Os meses que antecederam o desfile das escolas de samba do primeiro grupo em 1988 foram marcados pelos falecimentos de dois dos maiores artistas da nossa festa: os carnavalescos Fernando Pinto e Arlindo Rodrigues.

fernandopintoFernando Pinto (foto) já havia desenvolvido parte do enredo “Beijim, Beijim, Bye Bye Brasil” e, depois de deixar a quadra da Mocidade Independente de Padre Miguel, sofreu um acidente automobilístico fatal por volta das 5 da manhã de 29 de novembro de 1987. O carnavalesco estava num Gurgel branco dirigido pelo amigo Sérgio Roberto da Conceição, e o veículo bateu num poste no quilômetro 19 da pista de descida da Avenida Brasil. Fernando Pinto chegou a ser levado ao posto do Inamps de Irajá, mas já chegou morto. O carnavalesco tinha apenas 43 anos e muito a oferecer ao Carnaval.

Arlindo Rodrigues morrera pouco antes, dia 8 de outubro de 1987, por causa de uma embolia pulmonar. À época, os amigos negaram com veemência que Arlindo tivesse falecido por complicações decorrentes do vírus da Aids – naquela altura era impossível uma pessoa acometida pela doença ter uma sobrevida grande. Segundo a médica Dirce Bonfim de Lima, da Casa de Saúde São Miguel, local onde Arlindo morreu, houve uma “emergência súbita”, e os exames de raio-x apontaram uma doença pulmonar crônica, mas ela afirmou que a hipótese de Aids não podia ser descartada. Com 56 anos, era outro que certamente teria contribuído ainda mais para as escolas de samba.

Outro falecimento que marcou a comunidade carnavalesca antes do desfile de 1988 foi o do presidente da bicampeã Estação Primeira de Mangueira, Carlos Alberto Dória, por assassinato. O sucessor de Carlinhos seria o tio Elíseo Dória, que também seria morto, dois anos depois.

Para amenizar o clima, uma novidade aguardada era o retorno das decorações de carnaval na passarela, se bem que naquele caso era algo discreto. Painéis em forma de losango seriam colocados em cima de postes ao longo da Sapucaí, do lado das arquibancadas. Isso jamais seria repetido.

Também pela primeira vez desde a inauguração do sambódromo, a TV Manchete não transmitiria os desfiles. Apenas a Globo tinha os direitos.

A expectativa era a de que as escolas se mobilizassem em enredos para lembrar o centenário da abolição da escravatura. No entanto, foram poucas as agremiações que adotaram essa temática negra, sob diferentes óticas.

Uma delas foi a Mangueira. O enredo “Cem anos de liberdade, realidade ou ilusão?” questionava se o negro realmente estava livre da escravidão. Não aquela escravidão que durou até o século XIX como conhecemos, mas a escravidão do dia a dia, da segregação que a própria sociedade, teoricamente democrática e desprovida de racismo, proporcionava. O samba de Hélio Turco, Jurandir e Alvinho é considerado um dos melhores da história da Verde e Rosa.

Outro samba antológico, mais um, era o da Unidos de Vila Isabel. O enredo “Kizomba, Festa da Raça” foi idealizado por Martinho da Vila e prometia ser uma festa de confraternização da raça negra. E o samba de Rodolpho, Jonas e Luiz Carlos da Vila já se mostrava uma “pedrada”, um grito de guerra dos negros.

Quem também despertava grandes expectativas era a recém-promovida Tradição. O samba do inesquecível João Nogueira e de Paulo César Pinheiro era extraordinário e o enredo “O melhor da nação, o melhor do Carnaval” prometia. Quatro anos depois da fundação, a dissidência da Portela faria a estreia na elite.

Do outro lado, a Portela apostava as fichas no enredo “Na lenda carioca, os sonhos do vice-rei” e o samba, dizia-se, fazia uma provocação à Tradição: “Briga, eu, eu quero briga/Hoje eu venho reclamar/Que que tem, o que é que há/Essa praça ainda é minha/Eu também estou fominha/Jacaré quer me abraçar”. No caso, Jacaré seria uma referência ao endereço da nova escola (Estrada Intendente Magalhães, 160).

Sem Fernando Pinto, a Mocidade tentaria reconquistar o título com um enredo que projetava um Brasil bem diferente da realidade, por intermédio de uma “nova Constituição”, que dividiria o país “em sete Brasileias encantadas”. O samba, entretanto, não era dos melhores, e não se sabia o quão a ausência do brilhante carnavalesco no fim da preparação afetaria a escola.

Quem despertava boas expectativas era o Salgueiro, com o enredo “Em busca do ouro”, abordando a luta constante do homem pelo rico metal. O samba era muito bom, e havia boas perspectivas para o trabalho do cenógrafo Mário Monteiro e do então jovem Chico Spinoza.

A Beija-Flor de Joãosinho Trinta também era aguardada com um enredo de temática negra como Mangueira e Vila, e o saudoso carnavalesco prometia um show de luxo na avenida, com a escola amparada por um samba valente.

Valente também prometia ser o Império Serrano, que lembraria o tempo no qual o Estado da Guanabara era independente, e a cidade do Rio, na visão da escola, era melhor. Como sempre crítica, a São Clemente protestaria contra as violências do dia a dia e, desde a escolha do samba, batia duramente na TV Globo.

Mais leve vinha a Caprichosos de Pilares, com um enredo sobre o cinema. O samba, mesmo marcheado para o meu gosto, era bastante popular já na fase pré-carnavalesca. Outra que despontava com um samba alegre era a União da Ilha, que homenagearia Ary Barroso.

Também leves vinham a Unidos do Cabuçu, homenageando os trapalhões Didi, Dedé, Mussum e Zacarias, a Unidos da Ponte, prestando um tributo ao ator Paulo Gracindo, a Estácio de Sá, falando sobre o boi, e a Imperatriz Leopoldinense, com enredo criticando as mentiras do Brasil desde o descobrimento.

