Sempre naquela linha lógica da série, depois de abordar a obra em si, o samba-enredo, vamos abordar sua interpretação pela escola, a harmonia. Desde quando a Justificando começou, o quesito sempre apresentou dois problemas maiores.

O primeiro é a eterna confusão com o quesito evolução, seja por um desconhecimento (que as vezes beira o absurdo) da diferença pelo julgador, seja por falta de uma delimitação mais pormenorizada dos limites de cada um no manual da LIESA, que não muda há tempos. Felizmente, como perceberão abaixo, esse problema está sendo minimizado nos últimos anos, à exceção da mesma julgadora de todo ano…

O segundo é um excesso de foco no carro de som em detrimento do julgamento do canto dos componentes. Esse até continua, mas também foi atenuado esse ano, especialmente no módulo duplo do final do desfile. O mais impressionante é que mesmo sendo uma prática de muito tempo julgar o carro de som em harmonia, até hoje o manual do julgador sequer o cita dentro dos pontos a se considerar no quesito.

Módulo 1

Julgador: Deborah Levy

  • Estácio de Sá – 9,8
  • Viradouro – 10
  • Mangueira – 10
  • Tuiuti – 9,8
  • Grande Rio – 10
  • União da Ilha – 9,9
  • Portela – 9,9
  • São Clemente – 9,8
  • Vila Isabel – 9,9
  • Salgueiro – 10
  • Unidos da Tijuca – 10
  • Mocidade – 10
  • Beija-Flor  – 9,9

Levy manteve sua tradição: um caderno muitíssimo bem feito, com justificativas não só claras como didáticas e uma boa dosimetria, porém minha maior crítica ficará em uma nota 10, porque a mesma trai o próprio histórico da julgadora. Ela também costuma retirar muito mais décimos de carro de som e clareza de dicção do que de falta de canto, porém especialmente neste ano não é possível reclamar deste ponto nos módulos iniciais pois várias escolas entraram com canto bem forte. As 3 escolas que perderam décimo no canto dos componentes com esta julgadora foram São Clemente, Estácio e Tuiuti – um décimo para cada.

Outro ponto que pode melhorar é a julgadora apontar nas justificativas em quais alas ela percebeu a falta de canto. Nas três justificativas ela apenas aponta “pouca participação no canto em diversas alas”. Dessa forma genérica fica difícil da escola saber com maior exatidão a localização dos problemas para trabalhar melhor na solução.

Por fim, a julgadora nas observações finais esclarece que não penalizou o já famoso buraco da Grande Rio na entrada do Abre-alas por este “não ter sido considerado um prejuízo para a totalidade do canto, uma vez que o desfile ainda se encontrava bem no início e não perdurou por tempo longo”.

Aqui é preciso escrever de novo sobre a polêmica de se descontar o buraco não só em evolução, como também em harmonia. Para quem defende a penalização o argumento usado é que o buraco, dependendo do espaço, causa uma falta de canto naquele local o que quebra a totalidade do canto da escola.

Também já expus ano passado minha opinião contrária a essa penalização em harmonia, pois se configura um “bis in idem” (ou seja, dupla penalização pelo mesmo problema), pois assim um buraco precisaria ser penalizado em harmonia e em evolução ao mesmo tempo, caso seja de tamanho considerável. Mas seja para um lado ou para o outro, a LIESA precisa com urgência definir no manual do julgador se isso deve ou não ser penalizado no quesito e quais as condições necessárias para puxar o gatilho da penalização se for o caso.

Mas minha maior crítica à julgadora nessa nota dez da Grande Rio é que ano passado a mesma tirou um décimo da Imperatriz justamente por causa do buraco causado pelo abre-alas da mesma em uma situação parecida, seja em tamanho como em duração, ao que ocorreu com a Grande Rio. Por que a diferença de tratamento então?

Módulo 2

Julgador: Bruno Marques

  • Estácio de Sá – 9,7
  • Viradouro – 10
  • Mangueira – 9,9
  • Tuiuti – 9,8
  • Grande Rio – 10
  • União da Ilha – 9,8
  • Portela – 9,8
  • São Clemente – 9,8
  • Vila Isabel – 9,9
  • Salgueiro – 10
  • Unidos da Tijuca – 9,9
  • Mocidade – 10
  • Beija-Flor  – 9,9

Mas uma vez, preciso repetir aqui o elogio feito a ele ano passado: há de se destacar a valorização da nota 10 feita por este julgador – foram apenas 4 em 13. Menos de 25%, em um quesito onde não é raro sair 50% de notas 10. Isso ainda é mais elogiável quando tal valorização ocorre com justificativas muito claras, feitas com um capricho técnico, fazendo inclusive desenhos onde necessário para demonstrar o que se quer justificar. Com certeza é um dos melhores cadernos.

