É, rapaz. Viver está complicado…

Se já não bastassem todas as preocupações do dia a dia, temos mais uma. Como diria um personagem do “Zorra Total”, “Olha a faca”.

O Rio de Janeiro sempre foi uma cidade de lançar modas, criar tendências. A mais recente é a de ter em cada ponto de ônibus, principalmente no centro da cidade, carregadores de celular. Não entendeu? É muito simples. Você está lá, distraído mexendo nas redes sociais em seu celular e pronto, carregam seu celular.

Sim. Isso é uma ironia. Mas muitas vezes é na ironia que mostramos revolta.

Não revoltas coxinhas como o “Revolta on line” que é formada por revolucionários de IPhone. Mas a revolta de quem não sabe se vai voltar vivo para casa. Agora temos que andar pelas ruas preocupados não de sermos assaltados, mas de antes mesmo de não reagirmos a um assalto levarmos uma facada, ou várias, quantas o assaltante quiser dar porque não terá polícia por perto.

violenciario3Polícia aqui só aparece depois do fato consumado. Reforça a patrulha por uns dias pra mostrar que tá aumentando o serviço e depois tudo volta ao normal.

Sofremos facadas todos os dias. Facadas em preços, impostos, no trabalho, de amigos, dos políticos que elegemos e agora de assaltantes que não querem saber se tem um ser humano do outro lado. Que tem alguém com história, com planos,sonhos, família. Chega e enfia a faca como em um porco acabando com uma vida. É a lei da selva porque do outro lado também levamos a facada sem saber quem é o ser humano ou o ex-ser humano que deu a facada. Digo ex porque um dia ele pode ter sido, mas não soubemos como mantê-lo sendo.

Quem tem quinze anos e quinze passagens pela polícia, tem assassinato nas costas, não tem mais jeito. Já disse diversas vezes que pra mim crime hediondo é crime hediondo em qualquer idade e quem comete crime de adulto tem que ser julgado como adulto. Mas um dia esse marginal de quinze anos teve dez anos e ali cometeu o primeiro delito. Será que ali ele não tinha jeito?

Ninguém nasce bandido. Todos nós somos frutos do ambiente em que fomos criados e não estou dizendo de pobreza e riqueza. Pode ver que os filhinhos de papai que cometeram crimes têm por trás um ambiente familiar degenerado. Não é a quantidade de dinheiro no bolso que forma caráter.

Mas é evidente que a miséria, a extrema pobreza ajuda. É muito fácil nós com escolaridade, com tudo que a vida pode dar de digno nas mãos falar “Conheço muita gente que não teve pai, mãe, morava em favela, no meio da bandidagem e não foi pro crime”.

Mentira. Você pode conhecer um, dois ou três casos, mas muita gente conhece não e outra, conhece superficialmente. Só quem passa na pele pode dizer. Só o “muita gente” que você se refere que venceu pode falar.

Se é que pode falar porque assim como se pisa naquele que se perdeu porque alguém nas mesmas condições venceu posso dizer que somos todos uns merdas porque com trinta anos Mark Zuckerberg tem mais de trinta bilhões de dólares em fortuna enquanto nós temos que economizar riocard pra durar até o fim do mês. Por quê isso? Ele é melhor do que a gente? Não. Assim como o pobre que se deu bem na vida não é melhor que o que se perdeu. Somos seres únicos, cada um tem sua natureza, virtudes e fragilidades.

Repito. Já que tem gente que estuda, alcança conhecimento, mas não tira a ignorância de si. Não sou a favor de bandidos de nenhuma idade. Bandido tem que pagar pelo que cometeu. Mas é muito mais inteligente prevenir que remediar. Muito melhor investir em educação, recuperar o moleque de dez anos no primeiro delito que ver pessoas esfaqueadas em cartões postais e vivermos em insegurança. Investir em educação, em cidadania é tirar pessoas da marginalidade, dar um futuro a elas e no dar segurança. Será que é tão difícil perceber isso?