OS DESFILES

De volta à elite do Carnaval carioca, a Unidos da Tijuca foi a primeira a entrar na Sapucaí em 1988 falando sobre as típicas conversas de bar, com enredo de título “Templo do Absurdo (Bar Brasil)”. Com o perdão do trocadilho com aquele típico bordão dito nos bares, até que a Tijuca “abriu bem os trabalhos”.

Os elementos alegóricos com lanchonetes, botecos e boates, tinham luxo e contavam bem o enredo, que criticava as mazelas da economia como o “congelaumento” de preços, e citava as sadias discussões sobre futebol.

A atriz Natália do Vale, que tinha se destacado com a novela “Cambalacho”, desfilou como “A Musa do Bar” e foi acompanhada por outros atores da Globo, como Miguel Falabella, Paulo César Grande e o falecido Lauro Corona.

O samba-enredo cantado por Nêgo era descontraído sem ser apelativo, e bateria comandada por Mestre Marçal esteve em boa noite. A Tijuca deixou a pista com excelentes perspectivas de se manter sem dificuldades na elite, depois do desastre do desfile de 1986, no qual foi rebaixada em último lugar.

Em seguida, passou a vice-campeã Mocidade, que fez uma apresentação fria, abaixo do que estava acostumada – o samba-enredo também não ajudava nada nada… Já a bateria passou bem como de costume e cadenciada.

O enredo era uma visão utópica de Fernando Pinto para o Brasil pós-Constituinte (que seria aprovada naquele ano de 1988), com um país rico e todos os estados exportando seus produtos regionais. Estados, não: Brasileias, as sete novas regiões divididas.

Depois de uma concentração confusa, a comissão de frente era escrachada, com seus componentes negros vestidos como a apresentadora Xuxa, que estava no auge da fama. Essa comissão permaneceria na Mocidade por uma década, normalmente com ótimos desempenhos.

Havia um grande número de alegorias, como os da Cataratas do Iguaçu e de Serra Pelada, mas tanto os carros como as fantasias estavam pesados, e a divisão cromática não funcionou. Como a escola teve problemas de barracão na fase pré-carnavalesca, e não contava mais com Fernando Pinto, talvez fosse o caso de a escola passar com elementos mais leves e menos poluídos.

Mas no fim das contas, o fato de o carnaval ter sido projetado por Fernando Pinto e desenvolvido por Cláudio Amaral Peixoto fez com que evidentemente o produto final não fosse exatamente o mesmo idealizado.

Enoli Lara e Renato GauchoQuem esquentou o público foi a União da Ilha, mesmo sob chuva. A Tricolor insulana sofreu na fase pré-carnavalesca, com um assalto de 1,7 milhão de cruzados (cerca de R$ 90 mil em valores atuais, sem contar a inflação), um incêndio no barracão que destruiu 30% das fantasias e adereços de mão, e um tiroteio na quadra que afastou o público dos ensaios. Mas nesse caso a chuva lavou a alma da Ilha.

De volta ao microfone principal da Ilha após três anos, o intérprete Quinho substituiu bem Aroldo Melodia, e a bateria de Mestre Paulão brilhou, com ótimas convenções e paradinhas. Com isso, o samba-enredo, que já era popular na fase pré-carnavalesca, teve bom desempenho em todo o desfile.

Concebido por Max Lopes, o enredo de singelo nome “Aquarilha do Brasil” passeou pela trajetória de Ary Barroso, cuja chegada foi representada numa cegonha. A barca vindo da ilha, recurso usado pelo carnavalesco em 1982, foi repetido no desfile de 1988.

Outras alegorias relembraram a Belle Époque, a época como radialista e os programas de calouros, a fase musical em que ele emplacou o grande sucesso “Aquarela do Brasil”, e, claro, a fase em que ele narrava os jogos de futebol, com destaque para o Flamengo, clube pelo qual Ary Barroso torcia descaradamente nas transmissões.

Pouco menos de dois meses depois do tetracampeonato brasileiro do Rubro-Negro, o samba tinha um refrão que pegou entre os torcedores: “A gaitinha tocando … é gol!/A galera vibrando… Mengo!”. Uma ala vestida com a camisa do clube e a palavra Tetra no lugar do patrocinador Lubrax tinha o astro Renato Gaúcho (foto) com Enoli Lara e a então ninfeta Luciana Vendramini – reza a lenda que o jogador, no auge da popularidade e bastante assediado pelas mulheres, marcou vários gols de placa naquele Carnaval…

Depois da boa apresentação da Ilha, um desastre atendeu pelo nome de Imperatriz Leopoldinense, que desfilou com um enredo sobre as piadas contadas no dia a dia, claro, aproveitando para criticar de forma bem humorada os males do país, como os marajás retratados na comissão de frente.

O carnavalesco Luiz Fernando Reis e o figurinista Flávio Tavares, oriundos da Caprichosos, desenvolveram um conjunto estético que não foi desastroso, embora totalmente fora das características da escola. Porém, lamentavelmente a chuva complicou muito o desfile.

O samba dos grandes David Corrêa, Guga, Zé Katimba e Gibi estava abaixo do que os próprios já haviam escrito antes. Para piorar, a divisão cromática multicolorida não funcionou, e, com uma evolução lenta e quebra de uma alegoria, a escola estourou o tempo de desfile em 12 minutos, o que renderia uma severa punição na apuração.

Em resumo: não foi um desfile para rebaixamento em condições normais, embora claramente a escola não tenha tido um carnaval concebido segundo seu DNA, de apresentações luxuosas e de temas “mais sérios”. ~Mas o estouro na cronometragem poderia custar caro…

Em seguida à Imperatriz, passou a São Clemente. Embora sem grandes recursos, que se refletiram em alegorias e fantasias medianas, com vários elementos em espuma, a escola passou o seu recado contra a violência que cada vez mais atingia a nossa sociedade, como a agressão à natureza e à mulher, o sofrimento dos nordestinos e guerra urbana entre bandidos e policiais.

