Quando acordei de manhã, fui pego de surpresa com o Plantão da Globo anunciando que a Presidente Dilma Rousseff agora era a ex-Presidente Dilma Rousseff. Ela havia renunciado por conta dos protestos que se espalharam pelo Brasil. O vice Michel Temer já havia convocado novas eleições e tudo sugeria que Aécio Neves fosse eleito em primeiro turno. Por todo o país, fogos e muita festa. Quase um grito de libertação.
Foi um dia agitado no Congresso Nacional. Mais tarde, mesmo com os parlamentares baqueados pela renúncia abrupta, foi aprovada a Lei que criou a pena de morte para assassinos e traficantes de drogas em todo o território nacional. Em meio aos outros 95 protestos que ocorreram simultaneamente ao que pediu a cabeça de Dilma, foi colocado na Constituição que os governos municipais são obrigados a oferecer ônibus de graça para todos. Uma vitória histórica do Movimento Passe Livre. De quebra, a venda de armas foi flexibilizada e até os Supermercados Guanabara passaram a vender revólveres por aí. Filas e filas se formaram para os cidadãos de bem se protegerem.
Mas não foi só na política que as coisas mudaram neste dia, não. O Ministério Público ordenou que todas as torcidas organizadas fossem extintas em caráter irrevogável e que todos os jogos de futebol deveriam acontecer com torcida única, a exceção dos clássicos, que seriam com portões fechados a 250 quilômetros da cidade onde estão localizados os times em questão. Embora fossem consideradas medidas paliativas para resolver o problema da violência, a medida foi aplaudida por grande parte da imprensa especializada.
No âmbito esportivo, outras medidas históricas. O novo Presidente da CBF, cujo nome agora não me lembro (recordo-me apenas que chegou ao poder após o Presidente Marco Polo Del Nero renunciar ao cargo para resolver com qual das 76 namoradas que tinha simultaneamente, iria se casar) colocou na ilegalidade todas as 27 federações estaduais e, consequentemente, exterminou todos os campeonatos estaduais. Além do mais, em parceria com Ligas europeias importantíssimas como Romênia, Hungria, Dinamarca e Eslovênia, marcou 10 amistosos para cada time da Série A. A medida, claro, visava desafogar o calendário e promover a marca do futebol brasileiro. Tudo isso, acreditava a imprensa, faria do Brasileirão o campeonato mais forte do mundo.
O Carnaval também teve sua revolução francesa particular. Revoltados, os compositores se uniram para firmar um pacto de que nenhum deles se inscreveria em nenhuma disputa de samba do Grupo Especial. Ficou acertado que cada escola encomendaria o samba para a parceria que bem lhe entendesse, evitando assim disputas arranjadas e gastos estratosféricos por parte dos compositores.
Mas a grande novidade veio mesmo da Liesa. Irritada com o fato da Globo não dar ao Carnaval o tratamento que ele bem merece, a entidade rompeu com a emissora carioca e negociou seus direitos de transmissão com a TV Pochete, recém-fundada pelo milionário Rodolfo Toch. O mundo do samba foi ao delírio.
A fundação da TV Pochete, aliás, foi outro marco daquele dia glorioso. A emissora veio para complicar a vida da Globo. Dividiu os direitos do futebol, roubou o Carnaval e prometia uma cobertura de qualidade para os dois eventos. No entretenimento, o novo canal investiria em uma programação de qualidade, com documentários, novelas que não apelassem para a pornografia e um reality show que mostrava a saga de 10 cientistas para tentar descobrir a origem da vida.
Lembro que fui dormir realizado. E acordei seis meses depois.
Fui novamente surpreendido ao ligar a TV de manhã. O Bom Dia Brasil anunciava o início das investigações por conta do rombo bilionário na Petrobrax, a empresa fundada as pressas pelo novo Presidente Aécio Neves com a falência da Petrobras. A grande dúvida era como ele e seus comparsas conseguiram roubar tanto em tão pouco tempo.
Mas nada que se comparasse aos heróis do Congresso, aqueles que haviam pressionado Dilma. Os escândalos envolvendo líderes da “bancada do impeachment” como Jair Bolsonaro não paravam de chegar. A grande imprensa, sempre acusada de querer derrubar o PT do poder, explorou ao máximo o caso, dando um nó na cabeça dos ainda derrubados petistas.