Além disso, o julgador teve uma dosimetria espetacular, inclusive demonstrando quando pequenos problemas se somaram para se descontar apenas um décimo. Melhor ainda, esse ano quando ele apontou falta de canto dos componentes, ele apontou as principais alas do problema, algo que não tinha feito ano passado. Mesmo quando a percepção era geral, ele exemplificou aquelas alas nais quais o problema foi mais acentuado. Só faltou dar uma ligeira detalhada na Vila em quais parte do samba houve o problema relatado.

Inicialmente apenas uma ligeira curiosidade: diferente da julgadora anterior, com quem dividiu o módulo duplo, ele despontuou a Tijuca por falta de canto e não despontuou Tuiuti.

Aqui também temos a única justificativa por excesso de caco do ano. Foi para Gilsinho na Portela, que além disso foi despontuado por inconsistência na interação com seus auxiliares.

Ressalto a grande quantidade de descontos por problemas de canto em regiões graves especialmente no fim de versos. Ele despontuou Ilha, Vila, Portela e Beija-Flor por esse problema. Aqui destaco a coerência do julgador, que há vários anos despontua bastante pelo mesmo problema e faz questão de escrever em suas observações gerais sobre o problema generalizado.

Esse ano não foi diferente e ao fim do longo texto ainda deu exemplo de escolas que trabalham bem essa dificuldade para servir como exemplo: São Clemente (reitere-se que aqui não está se falando em intensidade de canto dos componentes, mas sim de harmonia musical) e Grande Rio.

Por falar em Grande Rio, o julgador assim como a julgadora anterior justificou que não puniu o buraco da Grande Rio. Porém, diferentemente de Levy, ele em sua explicação usou o exato mesmo argumento teórico que eu usei acima para dizer que isso não deve ser punido no quesito e ele não tem histórico de punir por buraco.

Módulo 3

Julgador: Miriam Orofino Gomes

  • Estácio de Sá – 9,7
  • Viradouro – 10
  • Mangueira – 10
  • Tuiuti – 9,8
  • Grande Rio – 10
  • União da Ilha – 9,8
  • Portela – 10
  • São Clemente – 9,8
  • Vila Isabel – 10
  • Salgueiro – 9,9
  • Unidos da Tijuca – 9,9
  • Mocidade – 9,9
  • Beija-Flor  – 10

Quem lê a coluna há muito tempo sabe que todo ano tenho que reclamar desta julgadora, porque ela não raro confunde evolução e harmonia em suas justificativas. É um erro grave e tem sido recorrente em todo julgamento. Este ano não foi diferente, já que ela despontuou Estácio de Sá, Salgueiro e Tijuca por falta de vibração, fluidez e empolgação.

Mais uma vez tenho que escrever comentando o caderno dela que dança, empolgação, fluência e afins é para se avaliar em evolução. Se a escola passa em marcha militar, mas cantando bem o samba, merece 10 em harmonia. Fica mais uma vez o pedido urgente para a LIESA delimitar de forma muito mais clara a separação entre harmonia e evolução. Não é a primeira vez que escrevo isso para essa mesma julgadora, e pelo visto, não será a última, pois todo ano é o exato mesmo comentário.

Tirar um décimo de qualquer escola simplesmente porque as baianas “desfilaram muito espaçadas” como foi com a Tijuca, beiraria o absurdo até em evolução, que dirá em harmonia.

Além disso ela usou a justificativa genérica “falta de entrosamento entre ritmo e melodia” sem qualquer detalhamento para três escolas: Estácio, Tuiuti, São Clemente.

Em relação aos intérpretes principais, a única justificativa ficou para a Mocidade pois Wander Pires teria desafinado em vários momentos e prejudicado o desfile.

No resto do caderno as justificativas foram pertinentes, apesar de não haver qualquer detalhamento no peso de cada problema para se chegar a nota dada.

