Hoje é vez de examinarmos o “quesito da comunidade”. Acredito que em nenhum outro quesito os componentes da escola deveriam ser mais exigidos e avaliados do que Harmonia. É por causa dele que as escolas exigem que seus componentes ensaiem exaustivamente 2, 3 ou até 4 vezes por semana por 2 ou 3 horas a fio cantando o samba do ano da escola.

Mas a comunidade é realmente um fator chave em harmonia? Não sei. Mais uma vez reitero a crítica que fiz ano passado aos pontos de avaliação deste quesito no Manual do Julgador da LIESA. Vejamos o que o julgador deve considerar(é o mesmo texto do ano passado):

– a perfeita igualdade do canto do samba-enredo, pelos componentes da Escola, em consonância com o “Puxador” (cantor intérprete do samba) e a manutenção de sua tonalidade;

– o canto do samba-enredo, pela totalidade da escola;

– a harmonia do samba.

20160208_052838O que é exatamente a harmonia do samba?  É a harmonia dos instrumentos? É a clareza da dicção? O som das cordas? Nessa indefinição acabam ocorrendo descontos polêmicos.

Principalmente, os descontos ocorrem em cima dos profissionais do carro de som, diminuindo ainda mais o já pequeno espaço que os componentes da escola ocupam na definição da campeã do carnaval. Está errado do ponto de vista dos pontos de avaliação? Não. Esse modelo que se desconta o carro de som em harmonia é o ideal? Essa é o ponto que deve ser discutido.

O pior a se discutir é: até que ponto o “problema” no carro e som é da escola ou da equipe de som da LIESA? Se o problema for da equipe do som da LIESA, ele não poderia ser descontado.

Outra: em várias entrevistas no passado, dirigentes da LIESA já disseram que o julgador só pode julgar o que ele vê e ouve na sua frente. Por essa lógica, ele só poderia descontar o carro de som, especialmente os instrumentos, quando o mesmo passasse em frente ao seu módulo, mas várias vezes os julgadores vez claramente descontaram de acordo com o que ouviram na caixa de som do Sambódromo. Pode descontar isso? A LIESA poderia esclarecer nos futuros cadernos de julgamento.

Vejamos abaixo o que este quesito nos reservou neste 2016.

Módulo 1

Julgador: Humberto Fajardo

Notas:

  • Estácio – 9.7
  • União da Ilha – 9.8
  • Beija-Flor – 10
  • Grande Rio – 9.9
  • Mocidade – 9.8
  • Unidos da Tijuca – 10
  • Vila Isabel – 9.8
  • Salgueiro – 10
  • São Clemente – 9.8
  • Portela – 10
  • Imperatriz – 10
  • Mangueira – 10

Fajardo descontou várias escolas por canto do samba embolado, sem clara dicção: Estácio, Ilha, Grande Rio e Vila Isabel. Em todas elas apontou o trecho, ou os trechos no caso de Estácio, Vila e Grande Rio.

20160208_022036Já para a Mocidade ele justificou que “Houve falta de harmonia entre o canto e a bateria prejudicando a execução do samba. A execução do samba pelas cordas destoou tanto harmonicamente quanto esteticamente”.

O julgador é regente de corais, mas para mim, leigo, essa justificativa deveria ser mais explicativa. Primeiro: qual o motivo pela falta de harmonia entre o canto e a bateria? Segundo: em que as cordas destoaram? Da forma justificada, ficou muito vaga. Ficou parecendo o já famoso “quis tirar décimo”.

Mas aqui já temos o primeiro exemplo de punição por causa do carro de som. Houve outras três. Comentaremos cada uma delas abaixo.

Primeiro, a Vila Isabel: “Durante toda a passagem pelo módulo o puxador principal utilizou excesso de ornamentos (“cacos”) prejudicando a execução do samba.” É o segundo ano consecutivo que Fajardo pune Igor Sorriso pelo mesmo motivo.

Ano passado ao menos, junto com ele foram Gilsinho, Emerson Dias e Tinga. Já esse ano Sorriso foi o único puxador penalizado por este motivo nas notas de Fajardo.

