A União de Vaz Lobo, embora seja uma escola pequena – hoje está no Acesso D, quinta divisão do samba – é uma escola de muita tradição. Em 2010 a escola do subúrbio carioca completará 80 anos de resistência.
Por seus quadros passaram integrantes como Zé Ketti e a inesquecível porta-bandeira Wilma Nascimento.
 
Nosso “Samba de Terça” de hoje é uma visita ao Acesso E, a última divisão do samba.
 
O ano era 2001. A “Academia do Samba” à época era a maior lista de discussão de carnaval por e-mail. E surgiu a possibilidade de uma parceria para trazer o virtual ao real. A escola era a União de Vaz Lobo.
 
O enredo proposto pela Academia do Samba, na figura dos carnavalescos Luis Fernando Reis e Fábio Pavão, foi “Meu Querido Vaz Lobo… é Bairro, é Raça, é Samba, é União”, sobre o bairro onde está situada a escola e que lhe dá nome.
 
Nas palavras da sinopse:
“Introdução

Quando lembramos que somos cariocas, lembramos imediatamente do Pão-de-açúcar, do Corcovado, das praias e de outros cartões-postais que marcam a imagem de nossa cidade. Claro, tudo isso é fantástico, sentimos um orgulho impar de viver nessa terra abençoada e maravilhosa, mas não podemos esquecer que temos nosso cantinho nessa grande cidade, afinal, somos cariocas sim, mas cariocas de Vaz Lobo.

E o que é ser carioca de Vaz Lobo? Morar em Vaz Lobo é viver intensamente o samba, é lembrar com saudade dos artistas que aqui passaram, é cultivar a verdadeira amizade, é sorrir o sorriso de nossos vizinhos e compartilhar as dificuldades com quem precisar de nossa ajuda.

Hoje, a União de Vaz Lobo, feliz por estar presente há mais de 70 anos nesse bairro e fazer parte desta comunidade, demonstra, em forma de arte popular, a história desse nosso pedaço de chão. Convocamos todos os moradores de Vaz Lobo para uma grande festa. Convocamos todos nossos amigos e vizinhos para juntos, repletos de orgulho e vaidade, cantarmos nosso bairro, nossa origem, e nosso passado. Relembraremos juntos a história de nossa terra e de nossa gente. Relembraremos a nossa própria história, a história de nossos pais, de nossos avós, a história de toda uma comunidade. Cantaremos juntos a história do NOSSO QUERIDO VAZ LOBO.

Sinopse

Criada em 1644 pelo padre Antônio Martins Loureiro, a Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação do Irajá ocupava uma vasta área de terra doada como sesmaria aos jesuítas.

