Amigos, mais uma crônica de minha lavra. Dêem a sua avaliação nos comentários.
“Dia de semana. Aula pela manhã, pelada à tarde. Final dos anos 80, talvez início da década de 90.
O campinho em Cascadura era careca e inclinado, ficava em uma rua de ladeira. Mas servia bastante para a diversão da garotada.
Naquela tarde, porém, o pré-adolescente não jogaria. Haveria uma partida de “time contra”, como eram denominadas partidas marcadas previamente entre times combinados. Ele estaria apenas assistindo e, quem sabe, esperando uma brecha após terminar o jogo.
As duas equipes chegaram e, em uma delas, formada por adultos, percebeu-se que faltava um jogador. Nosso amigo era o único com um par de tênis ali, e apesar do físico franzino, foi convidado para completar o elenco. Naquele campinho, jogava-se com cinco na linha e um goleiro.
Não sem grande discussão antes:
– Pô, olha a estampa dele, não vai resistir à primeira pregada !
– Mas é melhor que jogar com um a menos…
– Se ainda tivesse cara de goleiro…
Entretanto, como não havia outro jeito, foi convidado a completar o time:
– Ô “Canelinha”, você joga com a gente ?
– Claro ! – e saiu correndo para se juntar ao grupo.
– Você joga de quê ?
– Meio de campo. (Ele teve vontade de responder “de teimoso”, mas teve medo.)
– Mas com estas pernas finas ?
Os times se formam e os adolescentes do outro lado começam a rir do garoto mirrado:
– O canelinha a natureza marca, deixa ele livre !
Mas ele não se abateu. Chamou o colega que jogaria na “banheira” – em pelada não tem impedimento – e avisou:
– Eu vou jogar a bola sempre no espaço vazio, corre pra lá.
À guisa de explicação: ele era ruim de bola, não tinha a menor técnica, mas era um garoto inteligente. Por isso, nas peladas com os colegas de rua, acabava sempre arrumando um lugar. Na pior das hipóteses, como era o mais velho se fixava na zaga e baixava o pau, para compensar sua total falta de recursos com a pelota.
Naqueles tempos, estes desafios de “time contra” eram jogados em melhor de cinco: quem marcasse cinco gols primeiro ganhava o jogo. Depois, normalmente, se jogavam peladas tradicionais, até cansar.
Tirado o par ou ímpar, o time de nosso herói ficou na parte de cima da ladeira. A outra equipe daria a saída.
Rola a bola. Canelinha – o apelido pegou – tenta desarmar o adversário, leva um drible desmoralizante e o chutaço do oponente para em difícil defesa do goleiro.
A redonda volta, Canelinha pede a bola. Como Gerson ou Zico, dá um bico milimétrico que encontra o companheiro de time na cara do goleiro. Saco, um a zero.
Dada a nova saída. O mesmo neguinho bom de bola que driblara anteriormente nosso protagonista sai fazendo a fila, dribla o goleiro, toca e… o Canelinha tira em cima da linha ! Se bem que linha do gol, em campo de pelada, é um conceito bastante subjetivo e relativo.
A partida segue disputada. Canelinha pega a bola, invoca novamente o espírito vivo de Zico e chuta para o outro lado, na direção do jogador ‘banheiral’. A bola quica e… saco de novo, dois a zero.
Logo depois, o adversário sai fazendo a fila e desta vez, não há hipótese: dois a um.
Canelinha, entretanto, volta a atacar. Sai a bola, e ele dá um bicão na direção do goleiro adversário. Os colegas de time já se preparavam para xingá-lo quando, em uma trajetória descendente e inesperada, a bola vai ao ângulo. Golaço ! E uns cascudos dos próprios colegas no goleiro adversário…
Com três a um, parecia definida a fatura. Engano total. O mesmo crioulinho bom de bola arma duas jogadas sensacionais e dá dois passes para dois gols. Peleja empatada.
Seus companheiros já começavam a cobrar-se sobre a reação adversária. Marca, pega, late ! Gritavam os jogadores.
O adversário perde duas boas chances, em boas defesas do arqueiro pátrio.
Eis que o “banheira” do time canelinha pega a bola e para na ponta esquerda do ataque, cercado por dois jogadores. Canelinha corre pelo centro e pede:
– Dá a bola !
A bola foi passada e, sabendo que não poderia se chocar, Canelinha se coloca de maneira a receber a bola, atrás do oponente. Conhecedor do campo, sabia que ela iria quicar, não deu outra: ficou livre e deu um chute não muito forte – até porque não tinha potência para tal – mas colocado. A bola bate na trave e entra: quatro a três.
Faltava um.
O jogo esquenta. Divididas ríspidas lá e cá, até que o craque adversário pega a bola, dribla um, dois, e… buuuum ! Leva um bico no joelho de Canelinha, não muito forte, mas que pegou de jeito.
Enquanto ele gritava de dor no chão de terra e pedras, o tempo fechava. Seus colegas correm para ‘juntar’ nosso herói, mas seus companheiros de time, bem maiores, mais altos e mais fortes o protegem.
Alguns dedos na cara e palavrões depois, entre mortos e feridos salvaram-se (quase) todos e o jogo recomeça. Sem o craque adversário, substituído por um dos agora numerosos componentes da platéia devido ao joelho machucado, que ficou quase do tamanho de uma bola de basquete.
Lei de pelada é assim: deu, leva. Agora muito marcado depois dos dois gols e das duas assistências, na primeira bola veio o beque, um armário de mais de um metro e noventa, pronto para “levantá-lo”.
Só que ele era inteligente. Ao perceber a aproximação, saltou, e, tal qual vaca, o beque foi parar longe. Seu companheiro de time chuta de qualquer jeito, o goleiro rebate para a frente e a bola sobra limpa para canelinha. Era chutar e decretar a vitória de seu time.
Esperou a bola quicar e chutou do jeito que veio. Caprichosamente, ela pega… no travessão.
Mas… na volta, pega na cabeça do pobre do arqueiro adversário e entra. Era o fim da peleja.
Canelinha foi muito festejado pelos colegas, que não tinham apostado um tostão furado nele antes do jogo. E garantiu vaga nas peladas de rua por um bom tempo, apesar de sua ruindade com a bola…
Esta história é a prova de que todo perna de pau pode ter seu dia de Zico.
Em tempo: o campinho em questão não resistiu à especulação imobiliária. Virou um prédio de apartamentos. Que descanse em paz “
hahhaa muito bom, viva a inteligencia!! que nos coloca sempre passos a frente!
boa cronica muito bem construída e finalizada
tu é bom hein!!
leria outras com prazer sugiro uma coluna exclusiva para suas cronicas como samba de terça algo tipo cronicas de quinta
Mauricio
Obrigado !!!!
Maurício, é meio complicado uma coluna determinada semanal, porque este é um tipo de texto que pede uma maior elaboração. Nem sempre consigo tempo para isso.
Mas é uma boa sugestão.