A notícia do samba na última semana foi a queda da composição da compositora Denise Reis na Cubango.

Todos os anos temos sambas que causam alvoroço nas redes sociais por serem diferentes, e esse ano foi o dela. Não ouvi a obra, ouvi pouquíssimos sambas esse ano e como todas as vezes que isso ocorreu o samba dividiu opiniões.

De um lado os saudosistas que enjoaram do formato atual de samba-enredo e clamam por mudanças; do outro aqueles que estão satisfeitos e reclamam que qualquer samba feito de forma diferente logo é considerado uma grande obra.

Os dois lados estão certos.

A fórmula atual cansou mesmo. Essa de 10 linhas, refrão de 4, 10 linhas e refrão principal conclamando a comunidade e citando o nome da escola encheu o saco e só consegue satisfazer quem está ganhando dinheiro com isso; ou seja, os compositores que vem vencendo os concursos e seus apoiadores (às vezes puxa sacos). Mas também não é porque é diferente que é bom. Se for assim eu meto um MPB com letra que tem nada a ver com o enredo e as pessoas vão ter que considerar coisa boa. Não é assim. Samba-enredo tem tradição e ela deve ser respeitada.

http://www.youtube.com/watch?v=VzpjSdn_JI0

Repito. Não ouvi o samba da compositora. Mas por entrevista dela e relatos soube que ela não tinha um cantor profissional. O bom cantor do Salgueiro Leonardo Bessa se ofereceu para cantar gratuitamente a obra por gostar da mesma (acima). A partir do momento que não foi gravado por um cantor acostumado a concursos, já se imagina que não foi uma gravação profissional nem mesmo um samba profissional. Sem colocar qualidade ou defeito nessa questão.

Relatos dizem que o Bessa não conseguiu chegar a tempo e a apresentação foi ruim, não foi apresentada a obra de uma forma profissional justificando o corte. Lembrando que era a primeira eliminatória da disputa.

A partir daí temos que fazer algumas considerações.

Apresentação de samba-enredo tem que ser profissional mesmo. Nada de outro mundo. Não há necessidade de mega produção, quatro cantores do especial no palco, clip gravado por Steven Spielberg, torcida contratada, alegorias, cachorros amestrados… Nada dessas papagaiadas que os compositores vem fazendo agora.

Mas tem que ser profissional. Tem que ter prospecto legível, uma gravação audível, cantores não famosos, mas pelo menos de qualidade, músicos bons, tem que se apresentar bem. Você vai a uma entrevista de emprego desarrumado? Vai sair pela primeira vez com uma mulher todo mulambo? Por que no samba pode cantar bêbado, de bermuda, letra do samba em papel de pão e errando a mesma? Não to dizendo que foi assim. Mas já vi vários casos de compositor reclamar de corte quando fez nada pra merecer passar.

Concurso de samba tem que ser profissional sem ser elitista. Seja samba igual ou diferente tem que ser bem apresentado e esse profissionalismo tem que ser das duas partes. É uma prestação de serviços e por ser uma prestação de serviços entro em outro ponto.

Um samba mal apresentado ao consumidor que deseja sua contratação não pode ser escolhido, mas tem que ter paciência com o grande samba que em uma ocasião não passou bem. Ninguém vai entrevista de emprego mal arrumado, mas se eu for dono de uma empresa de informática e o Steve Jobs aparecer só de cueca e sem tomar banho há uma semana eu contrato na hora.

Concurso de samba não é um concurso público. A escola de samba contrata o serviço de alguém, um serviço que é primordial para o sucesso da empresa como um todo. Não adianta nada falar para os compositores que dois sambas cairão tal dia, um dos dois sambas a se apresentar pior ser um sambaço em dia ruim e esse ser eliminado “pela justiça do concurso” [1].

Quem vai lembrar da justiça do concurso se a escola escolher um samba mais ou menos e esse tomar 9,7 na avenida? A ala de compositores que aplaudiu a atitude do presidente em cortar vai tomar suas dores nesse momento? Não feriu a extrema sensibilidade do compositor (o ser mais fresco de uma escola de samba) e se ferrou na avenida.

Do que adianta?

Não adianta bater no peito e dizer que garante o samba escolhido. Tem presidente que faz isso há anos e toda vez que escolhe um samba esse já perde três décimos só no ato da escolha. Escolha de samba tem que ser séria e profissional, não importa que seja samba diferente ou não.

Eu como compositor digo que vou confiar mais em um concurso onde o presidente, sem precisar dizer qual é o samba, diga “hoje não vou cortar ninguém porque um samba que considero interessante passou muito mal. Isso não quer dizer que ele será o vencedor, nem que passará no próximo corte. Mas é um samba que tem potencial e quero vê-lo pelo menos mais uma vez”.

Isso ocorreu comigo na Beija-Flor em 2006. Meu samba durou apenas mais um corte, mas o Laíla mostrou respeito e profissionalismo ao não cortar porque meu samba fora prejudicado com as mudanças no barracão e quis ouvir mais uma vez. O Boi em 2001 demorou oito semanas para cortar um samba; só cortou depois que o meu que teve um começo péssimo melhorou. Se cortasse o Orun Ayé a minha história e do Boi teriam sido diferentes. Ele ganharia o quê cortando meu samba e sendo “justo”?

Sambas diferentes sempre vão existir. Sempre vão causar euforia e desconfiança. Lembro logo do sambaço da parceria do Edgar Filho no Salgueiro em 2009. O Salgueiro não escolheu e foi campeão com um samba normal. Teria sido campeão com o samba do Edgar? Não sei. Poderia ali ter mudado seu estilo de sambas e feito melhores após isso? Também não sei.

A Portela ousou em 2012 e desde então só desfila com grandes sambas. Correu o risco e acertou. A vida às vezes é correr riscos. Uma hora ela vai colher os frutos disso.

Na verdade não existem sambas iguais ou diferentes, só existem dois tipos de sambas. Os bons e os ruins.

O resto é papo.

Twitter -@aloisiovillar

Facebook – Aloisio Villar

[N.do.E.: deixando claro que é o editor e não o colunista, dentro da safra até se o samba fosse cantado por um mudo ele não poderia ter sido cortado na primeira eliminatória. E olha que não é o meu preferido na escola em questão. PM]