Será que alguém acha que simplesmente diminuir a maioridade penal reduzirá a violência? O cara por ter 16 anos vai deixar de assaltar por medo de ser preso? Alguém acha que esses caras têm medo de alguma coisa? Alguém acha que as prisões do Brasil realmente impedem presos de cometer crimes? Os celulares dos bandidões do tráfico têm sinais melhores que os nossos.

violenciario1Meter um moleque de 15, 16 anos que cometeu assalto em uma prisão de adultos com bandidos adultos é o mesmo que mandar um ator promissor pra Actor Studios ou um economista para Harvard. Só vai desenvolver “seu talento” com os “melhores professores”. Vamos botar meninos que talvez ainda tenham jeito junto com bandidos formados para quando forem solto usarem toda as técnicas que aprenderam no presídio contra a gente. Isso é de uma inteligência digna dos três patetas.

Só que nossa sociedade não está preocupada com isso. Agora ela só admite assalto com RG. O bandido assalta e a gente pede o RG. Se for menor de idade começamos a gritar, espernear, exigir redução da maioridade penal. Se for maior dizemos “beleza, pode ir” pro bandido.

E o pior. Como tudo nesse país atualmente a morte agora é política.

Morre alguém de classe média nas mãos de menores e uma parcela da sociedade de direita começa a gritar culpando a esquerda, o PT, a Dilma, o Vanderlei Luxemburgo (Incluí porque estou irritado com ele), ofende chamando quem tem pensamentos ideológicos diferentes de “esquerdopatas” e começa em redes sociais a compartilhar links do Revoltados de IPhone On Line e do “Endireita, Brasil”. Quem não gosta de palavreado chulo, por favor, não olhe o próximo parágrafo.

“Endireita, Brasil” é a minha “benga” roliça e “veiuda” envergada para um dos lados.

Pode voltar a ler. Evidente que todos ficamos transtornados com a morte do ciclista. Somos de classe média, sentimos o frio na espinha de que poderia ser com a gente, mas não posso admitir que tentem me dar parcela de culpa apenas porque acredito em direitos humanos. Incrível, o Brasil é único país do mundo que puta goza, cafetão se apaixona, traficante se vicia, roqueiro é de direita e quem é a favor dos direitos humanos é tratado com deboche.

Mas no mesmo dia morreram dois jovens no Dendê, aqui perto de casa e com uma repercussão muito menor. Pior. Enquanto todos choravam a morte do ciclista e mostravam o quanto ele era bom em relação aos mortos do Dendê tentaram e tentam cometer o duplo assassinato. O da vida em si e o da moral. Se discute se eram bandidos e suas atitudes.

Ninguém procurou saber se o ciclista era beberrão, tinha doença venérea ou batia em mulher, mas rapidamente correram atrás da vida regressa dos jovens e contra um acharam postagem no facebook com letra de música exaltando o tráfico.violenciario2

Mais uma vez. Todos somos frutos do ambiente em que vivemos e o ambiente que o jovem nasceu, foi criado e conheceu foi aquele. Devia ouvir aquela música todos os dias e não é porque ele ouvia que era do tráfico. Eu no Maracanã já cantei muito “Eu vou tomar um porre de felicidade / vou sacudir a força jovem na cidade” e não brigo desde os meus doze anos. Quer dizer que cantar música de apologia ao tráfico faz de alguém traficante e assim passa a ser correto seu assassinato? Vamos fazer o que então com os fãs do Planet Hemp ou dos Titãs que cantam “polícia para quem precisa de polícia?”.

Ninguém é santo, ninguém é demônio. Somos fruto do ambiente em que vivemos e o ambiente é de política radical e descerebrada. A direita chora o ciclista, acusa os esquerdopatas e pede redução de maioridade penal. A esquerda chora os meninos da favela e demoniza a polícia.

É a briga do meu morto contra o seu morto. O da direita não percebe que um dia pode morrer em troca de tiros perto de uma favela, no tiro errado de fuzil dado por um policial ou no mesmo lhe confundindo com um bandido apenas por estar no local errado.

O da esquerda não percebe que um dia pode ser assassinado pedalando ou caminhando. Não percebe que um dia pode escapar desse triste fim protegido por um policial.

Ninguém está livre da facada do destino.

Talvez a gente se livre e melhore como sociedade quando em vez de brigar pelo meu morto contra seu morto tentarmos sobreviver juntos.

Um mundo melhor passa por um mundo melhor para todos.

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