Os leitores deste espaço que, como eu, estão na faixa dos 40 anos de idade ou um pouco acima devem se lembrar de uma antiga campanha do governo do Estado do Rio de Janeiro chamada “seu tostão vale um milhão”.

Era uma campanha de troca de notas fiscais que dava direito a participar de sorteios concorrendo a prêmios, se minha memória de garoto não falha. Uma forma de tentar combater a sonegação fiscal em uma época onde não havia controles eletrônicos como os existentes hoje. E olha que continuam sonegando…

Faço este preâmbulo para escrever algumas linhas não sobre a mais recente crise política – que correriam o risco de ficar desatualizadas antes mesmo de ir ao ar – mas sobre os conceitos de valor e utilidade. Conceitos que, a propósito, são bastante caros a nós economistas.

Nas recentes delações dos donos da JBS chama a atenção o fato de que somas tratadas por nós assalariados como assombrosas eram consideradas “troco de bala”.

Políticos presos recebendo 500 mil semanais de “mesada” para se manter, algo que significa mais que o dobro do rendimento anual de um trabalhador de classe média, inserido na chamada “Classe B” – algo como 10% da população.

Ou outro político pedindo R$2 milhões para pagar a seus advogados e tratando desta quantia como algo corriqueiro – na linha “isso para você é fácil de arrumar”.

Como veem, o conceito de valor para o chamado “1%” é completamente diferente do restante da população. Citei dois exemplos referentes a políticos, mas a própria esposa de um dos donos da JBS aparece hoje em matéria do jornal Extra dando conta que paga uma pessoa para apagar comentários críticos em suas redes sociais.

Valores como um, dois milhões de reais são considerados verdadeiros tostões para quem está neste extrato de nossa sociedade. E a percepção de valor acaba acompanhando o estamento financeiro.

O valor percebido como custo benefício possui patamares totalmente descolados do restante da sociedade. E a chamada ‘utilidade marginal’ da compra de um bem ou serviço tende a ser avaliada como menor, ainda que sejam valores considerados como expressivos.

Afinal de contas, 1 milhão de reais é 1 milhão de reais se estamos no 1% mais rico ou no 1% mais pobre. Entretanto, para os primeiros, como já a saciação das necessidades básicas e mesmo as necessidades consideradas supérfluas já estão contempladas, a utilidade marginal de mais uma unidade financeira tende a ser infinitamente inferior.

Lembrando que o conceito de utilidade marginal em Economia é expressa pela chamada “Lei da Utilidade Marginal”, que expressa: “em uma relação econômica a utilidade marginal decresce à medida que se consome mais uma unidade”.

Ou seja, como dito acima, o consumidor tem satisfação com um bem, mas a unidade seguinte já não proporciona tanta satisfação quanto a anterior. Fazendo uma adaptação, uma unidade a mais de dinheiro para quem está nestes patamares de renda não proporciona a mesma satisfação para quem está na Classe C, por exemplo.

Isso porque há uma maior abundância de recursos – como explica o chamado “paradigma da água e do diamante” – e 1 real a mais tem um valor percebido menor para quem tem mais “1 real”.

O leitor poderia pensar: “ah, mas se é assim, após uma certa quantidade de dinheiro acumulada não haveria necessidade de acumular mais recursos”. Nada mais falso.

O conceito deste texto é que o “milhão”, para quem tem muito, significa um “tostão”. E por significar um tostão, gera dois movimentos paralelos.

Primeiro: quantias significativas são percebidas como valores insignificantes. Não preciso explicar isso: o noticiário nas últimas semanas está farto de exemplos destes.

Segundo: serviços consumidos por este público tendem a ter um preço considerado irreal por nós “pobres mortais”. Mas a explicação consiste no dito acima: a percepção de valor tanto da soma empregada quanto do serviço tem um valor absoluto infinitamente maior, mas relativo menor.

Um exemplo prático: eu gasto uma média de 40 reais para cortar o cabelo e fazer a barba perto do meu trabalho – perto de casa seria uns 80% mais caro, mas isso é mote para outro texto.

Este é um preço que tem um valor considerável em meu orçamento mensal, ou seja: estes 100 reais mensais – supondo um corte de cabelo e quatro barbas mensais – possuem um valor para mim que é considerável, não desprezível.

Para um sujeito da classe “seu milhão vale um tostão”, pagar 300 ou 400 reais, por exemplo (acredito que seja até mais caro) em um corte de cabelo mais barba é dinheiro que deve haver no carro para comprar biscoito Globo no engarrafamento, se os leitores entendem a metáfora.

Ou seja: por mais que seja um serviço extremamente caro, a percepção de valor dada é quase que irrelevante. A utilidade, no conceito de ciência econômica, de se pagar este valor por um corte de cabelo mais barba por mais que seja considerado “um absurdo” é perfeitamente compreensível.

Então começamos a entender coisas como “mesadas semanais de 500 mil”, “arruma rápido 2 milhões para pagar o advogado” e coisas semelhantes. A relação entre utilidade e valor envolvida é algo completamente diferente; ou seja, valores absolutos altos não correspondem a valores relativos altos.

No fundo, escrevi essas mais de 800 palavras até aqui para chegar a uma conclusão: o valor absoluto e o valor relativo de bens e serviços são conceitos bastante diferentes.

Então, o milhão vira tostão porque o valor absoluto dele, neste mundo de endinheirados, é alto; mas o valor relativo atribuído e percebido é baixo. Por mais insano que isso pareça.

Finalizo com um comentário: se o leitor compra carro e casa financiada e vive de salário, não está nem perto de pertencer a este mundo. Estará entre os 10 ou 15% mais afortunados, mas longe de poder ser considerada uma pessoa rica. Seu mundo é o do proletariado.

Imagens: Arquivo e Barbearia Al Capone

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2 Replies to “Seu Milhão Vale um Tostão”

    1. Eu não seria tão pessimista, Rodrigo. Mas alguns rearranjos de Estado se fazem necessários – e no sentido oposto ao que está se fazendo atualmente

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