Confiscadas e vendidas em hasta pública em 1759, de acordo com a política adotada pelo Marquês do Pombal, surgiram desta divisão várias fazendas, sítios e chácaras, que por quase dois séculos abasteceram a cidade com os mais diversos produtos agrícolas. Em uma dessas chácaras viveu o tenente-capitão José Maria Vaz Lobo, que deixaria seu nome eternizado na memória da região e de seus moradores.
Nas terras de Vaz Lobo plantaram-se aipim, café e batata-doce. A área destinada a agricultura se estendia até a subida dos morros, que possuíam uma vegetação cerrada até a chegada da produção de carvão a “balão”, atividade que se tornaria comum em vários subúrbios do Rio do Janeiro.
Com as reformas no centro da cidade vieram novos moradores. As antigas fazendas, sítios e chácaras cederam lugar a novas ruas e praças. Pela estrada Marechal Rangel passavam as linhas de bonde Madureira/Irajá e Madureira/Penha. Inicialmente puxados a burro, esses bondes só foram substituídos pelos elétricos em 1928, três anos após a chegada da eletricidade na região, o que faz desses os últimos bondes puxados por tração animal que deixaram de circular pelas ruas do Rio de Janeiro. Mais tarde, a antiga estrada Marechal Rangel, via mais importante do bairro, passaria a homenagear o ministro Edgar Romero, ilustre morador da região que, vindo de Sergipe para a casa de um tio, tornou-se Ministro do Tribunal de Contas da União.
Apesar do progresso, Vaz Lobo preservava seu bucólico ar suburbano. Ar suburbano que serviu de cenário para personagens de Nelson Rodrigues. O comércio prosperava a olhos vistos. O Cine Vaz Lobo se torna o principal ponto de encontro da juventude. Os salões de sinuca despontam como centro da boemia local. O futebol tem no time do Cajueiro seu principal representante. Até hoje, craques anônimos desfilam seus talentos nas peladas realizadas no antigo campo.
Nas várias colinas que cercam o bairro, prosperaram manifestações populares como o Jongo, a capoeira e o samba. Os antigos moradores lembram com saudades da Unidos do Congonha, do Bloco Beijo na boca, Limoeiro e do Prazer da Serrinha, embrião de onde surgiria o poderoso Império Serrano.
Quando chegava o carnaval o bairro se enfeitava. Suas praças eram decoradas e o povo saía às ruas fantasiados de clóvis, colombinas, pierrot, piratas e quaisquer outras fantasias que a criatividade local pudesse conceber. São famosas, também, as tribos de índios que até hoje abrilhantam nosso carnaval. O belo coreto, orgulho dos moradores, por várias vezes o primeiro colocado nos concursos patrocinados pela prefeitura, até hoje se mostra imponente ao lado do velho chafariz.
Nesse bairro alegre e aconchegante, que hoje é ponto de encontro de jovens universitários, nasceram grandes sambistas que marcaram época. Poetas que deixaram seus nomes registrados na história dos desfiles das escolas de samba e porta-bandeiras que encantaram o público com suas mágicas danças.
Hoje, a União de Vaz Lobo, como parte atuante dessa história, apresenta, toda engalanada, a união dos vários segmentos da sociedade local. Mostrando neste desfile de arte, com todo amor e carinho…….O meu querido Vaz Lobo.
Academia do Samba / Comissão de Carnaval”
A preparação do desfile, a qual acompanhei de perto, foi repleta de histórias impagáveis e que, ao mesmo tempo, refletem a dificuldade de se colocar um carnaval neste grupo, o mais baixo na hierarquia do carnaval carioca.
A ajuda prometida por muitos integrantes da lista não se materializou, e de mais de duzentos integrantes um grupo aproximado de uma dezena de pessoas efetivamente prestou algum tipo de auxílio à União de Vaz Lobo.
Na disputa de samba, o carnavalesco Luis Fernando inscreveu sua composição e incluiu na parceria a mim e um bêbado que sempre frequentava a quadra. Na primeira eliminatória ele mesmo defendeu o samba, que havia sido gravado em um gravador destes de voz – quem conhece o Luis Fernando sabe que ele não canta nada, muito menos eu e o bêbado. Este tentou acompanhar o carnavalesco e cada um cantava em um tom diferente…
Duas semanas depois, na semifinal, nenhum dos “autores” apareceu para defender o samba. Resultado: eliminação por WO. Foi a primeira vez em que participei de uma disputa de samba.
Em outro ensaio, o então presidente Guerreiro pediu para os presentes adiantarem o dinheiro das cervejas a serem consumidas, porque não havia dinheiro para a compra. Uma idéia das dificuldades que uma escola destas enfrenta.
Ao final, o samba escolhido acabou sendo o do compositor Rogerinho do Futuro, um bom samba por sinal. A preparação do desfile, apesar de alguns auxílios, corria com muitas dificuldades. Nas palavras do carnavalesco Fábio Pavão, em artigo publicado em 2007 no site “Tudo de Samba” e do qual reproduzo trechos aqui:
“Corria o ano 2000 quando chegamos, eu e Luiz Fernando Reis, à quadra da União de Vaz Lobo. A intenção era estabelecer uma parceria entre uma escola tradicional, que estivesse passando por um momento difícil, e uma lista de discussão de Internet, no caso a antiga Academia do Samba. Vivíamos ainda os primeiros passos da relação entre o samba e a Internet, que inegavelmente revolucionou as relações concretas no mundo do samba em vários aspectos, extrapolando os limites do universo virtual. Todavia, apesar da farta contribuição da grande rede para as escolas de samba, confesso que, naqueles primeiros anos, superestimávamos a capacidade de mobilização destas listas. Mesmo com todas as promessas de ajudar a “levantar uma escola pequena”, bastou o primeiro contato com a quadra da escola, ou seja, o primeiro “choque de realidade”, para as idéias e projetos da maioria migrarem novamente para o sambódromo, de preferência domingo ou segunda. O projeto seguiu adiante, felizmente, graças a ajuda de alguns amigos que honraram a palavra empenhada, contribuindo das mais diversas formas.
Não há como negar que o contato com a fria realidade congela qualquer idealismo, ou, usando um termo que o Luiz Fernando Reis adora, a beleza do purismo se desmancha diante da imagem da vida concreta. As pequenas escolas de samba travam lutas diárias pela própria sobrevivência. São batalhas afastadas das lentes da mídia, que, concentradas no palco do Grupo Especial, transmitem a errônea visão de que as escolas de samba são instituições milionárias. O excesso de brilho sobre as grandes agremiações ofuscam as escolas menores, tornando-as invisíveis. O mais triste é que esta invisibilidade se alastra pela sociedade abrangente, que sequer sabe da sua existência, e pelo próprio mundo do samba, que geralmente afirmam pontos de vistas pouco fundamentados. Pior que o desconhecimento, seguramente, é o conhecimento superficial que classifica previamente, discrimina e motiva discursos preconceituosos.