Segundo, a Estácio: “Durante passagem pelo módulo o canto dos puxadores não apresentou clareza. O puxador auxiliar sobressaiu-se excessivamente nos trechos a seguir prejudicando a dinâmica do canto ‘a pé eu vou’, ‘nesta legião’, ‘missão’, ‘nasceu’, ‘amanheceu'”. Ou seja, a rouquidão extrema do Wander custou décimo à Estácio.

Por fim, a Ilha: “Em boa parte do samba o violão se sobrepõe aos demais instrumentos de corda e puxadores”. Até que ponto isso realmente ocorreu ou foi um problema de sonorização da avenida?

A única escola penalizada por falta de cantos em alas foi a São Clemente.

Módulo 2

Julgador: Celia Souto

Notas

  • Estácio – 9.8
  • União da Ilha – 9.9
  • Beija-Flor – 10
  • Grande Rio – 10
  • Mocidade – 9.9
  • Unidos da Tijuca – 10
  • Vila Isabel – 10
  • Salgueiro – 10
  • São Clemente – 9.9
  • Portela – 10
  • Imperatriz – 10
  • Mangueira – 10

Para começar, aquele comentário básico: fora as 3 piores escolas além da São Clemente, a julgadora só deu 10. Foram 8 em 12 possíveis.

20160208_234317Quanto a justificativa, à exceção da Mocidade, ela registrou que várias alas de todas as escolas despontuadas estavam sem cantar. Porém também não deixou de justificar problemas nos carros de som.

Para começar, tanto para Estácio como para Mocidade ela descontou o “entrosamento entre ritmo e canto”. Na Estácio ela disse que o conto dos componentes ficou prejudicado por causa do ritmo “com muita força e aceleração”. Realmente a Estácio estava com problemas na harmonia e o ritmo estava acelerado, mas é uma aceleração comum para a tradição da escola.

Por fim, a justificativa da Mocidade um tanto quanto genérica: “A escola apresentou partes do samba (canto) com deficiência de afinação e entrosamento entre ritmo e melodia. Intérprete, componentes e instrumentos não desenvolveram um trabalho com regularidade harmônica, melódica e rítmica.”

Nas considerações finais Celia escreveu que as escolas precisam ter atenção para não dividir o desfile em antes e depois do carro de som pois quanto mais distantes as alas estiverem do carro de som mais elas “terão que ouvir e manter o andamento do canto, caso contrário haverá uma diferença entre inicio, meio e final do desfile”. Isso faria com que se perceba uma alteração no andamento e desempenho da escola em relação ao canto, que perder a força proposta no início do desfile.

Particularmente, ouso discordar da julgadora. Com as caixas de som esse problema quase não ocorre. Com a experiência de desfilante, posso garantir que o final da escola canta menos não pelo motivo citado, mas sim pelo cansaço, pois o final da escola só entra na avenida 40 ou 50min após o inicio do desfile, o que cansa o componente que já precisa estar com toda a fantasia vestida no inicio do desfile da escola.

Módulo 3

Julgadora: Miriam Orofino Santos Gomes

Notas

  • Estácio – 9.7
  • União da Ilha – 9.8
  • Beija-Flor – 10
  • Grande Rio – 9.9
  • Mocidade – 9.9
  • Unidos da Tijuca – 10
  • Vila Isabel – 9.9
  • Salgueiro – 10
  • São Clemente – 10
  • Portela – 10
  • Imperatriz – 9.9
  • Mangueira – 10

Desde já, um ponto a se comentar: diferentemente do ano passado, no qual só fez isso com a Viradouro, Orofino apontou falta de canto dos componentes em todas as justificativas esse ano.

Porém confundiu harmonia com evolução. Repetindo um problema do ano passado, ela despontuou Estácio e Ilha por falta de vibração, “tenacidade” e por monotonia.

