Obs: para uma explicação do procedimento das prévias americanas e de alguns termos técnicos usados nesta coluna, leia a coluna explicativa

Como havia prometido, hoje é dia de explicarmos o que é e quais as consequências de haver uma convenção quebrada, conforme está se desenhando no Partido Republicano.

Obs: apenas para não passar em branco, Sanders ganhou de Clinton no sábado no pequeno estado de Wyoming por 55% a 44%. A vitória foi menor do que se esperava e, pela baixa quantidade de delegados e uma matemática confusa, após todos os 3 arredondamentos favorecerem Clinton, os 14 delegados em jogo foram, inacreditavelmente, igualmente divididos.

Antes de explicar uma convenção quebrada, é necessário estabelecer a diferença conceitual entre convenção quebrada e convenção contestada. É comum tratar os dois termos como sinônimos. A própria Wikipedia fazia isso até a semana retrasada, porém com as regras atuais de comprometimento de delegados uma convenção contestada é condição necessária para ocorrer uma convenção quebrada; mas nem toda convenção contestada se transforma em convenção quebrada.

Em tempo: pelo conserto recente, ainda não há o artigo “contested convention” na Wikipedia e as explicações do termo “brokered convention” (convenção quebrada) ainda carecem de reparos para evitar a confusão entre os dois termos.

A convenção se torna contestada a partir do momento em que nenhum dos candidatos consegue garantir em delegados “comprometidos” o número necessário para garantir a nomeação do partido. Ou seja, para haver a convenção contestada, basta que nenhum candidato do partido tenha a total certeza de que conseguirá os mais de 50% necessários dos delegados ainda na primeira votação.

1976_Republican_National_ConventionA própria convenção contestada já é um fenômeno raro na política americana desde que as prévias passaram a consistir em verdadeiras eleições populares, a partir de meados da década de 60. Nesses 50 anos, tal fenômeno só ocorreu uma vez: na convenção do Partido Republicano de 1976 (acima); quando entre Gerald Ford e Ronald Reagan, Ford teve mais votos mas faltou poucos delegados para garantir os 50% e a nomeação presumida antes da convenção.

Percebam que tal fenômeno é raríssimo mas mesmo assim estamos caminhando a passos largos para que as convenções dos dois partidos esse ano sejam contestadas. Não será algo inédito, mas seria a primeira vez em muitos anos que isso ocorrerá. A última vez foi em 1952. Isso reforça minha percepção que o mundo inteiro está entrando em um período muito estranho politicamente.

Uma convenção contestada só se transforma uma convenção quebrada se, após o fim da primeira votação dos delegados, for confirmado que nenhum dos candidatos conseguiu atingir os mais de 50% necessários para ganhar a nomeação pelo partido.

É por isso que nem toda convenção contestada se torna uma convenção quebrada. Em 1976, por exemplo, Ford conseguiu o voto de vários dos delegados “não-comprometidos” e ao fim teve 1.187 votos, 57 delegados a mais do que os necessários 1130 e garantiu a nomeação ainda na primeira votação.

150413_hillary_clinton_getty_650x353O mesmo deve ocorrer no Partido Democrata esse ano caso a convenção seja contestada. Ainda que nem Clinton nem Sanders consigam 2.383 delegados “comprometidos” ao fim das prévias em junho, na primeira votação os superdelegados deverão escolher um dos lados para votar e ao fim, um dos dois terá conseguido mais de 50% dos votos. Afinal, são apenas dois candidatos e sem abstenções é matematicamente impossível que um dos dois não tenha 50%. Logo, a Convenção Democrata pode até oficialmente ser contestada, mas não deverá causar nenhum calafrio além da disputa normal pelos delegados “não-comprometidos” entre Clinton e Sanders. Tudo se resolverá na 1ª votação.