Em suas observações finais a julgadora relatou algo grave: uma caixa de som prejudicou a visão no módulo 3, especialmente da comissão de frente, do mestre-sala e porta-bandeira e do cronômetro. Isso foi algo já reclamado por outro julgador em outro módulo ano passado. Além disso, a mesma reportou que durante a passagem da bateria de algumas escolas (não foi relatado quais) o som das caixas não foi desligado, prejudicando a audição.

Finalizando esta julgadora, quem olhar as Justificando antigas verão que todo ano há problemas no caderno desta julgadora.

Módulo 4

Julgador: Célia Souto

  • Estácio de Sá – 9,8
  • Viradouro – 10
  • Mangueira – 9,9
  • Tuiuti – 9,9
  • Grande Rio – 10
  • União da Ilha – 9,8
  • Portela – 10
  • São Clemente – 10
  • Vila Isabel – 10
  • Salgueiro – 9,9
  • Unidos da Tijuca – 9,9
  • Mocidade – 10
  • Beija-Flor  – 9,9

Apesar da julgadora por várias vezes usar as palavras empolgação e vibração, normalmente avaliadas em evolução, ela ressaltou em todas as vezes que estava falando em empolgação e vibração no canto, o que é realmente pertinente ao quesito. Só fico me perguntando como se pode ter ousadia na hora de cantar o samba, como ela justificou na Mangueira que o “canto não fluiu com ousadia…”.

Mas a exceção da justificativa um tanto quanto genérica na Tijuca, que não apresentou momentos exemplificativos da falta de força no canto relatado, um caderno com justificativas e dosimetria coerentes. Fez um julgamento mais “clássico” do quesito, focado bastante no canto dos componentes. Todas as justificativas foram focadas apenas no canto coro de componentes, não tendo uma menção sequer ao carro de som de qualquer escola.

Nas observações finais a julgadora faz algo de bom alvitre e ressaltou os critérios de julgamento dela.

Módulo 5

Julgador: Jardel Maia Rodrigues

  • Estácio de Sá – 9,7
  • Viradouro – 9,8
  • Mangueira – 10
  • Tuiuti – 9,7
  • Grande Rio – 9,9
  • União da Ilha – 9,8
  • Portela – 10
  • São Clemente – 9,9
  • Vila Isabel – 9,8
  • Salgueiro – 10
  • Unidos da Tijuca – 9,9
  • Mocidade – 10
  • Beija-Flor  – 10

Outro caderno que não há muito o que falar, o que é bom nesta coluna. Justificativas bastante claras, dosimetria ainda mais cristalina. Se manteve dentro do quesito e tal qual sua companheira de módulo duplo se ateve quase que exclusivamente no canto dos componentes, sem escrever sobre o carro de som. É muito bom ter um julgamento atento ao canto dos desfilantes especialmente no fim do desfile, onde um cansaço aliado a alguma correria da escola preocupada com o tempo de desfile costuma causar problemas, seja na continuidade do canto (acaba o fôlego do componente), seja na clareza do entendimento do canto (por causa da aceleração do ritmo).

Outro aspecto a se ressaltar no julgador é que ele está sabendo dosar a linguagem técnica, que abundou em suas justificativas nos primeiros anos de juri, e com isso tem conseguido fazer com que elas sejam de entendimento mais fácil para leigos sem perda da qualidade, apontando com clareza os problemas percebidos.

Assim fechamos mais um quesito de bom julgamento no desfile desse ano apesar de alguns problemas recorrentes. A LIESA deveria ficar atenta a eles, pois um bom trabalho em determinado quesito como um todo não impede que sempre se avance na qualidade do julgamento do mesmo. Repito que urge algumas mudanças no manual do julgador, seja para esclarecer as fronteiras com o quesito evolução, seja para esclarecer como deve ser o julgamento do carro de som, seja para pacificar de uma vez por todas a polêmica do desconto do buraco no quesito Harmonia.

Imagens: Ouro de Tolo

3 Replies to “Justificando o Injustificável 2020: Harmonia”

  1. Eu assisti a várias apresentações de baterias esse ano em baixo do Módulo 3, no Setor 6, e não lembro de ter visto alguma caixa de som sendo desligada durante a apresentação ao jurado. Não só é um problema pq é alto demais, mas também contribui pra atravessar a bateria, como aconteceu com algumas Escolas de Domingo, graças ao delay entre o que era tocado e o que era espalhado pra Avenida.

    1. Dudu,

      Essas caixas de som voltarão ao protagonismo em Bateria. Por um mero sorteio escapamos de outra confusão em relação a campeã neste ano.

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