O presidente das escolas de grupos inferiores, especialmente os que hoje desfilam na Intendente Magalhães, vive na corda bamba. Equilibram-se sobre as dificuldades, tentando se manter em pé diante de comentários muitas vezes maldosos. A partir da experiência em Vaz Lobo, passei a ter profunda admiração pelo então presidente Guerreiro. Sua dedicação e humildade sincera conseguiam contornar, na medida do possível, todas as adversidades, fazendo a agremiação caminhar. Era ele, pessoalmente, quem virava o cimento para melhorar o banheiro da pequena quadra. Durante os ensaios, se multiplicava para executar as mais diversas tarefas. Numa escola pequena, a divisão do trabalho e a especialização de funções, uma das características do carnaval moderno, praticamente não existe. “Abandonadas” por sua comunidade e invisível para a sociedade abrangente, a sobreposição de funções torna-se regra para a maioria destas agremiações. Na União de Vaz Lobo, por exemplo, o mestre de bateria também era o mecânico; o mestre-sala, também era compositor; o diretor de harmonia respondia, no barracão, pelo trabalho de carpintaria. (…)

(…) Não sei hoje, na Intendente Magalhães, mas, pelo menos no desfile do Grupo E de 2001, em Bonsucesso, o público que lotava o local era visivelmente formado pelos dois extremos de faixa etária: crianças e adultos/idosos. O jovem, fundamental no processo de transição entre gerações, está em outro local, curtindo um carnaval para ele mais atrativo. A própria União de Vaz Lobo, neste mesmo ano, desfilava basicamente com crianças e idosos. É importante, sem dúvida, incentivar o primeiro contato das crianças com o samba, o que sempre é lembrado, mas não se pode perder de vista que, para surtir efeito, esta criança, quando for um jovem adulto, precisa continuar tendo interesse nas escolas de samba. Neste ponto, assim como para as pretensões de “preservar” e perpetuar o samba como “patrimônio cultural”, estas escolas pequenas deveriam assumir papel fundamental, mas são ignoradas pelas salvaguardas do iphan.

As escolas de samba pequenas são obrigadas a viver num grande dilema. Com espaço bastante limitado na mídia, são obrigadas a buscar apoio e participação em suas comunidades adjacentes, onde estão seus vínculos históricos e tradicionais, mesmo que elas estejam cada vez mais fragmentadas. A participação da comunidade, entretanto, na maioria das vezes é proporcional ao trabalho que está sendo realizado, ou seja, é preciso, além de estreitar laços, transmitir a confiança de que um bom resultado pode ser alcançando, motivando a participação. Todavia, isso demanda dinheiro, e, com reduzida possibilidade de patrocínio e subvenção comprometida, precisam de fontes de receitas alternativas. Estas fontes de renda alternativas podem vir de um patrono ou, seguindo a velha prática do livro de ouro, do comércio local. No entanto, é preciso saber articular um intricado quebra-cabeças envolvendo credibilidade, competência, transparência e, em alguns casos, submissão, para conseguir recursos que, mesmo assim, raramente são suficientes.

É nesta corda bamba que os presidentes dos grupos de acesso se equilibram. Com ensaios muitas vezes deficitários, como foram alguns da União de Vaz Lobo naquele ano, o único recurso certo é a subvenção, que, se não bastasse todos os problemas, é um “campo de lutas” à parte. Primeiro, é preciso superar a antiga visão assistencialista, por parte do poder público, seja qual for o partido que esteja no poder, de que subvenção é uma espécie de favor. De certa forma, os próprios sambistas, ao longo da história, incentivaram esta visão populista que está arraigada em nossa cultura. A subvenção deve fazer parte de uma política cultural ampla, que, entre outras coisas, deve expressar as “preocupações do Iphan” com a “preservação” e “perpetuação” do samba.