Até a violência dos desenhos animados foi criticada, como nos versos do samba “As crianças encantadas com o He-Man / Desconhecem a maldade que em nossa terra tem”. Já o refrão principal batia duro na Globo, a quem a escola acusava de incitar a violência: “Se essa onda pega / Vá pegar noutro lugar / Quem avisa, amigo é / São Clemente vai passar”“Essa onda pega” era o slogan vigente da emissora.

Depois do desfile de 1987, a escola de Botafogo ficou popular, e muita gente da Zona Sul se incorporou à agremiação, o que tornou o contingente maior em 1988 (4.500 contra 4.000 no ano anterior). Mesmo assim, a evolução da escola se deu com muita garra.

Sem graves problemas, a São Clemente deixou a pista com a consciência do dever cumprido e com a certeza de permanecer no primeiro grupo.

estacio1988Em ascensão na elite do Carnaval, a Estácio de Sá vinha com boas expectativas para o Carnaval-1988, e a carnavalesca Rosa Magalhães escolheu o enredo “O Boi dá Bode”, sobre a história do conhecido animal desde o Egito Antigo, passando pela mitologia e chegando até os dias mais recentes, com uma crítica escrachada ao Plano Cruzado, já que as donas de casa procuravam – e não encontravam – o boi gordo…

Porém, um problema no sistema de som atrasou a entrada na escola. O intérprete Dominguinhos não aceitava o microfone de fio fornecido pelo coordenador da Riotur Antônio Lemos – o cantor queria o mesmo sistema sem fio usado pelas escolas anteriores. Os dois bateram boca ao vivo diante da repórter da Globo Leila Cordeiro, mas o problema foi resolvido, e a Estácio enfim começou a evoluir.

O samba, bastante tocado no pré-Carnaval, tinha boas tiradas, e o público gostou, mas, no começo do desfile, a escola passou menos animada do que nos anos anteriores. Dominguinhos, que tempos depois chegou a admitir que não gostava do samba, até gritou para o diretor de bateria: “Alô, Hélio! Não deixa cair! Bota pra frente!”. Deu certo, e do meio para o fim do cortejo, a Estácio cresceu.

Destaque absoluto para o lendário Bicho Novo e Andréia, que formavam o casal com o mestre-sala mais velho e a porta-bandeira mais nova do Carnaval. Outro item muito elogiável na apresentação estaciana foi o conjunto de fantasias, com luxo e criatividade.

O conjunto de alegorias também agradou, e destacou-se o elemento que falava do Bumba-Meu-Boi e do Boi Bumbá. O Jornal do Brasil criticou de forma exagerada a apresentação da escola: “Toda a primeira parte foi marcada por uma sucessão de egípcios com chifres e gregos com chifres. Em toda a sua passagem, a escola mostrou chifres demais e criatividade de menos”.

Já os comentaristas da TV Globo – também de forma exagerada – deram notas 10 para a Vermelho e Branco em todos os quesitos. De qualquer forma, uma apresentação bastante elogiável da Estácio, que deixou a pista sob gritos de “é campeã!” e tinha boas expectativas para a apuração.

salgueiro1988Em seguida, o Salgueiro confirmou as boas expectativas e fez a melhor apresentação de domingo. Os carnavalescos Mário Monteiro e Chiquinho Spinosa, que entraram no lugar de Renato Lage e Lílian Rabello, apostaram no enredo “Em Busca do Ouro”, sobre o precioso metal, e fizeram um desfile com um menor número de alegorias em relação a 1987, mas muito luxuoso.

No começo do cortejo, os carnavalescos utilizaram tons dourados, mas aos poucos foram passando ao vermelho e branco da escola. As alegorias (havia alguns quadripés) estavam bem acabadas e fantasias, idem. Depois de uma garbosa comissão de frente com sambistas do quilate de Nei Lopes, o abre-alas (foto) já mostrou bastante impacto com as preciosas mulatas em cima de queijos com estruturas que lembravam moedas de ouro empilhadas, além de uma grande moeda giratória com o título do enredo.

Em seguida, o desfile mostrou o Rei Midas, famoso por transformar em ouro tudo que tocava, e o ciclo do ouro no Brasil foi simbolizado num lindo elemento que representava o barroco mineiro e as esculturas de Aleijadinho. O ciclo do café, considerado um “ouro” nacional, também foi mencionado numa alegoria que tinha um navio negreiro e seus escravos sendo maltratados, numa menção ao centenário da Abolição.

O ouro negro, no caso o petróleo, também esteve no desfile, sobretudo na fantasia da ala das baianas, assim como Serra Pelada, retratada de uma forma mais bem-feita do que na Mocidade. Uma crítica escrachada ao momento do Brasil vinha numa alegoria em que ratos passavam pelo livro da Constituição, que viria a ser promulgada naquele ano. O Salgueiro também lembrou o roubo e derretimento da Taça Jules Rimet, que havia sido conquistada em definitivo pelo Brasil na Copa de 1970.

O ótimo samba-enredo, oriundo de uma junção, foi muito bem cantado por Rixxa, que, bancada pela presidente Elizabeth Nunes, se firmava como um dos grandes intérpretes do Carnaval. Já a bateria de Mestre Louro imprimiu boa cadência ao samba, mas seria despontuada na apuração.

A harmonia esteve muito bem, mesmo com algumas alas coreografadas. Se o ouro que o Salgueiro buscava realmente viria, não dava para cravar, já que nove escolas ainda passariam. Mas foi um belíssimo momento da agremiação.

portela1988A espelhada Águia da Portela bateu asas por volta das 8 da manhã de segunda-feira, e o enredo era inspirado no livro “A fonte dos amores”, de Câmara Cascudo. A obra tratava da paixão do Vice-Rei Dom Luís de Vasconcelos de Sousa por uma jovem chamada Susana, e servia como pano de fundo para uma homenagem ao Centro do Rio,  pelo Passeio Público, Av. Rio Branco, Cinelândia e Lapa.