Porém no Partido Republicano, temos 3 candidatos oficialmente disputando a corrida e ainda há um 4º candidato, Rubio, com fatia expressiva de delegados “comprometidos” e que mesmo já tendo abandonado a campanha, ainda não liberou oficialmente seus delegados para votar em outro. Para piorar a situação, quase não há delegados “não-comprometidos” disponíveis para tentar angariar voto. Então é quase certo afirmar que nenhum candidato conseguirá mais de 50% dos delegados na primeira votação e a convenção “quebrará”.

Caso isso se confirme, será a primeira convenção quebrada da história moderna eleitoral norte-americana. A última convenção quebrada ocorrida foi a Convenção Democrata de 1952. No partido republicano, a última convenção quebrada ocorreu em 1948.

Nessa época, ainda não havia a figura do delegado “comprometido” e a escolha dos delegados era feita em convescotes estaduais pequenos, sem a grande participação popular que as prévias tem hoje. Ou seja: caso se confirme a convenção quebrada, todos estarão navegando em mares desconhecidos. Lembrando que apenas Trump pode ainda conseguir os delegados necessários para ganhar na primeira votação.

tumblr_mpmxn5iKZr1qjih96o1_500Obs: os historiadores incluem a convenção republicana de 1952 como quebrada, mesmo sendo oficialmente resolvida na 1ª votação, no que eu concordo por causa de detalhes específicos da época, bem diferentes das regras atuais. Mas didaticamente, digamos que não foi uma convenção quebrada pois, oficialmente, ela foi resolvida ainda no primeiro escrutínio.

Mas quais são as consequências de uma convenção quebrada? Basicamente, apenas uma, mas é algo que pode mudar todo o jogo: os delegados “comprometidos” não precisam mais votar obrigatoriamente naquele candidato designado pela prévia do estado. Eles passam a ser “não-comprometidos”.

No partido republicano alguns poucos estados ainda exigem que seus delegados continuem “comprometidos” na 2ª e 3ª rodadas de votação, mas mais de 50% dos delegados já perdem seu comprometimento após a 1ª votação e já ficam 80% sem comprometimento após a 2ª votação.

Um delegado que vai a Cleveland com o compromisso de votar em Trump na 1ª votação, pode votar no Cruz ou no Kasich nas votações seguintes. Alias, pelas regras em vários estados republicanos, é possível que o delegado que vai votar no Trump seja um aliado de Cruz.

Em alguns estados, e no partido republicano isso é relativamente comum, as prévias indicam o “comprometimento” da cadeira de delegado, mas não quem senta nelas. Para melhor entendimento, darei um exemplo hipotético.

Vamos supor que nas prévias de um estado com direito a 30 delegados, Trump tenha conseguido os 30 delegados. Então todos já sabem no estado que todos os delegados que representarão o estado na convenção do partido estarão obrigados a votar em Trump na 1ª votação. Mas quem serão essas 30 pessoas a darem seu voto a Trump?

Nesse exemplo, essa escolha será feita na convenção estadual do partido e elas costumam ocorrer entre abril e junho, normalmente semanas após a prévia no estado. Só que, diferentemente da grande participação popular das prévias, na convenção estadual só aparecem aquelas pessoas mais ligadas ao dia-a-dia do partido além dos políticos e militantes “profissionais”, um grupo bem menor e menos representativo se comparado com a população que compareceu as prévias.

Não necessariamente os 30 delegados escolhidos nessa convenção serão apoiadores natos de Trump. Pelo contrário, eles podem até apoiar outro candidato que nada impede dele ser escolhido como delegado. Assim ele irá a convenção nacional votando em Trump, mas no fundo apoiando outro candidato.

O que ocorrerá com esse delegado se, após votar em Trump na 1ª votação, ter que votar em uma 2ª votação sem a obrigação de votar em Trump? Provavelmente votará no candidato que ele realmente apoia.

Resumindo: em uma convenção quebrada, mais importante do que do que ganhar os delegados nas prévias, é importante conseguir escolher delegados que te apoiem. Assim, você terá maiores chances de reverter votos nas votações subsequentes.