20160209_045609Como já escrevi ano passado, tais características tem a ver com a dança, não com o canto, e não podem ser despontuadas em harmonia. A escola pode vir triste, se todos os componentes cantaram junto com o carro de som em perfeita ordem, a escola não pode ser penalizada em harmonia.

Mais uma vez, a justificativa não fica clara quando ela aponto “desfile confuso, sem entrosamento” na Estácio de Sá. O que seria confusão no quesito harmonia? O único cenário que vem vem a cabeça é a escola cantar partes diferentes do samba ao mesmo tempo, como ocorreu com a Mangueira no ano do Cacique. Eu duvido muito que isso tenha ocorrido no desfile da Estácio, que contou com o apoio da caixa de som o tempo inteiro.

Outra justificativa no mínimo estranha é na Estácio e na ilha quando ela diz “Desfile sem fluência”. Eu jurava que a fluência era julgada em evolução… Ao menos na Estácio ela antecede dizendo que o “excesso de paradinhas da bateria” dificultou a fluência. Mas onde esse excesso de paradinhas se encaixa nos pontos de julgamento do quesito?

Mais uma vez reforço que harmonia precisa ter seu balizamento de julgamento totalmente reformulado e esclarecido.

Na Grande Rio, ela justificou “Andamento muito acelerado prejudicando o canto”. Ao menos dessa vez ela justificou que a aceleração prejudicou o canto (no módulo 1 pelo menos, não houve problemas desse tipo na Grande Rio). Já na Imperatriz “andamento acelerado prejudicando a melodia e dificultando o entendimento da letra do samba”. Um avanço quanto aos absurdos descontos de Portela e Ilha meramente pelo andamento rápido do samba.

Quanto a carro de som, esse ano Orofino apenas anotou “Instrumentos de corda inaudíveis” na Estácio (não seria problema da LIESA mais uma vez?), “Falta de entrosamento no canto dos puxadores” na Ilha, “Falta de entrosamento entre puxadores e bateria” na Mocidade e “canto dos puxadores não foi uniforme” na Vila Isabel.

Orofino também usou a acentuação do canto do refrão em relação ao resto do samba na Vila Isabel.

Módulo 4

Julgador – Jardel Maia

Notas

  • Estácio – 9.8
  • União da Ilha – 9.9
  • Beija-Flor – 10
  • Grande Rio – 10
  • Mocidade – 9.9
  • Unidos da Tijuca – 9.9
  • Vila Isabel – 9.9
  • Salgueiro – 10
  • São Clemente – 9.9
  • Portela – 10
  • Imperatriz – 10
  • Mangueira – 10

Jardel tem justificativas claras e notas coerentes, porém um único ponto me incomoda: Jardel foi mais um julgador a justificar a baixa na vibração e na empolgação da Ilha. Como ele só tirou 1 décimo da Ilha e também justificou algumas alas sem cantar, a nota não mudaria.

Também de notar uma das justificativas da Estácio: “Em torno de 1:16, quando a escola passava pelo módulo os instrumentos (cordas e bateria) se sobrepuseram em relação ao canto dos puxadores”. Mais uma vez pergunto se isso não seria um problema do carro de som da LIESA.

20160208_233457Interessante notar que ele penalizou Unidos da Tijuca (Tinga) por excesso de cacos. Além disso ele também penalizou Vila Isabel e Mocidade por “gritos de empolgação” em excesso prejudicando o entendimento do samba. Não fica claro se o problema seria dos puxadores ou dos componentes, mas duvido que seja a segunda opção porque é quase impossível o julgador ouvir um grito de apenas alguns componentes com o barulho da caixa de som.

Além dos cacos, o carro de som da Tijuca também não teve um “canto claro, uniforme e nítido” segundo o julgador.

Finalizando o quesito como um todo, esse ano percebi que todos os julgadores reclamaram de falta de clareza e entendimento do samba em alguma escola mas em praticamente em momento nenhum se especificou qual a parte do samba em que houve o problema. Até o ano passado essas indicações normalmente eram escritas. Isso dificulta até a avaliação desta coluna quanto a justificativa.

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