Neste mesmo dia, Prefeitos do Brasil inteiro anunciaram um aumento de 30% nos impostos municipais. Os tesouros municipais estavam zerados porque nenhuma Prefeitura de cidade com mais de 50 mil habitantes tinha condições de oferecer transporte de graça para todo mundo. As empresas de transporte obviamente não queriam saber de prejuízo e sobrava tudo para a administração municipal.
Já os dados mais recentes sobre segurança pública indicavam um aumento de 50% nos assassinatos após a criação da pena de morte. Isso sem falar no número estratosférico de assassinatos banais por conta da democratização do posse de armas. Bandidos e cidadãos de bem entraram em guerra declarada e ambos estavam mais bem armados e mais bem preparados que a polícia.
Outro número que cresceu de maneira inacreditável foi o de mortes em estádios de futebol. Os conflitos entre torcedores dos mesmos times por motivos como a fila para ir ao banheiro ou o direito de sentar no lugar marcado no ingresso fizeram dos campos uma praça de guerra. Em dia de clássico, os conflitos se multiplicavam em bares e ruas das cidades.
Menos mal que ao menos não havia mais as torcidas organizadas para aumentar a confusão. A ideia de levar os clássicos para praças afastadas com portões fechados ao menos tinha elevado para zero o número de mortes dentro dos campos em confrontos locais – com a exceção do caso de um zagueiro que cometeu um pênalti dando um tiro de fuzil nas costas do atacante…
Por outro lado, as novas medidas da CBF não surtiram efeito na melhoria do nosso futebol. Os jogos dos brasileiros na Europa ocorreram praticamente no anonimato e o Brasileirão foi simplesmente o pior de todos os tempos. Parte da mídia justificava o péssimo nível dos jogos das 10 primeiras rodadas com um natural desgaste pelas viagens internacionais e pelo mais natural ainda ritmo de pré-temporada.
O problema maior é que nenhum time brasileiro passou das oitavas de final da Libertadores. Acontece. Também aconteceu da Seleção perder por 8 a 1 para a Alemanha em um amistoso, mas ainda havia um ou dois jornalistas que acreditavma que era natural, afinal de contas falávamos de uma revolução.
Quem ficou perto da bancarrota foi a Liesa. A entidade ficou muito feliz ao saber que a TV Pochete iria exibir as festas de apresentação dos 12 sambas do Grupo Especial, mas após as três primeiras festas perderem para a TV Brasil no Ibope, a nova emissora cancelou a exibição.
Diga-se de passagem, o CD do Grupo Especial foi um dos piores de todos os tempos. Todos os 12 sambas pareciam ter a mesma melodia, embora tivessem compositores diferentes – de 10 a 12, por sinal, e muitos deles desconhecidos. Em conversas internas já se ouvia que tinha compositor fazendo certos acordos para receber a honra de compor o hino de algumas escolas.
Por falar em TV Pochete, o milionário investimento no canal foi por água abaixo em três meses no ar. Não só o Carnaval, mas também os documentários e o reality show dos cientistas foram retumbantes fracassos de audiência e os anunciantes fugiram, deixando o canal em crise. Os programas sobre samba foram substituídos por outros dedicados ao sertanejo e ao pagode. Reprises de chanchadas ocuparam o lugar dos documentários e foi anunciado um reality show para descobrir quantas plásticas um grupo de 10 mulheres conseguiria fazer.
A expectativa era que a exibição com exclusividade dos desfiles do Grupo Especial alavancasse a audiência (ainda mais depois da inserção de vinhetas de 12 segundos nos intervalos) e de fato isso ocorreu. A transmissão triplicou a audiência durante a exibição da Beija-Flor. Em um ano sem dinheiro da Globo e com a TV Pochete em crise, o fato da escola desfilar com fantasias foi uma verdadeira revolução premiada com 2,5 pontos no Ibope.
Eu então ia novamente dormir agora esperançoso de que, com tudo isso, o Brasil cogitasse a ideia de resolver os problemas com atitudes que fossem de fato surtir algum efeito.
Quando acordei novamente, vi uma matéria sobre os escândalos da Petrobras, outra por um protesto por passe livre, outro pela pena de morte, mais uma sobre a ideia do MP de banir as organizadas e um comentário sobre o quanto os estaduais eram deficitários.
Intervalo. Uma chamada para o Carnaval Globeleza. Então a ficha caiu e descobri que tudo não passou de um sonho e enfim entendi o que queria dizer a parábola do bode na sala.