Era o ano de 1988, eu tinha 11 anos de idade e começava a me apaixonar pelo desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro.

Aquele era o ano do centenário da abolição e várias escolas decidiram trazer a questão do negro como enredo. Duas escolas me chamaram a atenção. A música aguerrida da campeã Vila Isabel que fez da Sapucaí sua Kizomba, fez de seu samba um canto de guerra.

A outra escola foi a Estação Primeira de Mangueira, que decidiu cantar os 100 anos da libertação dos escravos de forma mais poética, quase um lamento perguntando se realmente a escravidão tinha acabado.

Trinta anos depois vi de novo essa temática tocada na Marquês de Sapucaí e vi novamente a bravura de “Kizomba, a festa da raça” e a beleza de “100 anos de Liberdade, realidade ou ilusão”.

Não, não chegarei ao ponto de dizer que “Meu Deus, meu Deus está extinta a escravidão?” do Paraíso do Tuiuti é uma mistura dos dois sambas, mas com o tempo pode ter importância parecida, sim, não é devaneio até porque só podemos apontar a importância de algo na história com o tempo.

O samba é de autoria de bons nomes da agremiação como Jurandir, Dona Zezé e Aníbal e dois gênios da raça, Moacyr Luz e Cláudio Russo. É uma composição feita por encomenda, isto é, não houve um concurso interno na agremiação para sua escolha, o que facilita a sua feitura porque na certeza que será o hino da escola o samba pode ser feito com mais calma e até ousadia..

Sim, porque esse samba é ousado, ele sai do padrão comum das escolas atuais e bota uma poesia que vem sendo deixada de lado atualmente em detrimento por contar tudo que a sinopse pede. Um samba com beleza melódia e de letra como poucos hoje em dia e que toca fundo na ferida. Se o belo samba da Mangueira falava em “Livre do açoite da senzala, preso na miséria da favela” o samba do Tuiuti fala em “Áurea como o ouro da bandeira, fui rezar na cachoeira contra a bondade cruel” .

Se Kizomba berrava como em um canto de guerra “ôô Nega Mina, Anastácia não se deixou escravizar”, O Tuiuti berrou “Não sou escravo de nenhum senhor”.

É um hino, um samba que não será esquecido, uma música que comove, tem beleza e nos entristece por saber que a realidade do negro não mudou seja em relação a 1888 seja a realidade dos sambas citados em 1988.

Um dia irá mudar.

Um dia irão libertar o cativeiro social.

Twitter – @aloisiovillar

Facebook – Aloisio Villar

Fotos: G1

[related_posts limit=”3″]