Pessoas gostam de lutar contras moinhos. Brasileiros, não fugindo dessa regra, adoram vestir a fantasia de fidalgo e bancar o Dom Quixote. Os moinhos podem ser de qualquer estilo: político, ideológico, religioso, esportivo. Têm para todos os gostos. Sempre há uma sensação de se estar lutando contra um inimigo que, quando derrotado, será o símbolo de um novo tempo, de um avanço e de ventos melhores.

O moinho pode ser o presidente, cargo máximo da nossa nação no sistema político atual. Há governadores, prefeitos, deputados, vereadores, o poder legislativo, o judiciário… Não interessa, o problema é unicamente quem mora no Palácio da Alvorada, no caso atual, dona Dilma Rousseff. A pessoa, cuja derrubada resolverá todos os problemas e a crise do país.

aeciodilmaExistem as tropas de choques. São aqueles que defendem a todo custo um dos partidos polarizadores de opinião. O pessoal que defende a situação volta as flechas contra qualquer crítico, aqueles que supostamente estão só a espreita para um golpe. O negócio, inclusive, é torcer para que um tucano seja pego com a boca na botija, afinal, isso significa o indulto de todos os erros petistas. Luta-se contra um moinho que é o inimigo de preferência partidária e não contra uma conduta errática, independente do lado que o encampe.

Claro que o lado de lá não deixa por menos. O moinho é simplesmente quem vota contra a opinião deles. Petralhas, comunistas, corruptos, dentre outras alcunhas.

“Mas era necessária uma mudança, já que o partido que entraria teria vontade de fazer mais, e o que sairia, refletiria sobre seus erros”. Sim. Deu para ver que depois de 2002, o PSDB mudou muito a maneira de agir nos governos estaduais que manteve, nos quais repete problemas crônicos por 10 anos…

Aliás, desculpem por desenterrar um momento de outubro passado.

Enquanto uns miram seus olhares e indignações para alvos comuns, há uma penca de partidos no Congresso, incluindo vários que possuem larga representatividade, sem ideologia e que mudam de lado de acordo com a maré, em busca do bem comum – dos seus quadros, é lógico. Neste celeiro de negociatas e grandes escândalos pouquíssima gente olha. Aliás, poucos cuidam com esmero do voto para o legislativo. Preferem se focar no moinho presidencial.

Mas o quixotismo não para por aí. Invade o campo religioso. “A falta de fé é o grande problema da humanidade”, ou então, o problema fica somente com os fieis neopentecostais, alienados que doam tudo que tem, segundo uns. Podem ser ainda os islâmicos, todos terroristas, pelo que se ouve.

No cotidiano mesmo, há desses elementos. No trânsito, o inimigo é a Lei Seca e não o álcool. Afinal, é uma injustiça não ter o direito de beber e dirigir… Negócio é avisar os locais onde há blitz, para que possam burlar a lei com tranquilidade. O moinho das ruas pode ser a falta de investimentos em largas avenidas, já que é necessário espaço para que vários carros transportando uma só pessoa possam circular em paz.

No futebol não é difícil ver fidalgos batalhando contra o mata-mata, o formato “injusto e simplório que causa o mal ao futebol brasileiro”. Como se não existisse uma péssima gestão de clubes e da própria modalidade, com um produto mal vendido e sem cuidado na qualidade. A culpa é apenas do sistema mata-mata, pintado como o câncer terminal do nosso maior esporte.

18fev2015---neguinho-da-beija-flor-comemora-o-titulo-da-escola-de-samba-no-carnaval-carioca-1424292713711_956x500No mundo carnavalesco, neste ano, o moinho esteve em Nilópolis, cidade de uma escola financiada há décadas pelo dinheiro da contravenção, mas só questionada agora pela opinião pública em geral, com apoio da mídia. Numa discussão que envolve os rumos que o carnaval toma, a qualidade e financiamento de enredos, o modo de julgamento, as pessoas preferiram ignorar tudo isso e ficar só no “homenagearam ditador”.

Também é enorme o exército daqueles que miram somente na classe política e na estrutura pública, sendo que por outro lado, a incompetência e falta de seriedade se espalham por qualquer mínimo empreendimento particular.

Há a luta contra o moinho mais emblemático: a corrupção. Brada-se contra uma classe que é vista como extraterrestre, mas falta a percepção daquele velho papo de que, na verdade, os políticos só são representantes do povo – aliás, eleitos por nós mesmos. E o pensamento digno de Quixote domina ao se notar que, por exemplo, há quem acredite que o bom andamento da Lava-Jato dará fim as maracutaias do país.

Parece que não é um problema endêmico do Brasil.

Não faz sentido gritarmos contra “tudo que aí está”, sem refletir, procurarmos nos inteirar e buscarmos opiniões diversas. Não adianta ser um Dom Quixote que, no alto de seus devaneios e da sua ingenuidade acreditava estar sendo herói, quando na verdade há uma atitude geral mais próxima a de um Macunaíma.

É melhor encerrar por aqui, porque essa coluna deve ter ficado um bocado quixotesca também.