A gloriosa comissão de frente formada por ícones da agremiação como os compositores Monarco, Ary do Cavaco e Wilson Moreira abriu uma apresentação que passou pelas três etnias que formaram o povo brasileiro e os locais já citados.

No entanto, o enredo se mostrou um tanto confuso. Tirando o abre-alas, as alegorias no geral estavam abaixo em relação que o Salgueiro apresentara: “Sob um aspecto, pareceu escola pequena: na pobreza das alegorias, todas de escancarada modéstia, algumas simplesmente feias, como aqueles carros de passeio que pretendiam rememorar os corsos carnavalescos da antiga Avenida Central e Cinelândia”, opinou o Jornal do Brasil.

As fantasias estavam melhores, e o carnavalesco Geraldo Cavalcanti respeitou o azul e branco da escola, no que obteve sucesso. A Tabajara do Samba, comandada pelo Mestre Timbó, cadenciou bem o samba, que teve boa aceitação, principalmente no polêmico refrão já citado.

Aliás, o presidente Carlinhos Maracanã negou ter havido provocação à Tradição, embora a escola tenha entrado na Justiça para impedir a agremiação de usar o condor no abre-alas, por entender que era uma cópia da águia da Portela:

“A briga que nosso enredo fala é da Cinelândia, que se transformou numa praça de manifestações populares. E esta de jacaré é mera coincidência. Quanto ao nosso direito exclusivo de usar a águia como símbolo, vamos prosseguir com a causa na Justiça após o Carnaval, porque duas águias podem confundir o público.”

Naquele momento, ficou claro que a escola com o melhor desfile de domingo havia sido o Salgueiro. Mas a sensação era a de que o desfile campeão ainda não havia passado.

tradicao1988A segunda-feira começou cercada de expectativas pela estreia da Tradição no primeiro grupo, falando sobre a trajetória do negro no Brasil e a mistura entre as raças, além de questionar a história oficial do país. E a escola cumpriu muitíssimo bem seu papel, mesmo com o nervosismo devido a um problema na asa do condor do abre-alas ainda na concentração, e um atraso por causa das escolas mirins.

O imortal Roberto Ribeiro recebeu uma homenagem da Tradição e esquentou a escola com o samba de Paulinho da Viola “Foi um rio que passou na minha vida”, numa clara referência à cisão com a Portela – sempre vale lembrar que a ideia original era a que a escola de Campinho se chamasse Portela Tradição.

A bateria esteve firme e tinha Luma de Oliveira à frente. Além disso, o samba era dos melhores do ano, para alguns, o melhor, e foi puxado por Candanda (não era Candanga, como muitos pensavam) com a colaboração de João Nogueira.

Os componentes desfilaram bastante empolgados e muito bem fantasiados. Aliás, a fantasia da extraordinária porta bandeira Vilma Nascimento (foto), que voltava a mostrar sua categoria na pista, era lindíssima, em branco!

O carnavalesco João Rosendo optou por alegorias pequenas (várias delas eram quadripés) mas bem acabadas, com predomínio de azul, prata e ouro. Mesmo com uma chuvinha miúda, a escola passou bem, melhor do que a maioria das que haviam desfilado antes.

Após a ótima estreia da Tradição, a Caprichosos de Pilares fez um desfile irreverente e agradável que falava sobre os 90 anos do cinema. O divertido samba foi bem cantado pelos saudosos intérpretes Carlinhos de Pilares (que ganharia o Estandarte de Ouro) e Luizito.

Os carnavalescos Renato Lage e Lílian Rabello prepararam um belo conjunto alegórico e de fantasias, e a escola certamente ficaria mais bem colocada em relação a 1986 e 1987. De cara, a criatividade do desfile ficou patente na comissão de frente, com lanterninhas de cinema e um casal namorando.

As alegorias também estavam bastante criativas, com destaque para a que representava o personagem Frankenstein e o carro da comédia, com esculturas de artistas consagrados como Stan Laurel e Oliver Hardy, de “O Gordo e o Magro”, entre outros.

Havia também bonitos elementos utilizando néon, como por exemplo o bem resolvido abre-alas, que foi sucedido por uma ala de artistas, diretores e produtores. Outro bom recurso foi o dos tripés apresentando cada setor do desfile.

No entanto, um grave erro de evolução poderia colocar uma boa posição a perder: a bateria parou e demorou demais a entrar no recuo, enquanto as alas à frente continuaram evoluindo; com isso, uma cratera se abriu e descompassou a escola. Mesmo assim, sob aplausos, a escola de Pilares terminou seu desfile com a missão cumprida e com chances de ficar na metade de cima da tabela.

beijaflor1988bA terceira escola a desfilar na segunda-feira foi a sempre forte Beija-Flor. E Joãosinho Trinta cumpriu à risca a promessa de colocar na avenida uma escola luxuosíssima. Sem dúvida, plasticamente era a mais abastada agremiação daquele ano, com alegorias enormes e fantasias de extremo bom gosto.

O enredo chamava-se “Sou Negro, do Egito à Liberdade” e contava a história da raça negra associando-a ao Império Egípcio. João 30, com auxílio de Viriato Ferreira, acertou a mão ao conferir luxo às fantasias, mas sem deixá-las pesadas para os componentes, o que dava fluidez ao desfile e facilitava a evolução. Os figurinos do casal Élcio PV/Dóris estavam deslumbrantes.

O samba não era dos mais cotados antes do desfile, mas teve bom funcionamento no desfile, e, como sempre, Neguinho o conduziu brilhantemente. A bateria esteve firme, talvez um tanto acelerada para a época, mas os componentes passaram com muita empolgação, seguindo as tradições nilopolitanas de rolo compressor.beijaflor1988

Havia 15 carros alegóricos, todos muitíssimo bem resolvidos, e o enredo ligava os deuses egípcios aos orixás: Osiris, representada por Pinah, era Oxalá, Hôrus era Xangô, Ísis era Iemanjá, Anubis era Oxóssi e Hator era Oxum. E, para quem achava que o desfile seria confuso, ledo engano.