Lógico que seria necessário algum tipo de prestação de contas, pois, uma outra luta enfrentada pelos presidentes de grupos de acesso é travada contra a generalização simplista de que os “presidentes colocam no próprio bolso a subvenção”. Na grande maioria dos casos, simplesmente não existe dinheiro para ser roubado, ou, na melhor das possibilidades, se o dinheiro for desviado para outros fins a escola não desfila. Em 2001, uma escola do Grupo E recebia apenas oito mil reais. Desse total, eram descontadas as cartas de crédito, que reduzia significativamente o total já insuficiente. O restante era dividido em três parcelas, sendo que apenas a primeira era paga com antecedência, ficando a segunda para a semana do carnaval e, a terceira, apenas para depois do desfile. Na prática, toda a preparação do carnaval teria que ser feita com menos de dois mil reais, incluindo a confecção de todas as fantasias. Este é um exemplo da grande “farra do dinheiro público” que alguns, sem conhecimento, insistem em ver nas escolas dos grupos de acesso. (…)”

Eu, que vinha ajudando modestamente a equipe responsável, fui escalado para desfilar como “destaque de chão”, representando o Ministro do Tribunal de Contas Edgard Romero – que hoje dá nome à principal avenida do bairro. “Destaque” significa uma fantasia mais luxuosa que a de alas tradicionais, mas no Grupo E significava terno e gravata.
E lá fui eu na noite quente de 27 de Fevereiro de 2001, terça feira de Carnaval para a Rua Cardoso de Moraes, em Bonsucesso, onde se realizava o desfile na época. A escola tinha cerca de quatrocentos componentes e ainda aguardei bastante tempo para o início do desfile – a União era a terceira a desfilar. Haviam mais fantasias que desfilantes e a bateria não tinha sequer uma peça “leve” – tamborins ou chocalhos.
O público destes desfiles fica muito mais próximo dos desfilantes que na Sapucaí, e acho que nunca fui tão aplaudido em minha vida- e nem fui depois, pelo menos até o momento em que escrevo. A cada vez em que meneava a cabeça para agradecer o público a galera vinha abaixo. Foi bem legal para o meu ego, admito…
Depois ainda fui para a Ilha do Governador, e de ônibus… Soube que mais tarde houve uma grande confusão durante o desfile da escola “Gato de Bonsucesso”, com direito a tiroteio. Por causa disso o desfile foi transferido ano seguinte para a Avenida Intendente Magalhães, em Campinho – onde está até hoje.
A escola ainda salvou um quinto lugar, com 176,5 pontos, apesar de todas as dificuldades.Vamos à letra do samba, que pode ser ouvido aqui:
“Vou contar
Sua história com orgulho, amor !
Só de pensar da emoção.
É bairro, é raça, é samba, é união.
Oh meu querido Vaz Lobo da época da colonização
A freguesia doada em sesmarias
Por conta do Marquês foi a leilão
Fazendas, chácaras, sítios, riquezas
Assim havia terras pra plantar!
Onde viveu José Maria, pioneiro da alegria, bravo, imortal
Anunciando um novo tempo,
O progresso trouxe inventos, produziu carvão
Bonde a burro levantou poeira
No elétrico, dancei zoeira
Da velha estrada Marechal Rangel
À Edgar Romero, sou fiel
Cenário, personagens suburbanos
E o comércio prosperando
Cine Vaz Lobo e os salões da boemia
No futebol, cajueiro se destacou
Tem capoeira, jongo, samba e nostalgia
Ô abram alas que o povo quer brincar !
Setenta anos pro meu samba eternizar.
Ô bate forte, coração ! Que a bateria vai tocar
Sou União e com arte vou cantar
Amar, amar, amar …”
Semana que vem, outro desfile que também acompanhei de perto, um bom samba e passagem pela avenida muito divertida: Boi da Ilha 2007, “Tem Boi na Linha”.

2 Replies to “Samba de Terça: Vaz Lobo 2001, uma aventura no Acesso E”

  1. O samba de vocês seria o escolhido e vocês perderam de W.O.? Hahahahaha. Caramba. Isso é inédito. Gostaria de ter participado desse processo. Isso deve ter servido de base para o trabalho de vocês no Boi ou estou errado?

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