretanto, a escola saiu da Sapucaí como séria candidata ao rebaixamento – o que significaria despedir-se do templo maior do carnaval e ser relegada à Intendente Magalhães, onde desfilam os grupos inferiores.
O samba, porém, foi decisivo para a obtenção do décimo primeiro lugar e a sua manutenção no grupo, com 236,5 pontos. E Cadu é hoje o presidente da escola após o falecimento do ex-presidente Eloy Eharaldt.
O Boi da Ilha ainda conquistou um Prêmio Sambanet especial, de melhor ala – abaixo:

Vamos à letra do samba, que pode ser ouvido aqui em sua versão ao vivo:

“Vou te ligar à poesia
Sou a comunicação
Na pré-história não havia, telefonia
Gritar foi solução
O índio achava pouco
Não queria ficar rouco
Bateu tambor
Uma nova era, a transmissão
Ao mundo assombrou
De Grahan Bell a invenção

Alô você, tá curioso? Com novidade é assim
No palácio, orgulhoso o imperador
Pergunta: “alguém ligou pra mim”?

O chefe de policia mandou avisar
Pelo telefone o samba vai rolar
Caiu a ficha, tô sem dinheiro
Dou um jeitinho, afinal sou brasileiro
Amor, vem atender !
Por esse fio, vou até você
Queria te abrir meu coração
Mas não dei sorte, tá quebrado o orelhão
Num impulso vou ao espaço sideral
Navegar pelo planeta, conectado a imensidão
Índio não quer apitar, vem para comunicar
“Mim” só quer falar de celular

 Alô, alô! Tem Boi na linha !
Se “liga” no que vou falar,
Se o telefone tocar, tá “grampeado” iáiá
O Boi da Ilha vem te conquistar”

Também temos um pequeno vídeo com a bateria da escola naquele ano:

Semana que vem a coluna dará uma parada. Teremos um texto especial com pequenas – e pitorescas – histórias dos desfiles. É semana anterior ao carnaval.

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