O último carro tinha uma enorme pirâmide e 111 crianças, e foi o encerramento de um desfile deslumbrante, com uma divisão cromática perfeita. Mesmo sem empolgar tanto o público, talvez pelo fato de não entrar tanto na celebração do centenário da abolição e os problemas contemporâneos enfrentados pelo negro, sem dúvida a Beija-Flor se credenciava a brigar pelas primeiras colocações com muita força.

Homenageando os Trapalhões, a Unidos do Cabuçu fez uma passagem alegre, embalada por um samba que, se não era considerado dos melhores tecnicamente, era bastante divertido – aliás, quando eu era criança adorava o refrão “Didi, Dedé, Mussum e Zacarias / Seu mundo é encanto e magia”.

Eles dispensaram os carros alegóricos e desfilaram no chão, arrancando aplausos do público. Muito emocionado, Renato Aragão inclusive jogou o boné, os óculos e a camisa para o público, e Mussum, diretor da ala das baianas na Mangueira, foi ajudar na Harmonia.

As alegorias e fantasias não tinham o luxo de outras escolas mas traduziam o enredo, que contava individualmente a trajetória de cada Trapalhão, com citações aos filmes dos Trapalhões e à participação na TV.

O destaque foi o abre-alas com esculturas em caricatura dos quatro homenageados. Aliás, esse recurso dos bonecos foi bastante utilizado pelo carnavalesco Alexandre Louzada, que concebeu um conjunto plástico bastante adequado. Apesar de ter sido um desfile agradável, no conjunto foi uma apresentação inferior à de 1987, sobretudo nos quesitos de pista.

A Unidos da Ponte exaltou o ator Paulo Gracindo. O samba era curtinho e bem escrito, mas não foi tão bem cantado pelos componentes, que fizeram uma evolução fria, talvez pelo fato de a obra ser em tom menor, até melancólico em alguns pontos.

A bateria esteve cadenciada como de costume – a agremiação era a única da elite a ainda insistir em usar surdos com couro original, o que dava um suingue especial ao ritmo – mas seria bastante punida na apuração.

Agradou a ala das baianas logo no começo do desfile representando Sucupira, a cidade fictícia comandada pelo político Odorico Paraguaçu. Este personagem, um dos mais famosos de Gracindo, foi representado pela fantasia da bateria e o próprio ator veio representando Odorico no carro Prefeitura Municipal.

Mas não foi só “O Bem Amado” que foi representado. Nas simples alegorias, havia menções à época do rádio e a novelas como “Bandeira 2” e “Mandala”, mas o destaque era o elemento no qual Gracindo se olhava no espelho. Enfim, um desfile bem dividido e apresentado, mas a Ponte não tinha como competir com as grandes em termos de grandiosidade estética.

Bem, depois da passagem da Unidos da Ponte, aconteceu um dos melhores desfiles, senão o melhor, da história do sambódromo em três décadas.

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A Unidos de Vila Isabel apostou num enredo idealizado por Martinho da Vila. Era um tema de fácil leitura e que homenageava os negros no ano do centenário da Abolição da Escravatura. “Kizomba, Festa da Raça”. Para resumir: kizomba, uma palavra do Kimbundo, uma das línguas oficiais de Angola, é a reunião de pessoas numa festa de confraternização da raça negra com ritmos musicais do país. Aliás, uma kizomba seria realizada em novembro de 1988 em Angola.

A escola não tinha quadra para ensaiar e o fazia no Boulevard 28 de Setembro. Com recursos financeiros escassos, a comissão de carnaval formada por Milton Siqueira, Ilvamar Magalhães e Paulo Cesar Cardoso teve de usar materiais baratos, como palha, sisal e tecidos estampados com desenhos africanos, mas que deram um conjunto visual inacreditavelmente poderoso.vila1988

O desfile foi aberto com Paulo Brazão,  fundador da escola e então sócio número 1, representando Soba, o grande chefe, e veio sucedido por uma comissão de frente formada por guerreiros africanos. O abre-alas com a tradicional coroa não era enorme, mas tinha grande impacto. A escola faria em seguida um passeio por diferentes aspectos da cultura negra.

Com fantasias simples mas muito pertinentes à proposta do enredo, diversos grupos folclóricos brasileiros que participavam das kizombas foram representados. Um dos quadros era denominado “Quilombo da Democracia Racial”, e mostrava como os negros poderiam ter irmandade com brancos, índios, caboclos e mestiços.

“Valeu, Zumbi/ O grito forte dos Palmares/ Que correu terras, céus e mares/ Influenciando a abolição”. Os primeiros versos do sambaço da Vila até hoje ecoam no ouvido de qualquer sambista ou de admiradores do Carnaval.

vila1A conclamação geral foi 100% atendida pelos componentes e pelo público num espetáculo incrível. Os desfilantes pareciam realmente possuídos e cantaram o grito de guerra em forma de samba a plenos pulmões em toda a avenida.

Um emocionante ponto do desfile foram os painéis com figuras de diversos negros líderes revolucionários, como Martin Luther King, Samora Machel, Nelson Mandela, entre outros. Devido às já citadas dificuldades econômicas, os carnavalescos optaram em diversos momentos por tripés e quadripés, e foram felicíssimos no resultado.

Um trecho do samba ainda dizia “E que o Apartheid se destrua” e dois anos depois a África do Sul finalmente aboliu em caráter oficial essa triste política de segregação racial.

Um samba maravilhoso, uma apresentação histórica, emocionante, inesquecível e inigualável. Sem mais.

Ainda sob o impacto da catarse proporcionada pela Vila Isabel, o Império Serrano pisou forte na avenida sob garoa, com o enredo “Para com isto, dá cá o meu”, idealizado por Fernando Pamplona e desenvolvido por Ney Ayan.

