Domingo, dia de repercutir bons textos.
Publico hoje excelente texto publicado pelo jornalista econômico Luis Nassif em seu blog e, com esta correria de final de ano, acabei não repercutindo como gostaria.
O material é uma excelente análise das causas que levaram ao Golpe Militar de 1964 e descortinam um pouco alguns dos misticismos e rótulos que possuem a figura de Jango.
Boa leitura.
Jango e a conspiração de 1964

Nenhum governante pode ser responsabilizado, sozinho, pelos movimentos que levam à sua deposição – a não ser os que têm tendência para o suicídio.

Jango era fraco e caiu por sua fragilidade? É certo. Mas é evidente que houve uma conspiração para desestabilizar seu governo – em muito semelhante ao que se viu no Brasil nos últimos anos. Não frutificou porque os tempos são outros e Lula não era Jango. Mas a tentativa golpista foi similar.

Jango nunca foi um revolucionário. Tentava um governo de coalizão, mas sem rumo, premido ora pelo populismo mais desbragado, ora pelas pressões do cunhado Leonel Brizolla.

Roberto Campos e Walther Moreira Salles me contaram sobre o deslumbramento de Jango na primeira vez em que viu John Kennedy. E como o próprio Kennedy o estimulou a prosseguir em suas políticas sociais, já que ele – Kennedy – via o país à mercê de políticas econômicas que só levavam em conta o interesse da banca internacional, especialmente quando o assunto era dívida externa. O que assustava a banca, em Jango, não era o esquerdismo, mas o populismo, a incapacidade de manter em ordem as contas públicas. Nunca foi considerado de esquerda, a não ser para efeito de retórica política da oposição.

Jango não foi competente para segurar a peteca. Nem na política econômica – oscilava entre a ortodoxia de Moreira Salles (no parlamentarismo) aos arroubos da banda gaúcha de seu governo.

Mas evidentemente foi vítima de um golpe.

Semelhanças com 2006

O primeiro passo para o golpe é a criação de um clima de exacerbação política.

Acompanhei o final do governo Jango na condição de secundarista militante do interior – tinha 13 para 14 anos em 31 de março de 1964 – e com duas referências masculinas: meu avô materno, partidário intransigente de Lacerda; e meu pai, sem militância política mas incomodado com o clima de ódio que foi criado na época. Certa vez ele me flagrou lendo o “Ação Democrática”, bancado pelo IBAD. Imediatamente me passou as mãos um exemplar da revista “Política & Negócios”. “Se quiser ler sobre política e econômica, essa revista é mais ponderada”, me disse. Aliás, quem souber mais sobre essa revista, favor informar.

O ódio era em tudo similar ao que foi insuflado nos últimos anos por publicações como Veja e comentaristas como Arnaldo Jabor e clones desajeitados. Não era apenas a crítica política, mas o preconceito social, o estímulo ao ódio de classes, a demonização do adversário. Ainda vou recuperar alguns exemplares do Ação Democrática. O estilo era idêntico ao adotado hoje em dia por Jabor, inclusive o neoliberalismo radical dos convertidos.

Assim como nos tempos atuais, havia uma tentativa midiática e organizada de desestabilizar, sim, transformando qualquer episódio em pretexto para manifestações políticas nacionais.

Uma charge sobre Pelé e Nossa Senhora Aparecida, publicada na Última Hora de São Paulo, serviu de pretexto para passeatas e procissões por todo o país, as Marchas com Deus, pela Família e pela Propriedade.

Os rallies religiosos do Padre Peyton, as passeatas pelo “rearmamento moral”, a revista “Ação Democrática”, do IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), os artigos de David Nasser e Carlos Lacerda, as exortações da rádio Globo, tudo contribuía para criar um clima de exacerbação terrível no ar preparando a quebra da legalidade.

Do lado das esquerdas, havia a sensação de estar perto do poder, sim. Apenas os ecos chegavam a Poços. Mas lembro-me claramente do Gerinho – nosso comunista de estimação – com sua bazófia conhecida, repetindo o que ouvia em outras instâncias: já chegamos ao poder, só falta a presidência. Bazófia pura!

A queda do regime

Com o ódio sendo instilado pelas campanhas midiáticas e pela orquestração nas manifestações, com a incompetência evidente do aparato militar de Jango, o regime caiu de maduro. Mas não foi por falta de conspiração – diria até que por excesso. Foi uma conspiração de nível nacional.

Em São Paulo, Ademar de Barros conspirava com o general Kruel. A ESG conspirava em favor de Castello. O Estadão e demais órgãos, em favor de Lacerda. Havia farta distribuição de armas para aliados civis.

Em Poços de Caldas, o Marechal Juarez Távora – amigo de minha família – distribuiu metralhadoras a fazendeiros aliados. Se essa conspiração estava ao alcance do conhecimento de jovens em cidades do interior, o que não ocorria nos grandes centros?

Enquanto todos conspiravam, o general Olimpío Mourão Filho – que não perdia tempo pensando – colocou a tropa na rua e o regime caiu como um castelo de cartas.

O clima de macartismo pré e posterior a 31 de março não deixou incólume nenhuma cidade. O acanalhamento da vida das pequenas cidades, a tomada de consciência de que aquele advogado bonachão, aquele vereador boa praça, o fazendeiro que tomava chopp no boteco, eram dedos-duros, envenenou o ambiente.

Em todas as cidade em que convivi na época houve episódios de delação – que, espero, sejam enterrados para sempre, para benefício dos descendentes dos delatores. Em Poços, menos. Em São João da Boa Vista, de maneira terrível, com o Durval Nicolau – pai do atual prefeito Nelsinho –, hospitalizado, sendo expulso da cidade por fazendeiros armados. E não eram armas de caça.