Essa está sendo exatamente a estratégia de Ted Cruz. Ele agora está focando nessas convenções estaduais para escolher delegados favoráveis a ele na convenção, mesmo que na 1ª ou na 2ª votação esse delegado seja obrigado a votar em outro. A ideia é justamente contar com o voto desse delegado assim que ele se tornar “não-comprometido”. Como Cruz é membro antigo do partido republicano e parece contar agora com o apoio de outros políticos do estabilishment republicano, ele tem grandes chances de dominar essas convenções estaduais e escolher os delegados.

É uma certeza entre os analistas políticos de que se Trump não conseguir a candidatura na 1ª votação, ele não conseguirá mais. A tendência é que ele só perca votos a medida que a convenção continue a votar.

Só isso já mostra o quão imprevisível pode se tornar uma convenção quebrada, inclusive subvertendo a votação popular, porém isso não é tudo. Há um outro fator que pode complicar ainda mais a situação.

Um delegado, a partir do momento que passa a ser “não-comprometido”, não é obrigado a votar em um dos candidatos que concorreram nas prévias. Ele pode votar em qualquer pessoa filiada ao partido, candidata ou não.

Se há no salão 80% ou 90% dos delegados podendo votar em qualquer um, o que impede alguém de arriscar a sorte e lançar candidatura no meio da convenção tentando angariar o voto livre desses vários delegados que se tornaram “não-comprometidos? Nada!

Ou seja, estamos falando há semanas apenas sobre Trump, Cruz e Kasich, mas nada impede que em uma convenção quebrada um nome que sequer foi citado até aqui apareça como candidato e leve a indicação para presidente.

Aí entra o imponderável e poderemos ter várias pessoas tentando uma candidatura de última hora, mesmo sem ter recebido sequer 1 mísero voto popular nas várias prévias ocorridas entre março e junho. Alias, o partido republicano tem um nome no forno para essa ocasião: Mitt Romney, o candidato presidencial do partido há 4 anos que surpreendeu a todos ao decidir não ser candidato nessa temporada de prévias.

alfred madAlém de Romney, outro nome citado é o do presidente da Câmara dos Deputados, Paul Ryan, que inclusive foi o vice na chapa derrotada de Romney.

Nada impede também que um candidato já desistente volte a tentar alguma coisa no meio da convenção quebrada. Nesse grupo Rubio e Bush poderiam ter alguma chance dependendo de como a convenção se desenvolver.

Obs: Jeb Bush afirmou que sequer deverá aparecer em Cleveland, o que diminui consideravelmente sua possibilidade.

Ou seja, uma convenção quebrada praticamente reinicia do jogo, próximo da estaca zero.

O presidente do Partido Republicano, Reince Priebus, reiteradamente vem dizendo que o candidato republicano, mesmo em uma convenção quebrada, será um dos três candidatos atuais, mas nem ele pode garantir isso.

Não há um limite, ao menos ainda, para a quantidade de votações realizadas. Serão realizadas quantas votações sejam necessárias para que surja alguém que consiga mais de 50% dos votos, algo muito parecido com um conclave papal.

Porém, exatamente como em um conclave papal, a medida que todos começam a perceber que nenhum dos candidatos atuais conseguirá a marca necessária, é natural que se busque soluções de consenso nas reuniões a portas fechadas e nessas horas o cenário está armado para o surgimento de um outro nome que ninguém ainda tenha falado apenas para acabar com o impasse e liberar todo mundo para voltar para casa (o “tertius”, no latim, ou o “dark horse” no inglês).

Não creio que nenhum republicano terá paciência nem dinheiro para sustentar uma convenção muito longa e só há tempo e dinheiro reservado para 3 ou 4 dias de convenção. No desespero do terceiro dia, a chance de surgir um nome inesperado, até desconhecido, é grande. Que o diga o falecido Cardeal Wojtyla.

Porém, diferentemente de um papa, o candidato escolhido deverá passar por uma votação presidencial contra um candidato de outro partido tão forte quanto. Será que o povo aceitará o fato de que o voto popular nas prévias pouco ou nada influenciou?