A proposta era cobrar aquilo que foi “levado do Rio” e dizendo com todas as letras que “o Rio não é mais como era antes”, trecho do agradável samba cantado por Quinzinho e Roger da Fazenda. Mesmo com bons momentos, a escola da Serrinha não conseguiu empolgar tanto o público.

Nos quesitos plásticos, um dos poucos destaques foi a alegoria com o Cristo Redentor como símbolo do Rio que o Império queria de volta. A divisão cromática pendeu para os tons claros, com o brilho característico dos carnavais desenvolvidos por Ney Ayan.

Mas o uso de materiais como azulejos e até mármores em determinados elementos tornou as alegorias pesadas e difíceis de serem manobradas. Isso atrapalhou a evolução da escola, que também foi prejudicada pelo peso das fantasias – de fato, perderia pontos no quesito.

Chamou a atenção a discordância (educada, diga-se) entre os comentaristas Antônio Carlos Athayde e Sérgio Cabral na transmissão da Globo. O primeiro achava que, tantos anos depois da incorporação da Guanabara ao estado do Rio, o protesto imperiano era perecível. Já o segundo concordava com a cobrança da escola.

Também chamou muito a atenção a beleza da rainha de bateria Vanessa de Oliveira. A fantasia mostrava muita coisa, mas não tudo, numa prova de que era possível sensualidade sem vulgarização.

mangueira88Coube à Estação Primeira de Mangueira encerrar o Carnaval de 1988. Depois de um discurso inflamado do ator Milton Gonçalves na concentração e lágrimas dos componentes na ausência do recém-falecido presidente Carlos Dória, a escola começou a evoluir ao som de outro samba antológico com temática negra.

A comissão de frente, além de Milton, tinha outros negros com destaque na sociedade brasileira como Grande Otelo, Djavan, o jogador Andrade, campeão brasileiro meses antes pelo Flamengo, a repórter Glória Maria, a atriz Ruth de Souza, os saltadores João do Pulo e Adhemar Ferreira da Silva e o baluarte mangueirense Carlos Cachaça. Mas faltava um componente: Martinho da Vila… Como veremos adiante, isso renderia uma enorme polêmica.

Com os desfilantes cantando o samba a plenos pulmões, como manda a tradição mangueirense, a escola evoluiu bem na maior parte do tempo. No entanto, com o incrível número de 5300 componentes em 53 alas, a Verde e Rosa teve de apressar o ritmo no fim para não estourar o tempo.

Desnecessário também dizer que o sambaço foi muito bem cantado por Jamelão, Jurandir e Dirceu, e que a bateria esteve impecável – até Lobão, imaginem só, esteve tocando tamborim entre os ritmistas. O refrão central “Pergunte ao Criador/Quem pintou essa aquarela/Livre do açoite da senzala/Preso na miséria da favela” era perfeito e sintetizava o enredo.mangueira88

Mesmo bicampeã, a Mangueira não era das escolas mais ricas da época, e isso se refletiu em alegorias menores e não tão bem acabadas como as da Beija-Flor, por exemplo. O abre-alas era bastante simples mas bem resolvido, com Dona Zica (impossibilitada de desfilar no chão) sentada numa cadeira, e duas esculturas de negros ladeando o surdo um, símbolo da escola.

Já o elemento “Transposição da África” mostrava o navio negreiro e o carro “Casa Grande e Senzala” retratava a chegada ao Brasil.  No fim, a Velha Guarda representou os abolicionistas.

O saudoso carnavalesco Júlio Mattos apostou numa divisão cromática voltada para o rosa, muitas vezes em tons suaves, já que a Mangueira desfilou pela manhã. As fantasias estavam superiores às alegorias, e muitos figurinos tinham plumas. Logo no começo do desfile, passaram bonitas alas representando os países africanos e outros destaques foram as alas que mostraram o sincretismo religioso do Brasil.

A Mangueira fez uma grande apresentação e terminou seu desfile aclamada pelo povo, que seguiu a escola no chamado arrastão. Mas nem isso parecia ameaçar a vitória da Vila Isabel, diante da grandeza da exibição da escola.

REPERCUSSÃO E APURAÇÃO

A Vila Isabel foi aclamada pela crítica como a melhor escola do Carnaval de 1988 e arrebatou os prêmios de Melhor Escola e Melhor Samba-Enredo do Estandarte de Ouro, de “O Globo”. Com isso, ela chegou à apuração como favorita, tendo a Mangueira como maior ameaça.

Foi uma apuração bastante tensa, com provocações e princípio de confronto entre as torcidas no Maracanãzinho. O clima também era quente nos bastidores, pois a TV Manchete conseguiu liminar para transmitir a apuração, já que a exclusividade da Globo deveria ser restrita apenas aos desfiles. Quando a liminar chegou ao ginásio, a apuração já estava em andamento e a transmissão da Manchete começou apenas quando a Vila já comemorava o título.

De fato, as notas dos jurados deram à Vila o justíssimo primeiro campeonato de sua história, com pontuação máxima em nove dos dez quesitos – a exceção foi Alegorias e Adereços. Mas um quesito até hoje causa revolta nos mangueirenses, mas não apenas com os jurados…

A escola perdeu um ponto em Comissão de Frente, que por acaso (ou não) estava com um componente a menos, justamente Martinho da Vila. A apuração previa o descarte da maior e da menor nota em cada quesito e a Mangueira levou duas notas 10 e duas notas 9. A Vila foi campeã por apenas um pontinho (224 a 223)…

Mas a julgadora Fernanda Moro disse depois ao jornal “O Globo” que tirou um ponto da comissão da Mangueira porque ela “se desarrumou bem na minha frente”, e não pela ausência de Martinho. Este alegou que se perdeu dos amigos mangueirenses que o levariam do desfile da Vila para a concentração da Mangueira.

Dona Zica não perdoou Martinho e prometeu que enquanto ela fosse viva, ele jamais entraria na quadra da Verde e Rosa. Bem ao seu estilo, Jamelão mirou a metralhadora contra os jurados: “Derrubaram a gente. Mas não adianta chorar, porque homem não chora”.