Essa articulação – que permitiu armar fazendeiros do interior com armas do Exército – foi levantada por René Dreiffus, um historiador uruguaio radicado no Brasil, que lançou o livro no início dos anos 80. Em que pese alguns exageros, o livro retrata bem como a reação contra Jango se articulava nos clubes sociais de São Paulo, nas associações empresariais., na aproximação entre civis e militares. Dessa conspiração participava a cúpula da Igreja Católica – testemunhei isso em Poços, com as investidas do Padre Maia sobre a Ação Católica, movimento do qual a hierarquia católica havia perdido o controle.

Patrono dessa aproximação civil-militar em São Paulo, aliás, Júlio de Mesquita Filho era considerado o chefe civil da Revolução – título que lhe foi outorgado não por Dreiffus, mas pelo próprio Estadão.

O que estava por trás desse jogo pesado, manipulador, não era nem mesmo Jango, mas a falta absoluta de perspectiva de volta ao poder, já que a campanha JK 65 começava a tomar corpo.”

5 Replies to “Jango e a conspiração de 1964”

  1. Jango caiu em 64 não só pq os militares estavam interessados. O interesse das Forças Armadas vinha desde 54, pressionando Vargas a sair (pela segunda vez), depois em 1955 – ao tentarem evitar a posse de JK (tendo Jango como vice mais votado que o proprio presidente – graças ao então General Henrique Teixeira Lott, com sua novembrada em favor do direito de JK assumir, isso não ocorreu), depois em 1961 (com a renuncia de Jânio, não queriam novamente que este assumisse a presidência – estava numa viagem oficial à China e havia intenção de abater seu vôo na volta ao BR – a chamada “operação mosquito” – novamente não conseguiram e o regime parlamentar, que limitava o poder presidencial – foi a saída para conter os militares) e finalmente veio 1964.

    O que distingue 1964 das demais “tentativas” foi que nas anteriores os militares não contavam com a chancela/respaldo da sociedade civil e em 1964, com o perigo comunista (alicerçado pelas Ligas Camponesas de Francisco Julião, discursos inflamados de Brizola, Reformas de Base – acintosas ao capital estrangeiro etc).

    Eu como historiador particularmente não creio que Jango fosse comunista ou representasse perigo. Era um nacionalista convicto – e ser nacionalista nessa época, fim dos anos 50, inicio dos anos 60, com todo o contexto da Guerra Fria acontecendo, bipolarização do mundo entre “esquerda” e “direita” e com as reformas de base ferindo privilégios de empresas americanas, mais o clima de instabilidade econômica (Plano Trienal de Celso Furtado não dando certo) e política – isso tudo junto gerou o cenário armado para que a população civil apoiasse o Golpe. Compartilho da idéia de que houve um GOLPE CIVIL-MILITAR em 1964 e que sem o apoio dos civis, o mesmo não teria ocorrido – vide Marchas pela Família, com Deus e pela Pátria, que arrastavam, em média, 500 mil pessoas, em várias cidades do país.

    O golpe começou em Minas: Magalhães Pinto (então governador de MG e candidato em potencial à sucessão em 1965), ao perceber suas reduzidas chances de vitória no pleito presidencial (JK: 37%; Lacerda; 25%; Magalhães Pinto: 7%), resolveu melar tudo e incentivou o então general Olympio Mourão Filho a botar as tropas na rua, em Juiz de Fora, rumo ao Rio.

    Castello Branco, por exemplo, não esperava o golpe para tão cedo… a expectativa dos militares era que Jango desse um golpe em 1a de maio de 1964.

    Mas acho errado comparar com pseudo-tentativas golpistas agora. Justamente pq o governo Lula não pode ser comparado ao governo Jango. Jango era nacionalista mas também aberto ao capital estrangeiro (ate certo ponto). Lula faz um governo de “direita”, despojado de qualquer parâmetro ideológico. Serra, por exemplo, se eleito fosse em 2002, faria um governo mais “à esquerda” que o próprio Lula.

  2. A propósito, recomendo os excelentes documentários “Jango – Como, quando e porque se depõe um presidente da República” e “Os anos JK – uma trajetória política”, ambos do Silvio Tendler, em DVD. E tambem o documentário “Propaganda e Cinema a serviço do Golpe – 1962/1964”, de Denise Assis (esta disponível em fita VHS, mas consegui converter em DVD) – são 14 filmetes de propaganda do IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) e IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), exibidos nos cinemas na época, fomentando a uma ideologia anti-comunista para a população.

  3. minha avaliação é de que os setores civis usaram os militares para dar o golpe, só que estes gostaram da brincadeira e, pouco a pouco, apearam do poder os civis.

  4. Migão, eu diria o contrário: os militares tentaram o golpe por três vezes – 54 (tentaram depor Vargas e este se suicidou no raiar do dia 24/08); em 55 (Carlos Luz exonerando Lott e este dando o contra-golpe, com a novembrada, garantindo a posse constitucional de JK e Jango); e 61 (querendo que Jango nao assumisse). Em 1964 eles (os militares) utilizaram a insatisfação e medo da sociedade civil para referendar o GOLPE CIVIL-MILITAR.

  5. migão leia o livro NAS TERRAS DO RIO SEM DONO
    de carlos olavo da cunha pereira que mostra o movimento das reformas de base em especial a agrária em minas gerais e outras questões na região do vale do rio doce onde eu nasci,bem interessante,abraços,ronaldo.

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