Se a ausência de Martinho deu uma forcinha para a escola ou não, fato é que a Vila foi consagrada por público, mídia e sambistas como a maiúscula CAMPEÃ de 1988.

Unidos do Cabuçu e Imperatriz Leopoldinense terminaram nas últimas duas posições e seriam rebaixadas mas houve depois um acerto de bastidores e ambas permaneceram no primeiro grupo. No dia da apuração, o presidente da Gresil, Luizinho Drumond, lamentou o rebaixamento e criticou duramente “oito ou nove diretores que ficaram de braços cruzados” enquanto a escola se enrolava na evolução e estourava o tempo limite de desfile.

RESULTADO OFICIAL

POS. ESCOLA PONTOS
Unidos de Vila Isabel 224
Estação Primeira de Mangueira 223
Beija-Flor de Nilópolis 222
Acadêmicos do Salgueiro 219
Portela 211
União da Ilha do Governador 210
Império Serrano 208
Caprichosos de Pilares 207
Mocidade Independente de Padre Miguel 207
Tradição 207
Estácio de Sá 204
10º São Clemente 197
11º Unidos da Tijuca 194
12º Unidos da Ponte 190
13º Unidos do Cabuçu 188
14º Imperatriz Leopoldinense 186

No Grupo 2, a vitória ficou com o Arranco do Engenho de Dentro, que em 1989 desfilaria na elite pela primeira vez em 11 anos, enquanto a Unidos do Jacarezinho foi a vice-campeã e voltaria ao primeiro grupo após o rebaixamento de 1987. Não houve descenso, e o grupo ganharia a presença de Arrastão de Cascadura e Em Cima da Hora no ano seguinte.

O Desfile das Campeãs seria realizado no sábado dia 20 de fevereiro, mas na véspera ocorreu uma enchente que abalou o Rio de Janeiro. Na tragédia, 273 pessoas morreram em todo o estado do Rio, sendo 78 na capital.

Apesar de as escolas não terem sofrido tantos danos nas alegorias, o cortejo foi adiado para o fim de semana seguinte e depois acabou cancelado, pois não havia clima para festa.

Quis o destino que Kizomba fosse eternizado em apenas uma apresentação. Quem viu, viu!

CURIOSIDADES

– A transmissão da TV Globo teve um revezamento entre Fernando Vannucci e Eliakim Araújo na narração e Hilton Gomes e Léo Batista na apresentação das escolas nas concentrações. Como comentaristas, a Globo teve Jorge Aragão, Leci Brandão, Sérgio Cabral, Luiz Lobo, Márcio Antonucci, Maria Carneiro, Lena Frias e Antônio Carlos Athayde.

– Uma das novidades da cobertura global era um dirigível com patrocínio da Kodak que levava uma câmera e fazia belas imagens panorâmicas dos desfiles. Outra inovação era uma câmera conhecida como “trem-bala” que percorria um trilho de 250 metros no prédio dos antigos camarotes. Então diretor de jornalismo da Globo, Armando Nogueira afirmou após os desfiles: “Tivemos avanços na qualidade da transmissão. Buscamos uma linguagem menos picotada no vídeo e não interferimos com reportagem durante as passagens das escolas. No desfile há uma intensidade dramática que deve ser respeitada como uma ópera popular, e por isso não pode ser quebrado, não pode ser interrompido”. Saudades de Armando Nogueira…

– Fernando Vannucci, aliás, foi pivô de uma confusão no baile do Champagne, na casa noturna Scala, no fim de semana do Carnaval. Ao ser entrevistado na transmissão da TV Bandeirantes pela ex-mulher Suzane Carvalho, na presença da namorada da vez Marcella Prado, Vannucci se viu no fogo cruzado entre as mulheres, que trocaram farpas ao vivo. Segundo o Jornal do Brasil, depois da entrevista, Marcella “esbarrou” em Suzane, dando início a uma confusão, e o apresentador levou um soco de um segurança que apareceu. Na Sapucaí, Vannucci apareceu com um curativo na cabeça e não se deixou fotografar. E alegou: “Vim de táxi para cá e, quando o motorista parou, bati com a cabeça no taxímetro”.

– A mangueirense Leci Brandão estava tão empolgada com o desfile da Verde e Rosa que cantou no ar o famoso refrão “O negro samba, negro joga capoeira/Ele é o rei na verde e rosa da Mangueira” quando Eliakim Araújo chamou a letra do samba. Em seguida, o apresentador perguntou a Sérgio Cabral se ele também queria cantar, mas o grande jornalista foi sensato ao dizer “não, vou estragar o samba…”

– Foi o último desfile de Quinzinho como cantor principal do Império Serrano. Depois ele seria apoio de Roger da Fazenda em 1995 (numa inversão do que aconteceu em 1988) e de Carlinhos da Paz em 2002.

– Pela primeira vez na Era Sambódromo, a passarela tinha um patrocinador master, a Coca-Cola. Nos anos seguintes outras marcas seriam vistas como Arisco, Maggi, Brahma e Nova Schin.

– Outro anunciante do Carnaval era a própria TV Globo, que, segundo publicou o Jornal do Brasil, foi hostilizada pelo público sempre que o nome da emissora era citado nos alto-falantes da Sapucaí. Ainda de acordo com a publicação, Boni teria mandado que os anúncios fossem suspensos para evitar mais vaias.

CANTINHO DO EDITOR (por Pedro Migão)

Até hoje os mangueirenses juram que a ausência de Martinho da Vila na Comissão de Frente da escola levou à perda de pontos que custou o tricampeonato. Alguns verde e rosas mais xiitas dizem que a ausência foi de propósito devido ao belo desfile da Vila.

O desfile não passou uma segunda vez em 1988, mas o samba Kizomba foi reeditado no carnaval de 2014 pelo Paraíso do Tuiuti, do Grupo de Acesso.

Foi neste ano que o desfile do então Grupo 1B (hoje Acesso A) passou para o sábado de Carnaval. O Arranco foi o campeão com um belo samba baseado na canção de Chico Buarque “A Banda”.

Dominguinhos do Estácio não gosta do samba deste ano da agremiação do mesmo nome. Certa vez ele cantou o samba para um colunista deste Ouro de Tolo parando toda vez que a palavra “boi” aparecia na letra. Foram 15.

Ilvamar Magalhães se integrou à equipe de carnavalescos da Vila durante a preparação, devido à doença de Milton Siqueira – que era portador do vírus da Aids. Em uma época de muito preconceito com os portadores do vírus, a então presidenta da Vila Isabel Ruça fazia questão de beijar e abraçar Milton à vista de todos. O carnavalesco morreria em outubro de 1988, aos 34 anos, devido à doença.

Ao contrário da controvérsia da época, hoje é senso comum que Arlindo Rodrigues foi outra vítima da doença.

Os grupos 3 e 4, tal qual 1987, desfilaram respectivamente domingo e segunda de Carnaval na Avenida Graça Aranha. A Leão de Nova Iguaçu ganhou este grupo, com a Unidos do Viradouro em segundo – também promovida.

A apuração do Grupo 2 tem uma polêmica. A Unidos de Lucas comemorava o acesso ao Especial quando houve uma queda de luz e, na volta da energia, a escola foi relegada ao terceiro lugar. Mistério… A agremiação foi três vezes seguidas terceira colocada entre 87 e 89.

O samba escolhido pela Imperatriz era bem diferente da proposta original do enredo, que não focava tanto na questão política.

Links

A histórica passagem da Vila Isabel em 1988

O ótimo desfile vice-campeão da Mangueira

A competente estreia da Tradição no primeiro grupo

O lindo samba campeão do Arranco do Engenho de Dentro no Acesso

Fotos: O Globo, Extra, Revista Manchete e reprodução de TV

13 Replies to “1988: Vila Isabel faz ‘kizombaço’ e quem viu, viu! Quem não viu…”

  1. Kizomba foi um Kizombaço! Na reedição feita pela Tuiuti, a bateria tava parecendo uma metralhadora sem freio – apesar de gostar de uma bossa.

    No excelente LP, Jamelão soltou um caco interessante: “Alô meu presidente Carlinhos Dória! Este é o seu carnaval, e aí está a sua Mangueira! Nós vamos para o tri-campeonato!”. Pois é, mal imaginavam o desfilaço que a Vila faria…

    Em seu documentário, Martinho contou uma história interessante sobre o título da azul e branca: “Naquele ano a gente ganhou, depois eu subi o Morro dos Macacos, quando cheguei lá em cima o pessoal estava tudo paralisado, e eu falei: pessoal ganhamos, ganhamos mesmo!”

    A Manchete não exibiu, foi impedida de exibir os desfiles. Para ter concorrência livre, a Globo inventou uma medida judicial para impedir a emissora do Grupo Bloch de fazer a transmissão.

    E numa história que mistura estranheza e volta por cima, a Imperatriz que seria rebaixada em 88 e não foi, acabou campeã no ano seguinte…

    1. Engraçado… é fácil só lembrar da Imperatriz, mas… e o Império Serrano?

      Qual foi a posição do “Menino de 47” em 1981? O que aconteceu em 1982?

      Pau que dá em Chico…

  2. Parabéns pela coluna, li “Os 30 atos” mas estou relendo essa aqui. O que vocês fazem aqui é um serviço a cultura brasileira, por muitos esquecida. Eu que sou um apaixonado por carnaval, nascido em 1987, não teria como saber de tudo isso se não fosse vocês. Parabéns e muito obrigado de coração.

    Quanto a reclamação da Mangueira, não creio que o Martinho tenha feito de propósito, não me parece ser da índole dele.

    Abraços e até a próxima

    1. Valeu, Rogério! Nossa ideia em revigorar a 30 Atos e transformá-la em Histórias do Sambódromo é justamente corrigir alguns detalhes que passaram em branco e/ou incorreções, além de colocar novas informações que não publicamos. Muito obrigado pelo prestígio!

  3. Martinho da Vila não desfilou de propósito, ele sabia que a sua ausência causaria a retirada de pontos da Mangueira.
    Após esse episódio o regulamento mudou e as comissões de frente passaram a contar com componentes variáveis (de 12 a 15 componentes) para qualquer imprevisto.

  4. Apesar do segundo lugar, amo esse desfile e esse samba da Mangueira, creio que tenha sido um dos melhores momentos da escola na avenida, seria campeã em vários outros carnavais, mas infelizmente para nós mangueirenses, a Vila Isabel fez história.

    Não acredito que o Martinho tenha feito de propósito, mas fiquei curioso, será que a “promessa” de Dona Zica, de não permitir a entrada dele na quadra da verde e rosa enquanto fosse viva, foi cumprida?

  5. Certamente o desfile da Mangueira teria sido campeão num outro ano. Não em 1988. Desculpem o trocadilho infame mas a “trapalhada” do júri em relação ao rebaixamento salvou, também, Os Trapalhões da Cabuçu. A escola se seguraria mais dois anos no Especial para não mais voltar. Para mim um ano muito especial. Desfilei pela primeira vez na Marquês de Sapucaí. Não pelo meu Império Serrano mas pelo querido Império da Tijuca, que homenageou Sinhô, no segundo grupo. Quase subimos. Título merecido do Arranco e seu belo samba. O Imperinho só voltaria a desfilar entre as grandes na década seguinte.

  6. Dois dos maiores sambas da história, um desfile perfeito, outro emocionante e um desfile bizarro ao extremo. Esse foi o Carnaval de 1988!

    Título merecidíssimo para a Vila Isabel. E quando a Mangueira merecia o caneco também, ficou a ver navios, após a roubalheira no ano anterior! Lembra bem 1996…

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