No meio desse mês de janeiro, Corinthians e Fluminense viajarão para os Estados Unidos, onde, ao lado dos alemães Köln e Bayer Leverkusen, disputarão a Flórida Cup. O torneio não pode ser vencido por nenhum dos dois. A disputa é, na verdade, entre Brasil e Alemanha. Não haverá confronto entre dois times do mesmo país e a nação que somar mais pontos nos quatro jogos do torneio será declarada campeã. O torneio será exibido para 120 países. Além de Brasil e Alemanha, Argentina, França, Inglaterra, Holanda e muitos outros grandes centros poderão ver os jogos. A Flórida Cup também será exibida para países como Barbados, Curaçao, Ilhas Virgens Britânicas e Belarus.

Assim que a bola começar a rolar, Corinthians e Fluminense se tornarão automaticamente grandes potências do futebol mundial. Fanáticos pelo esporte bretão em todo mundo correrão para lojas de esporte para comprar camisas dos dois times. Fred e Cássio virarão estrelas internacionais do nível de Cristiano Ronaldo e Messi. As emissoras de TV do Mundo todo começarão a se estapear para comprar os direitos de transmissão do Campeonato Paulista, Carioca, Copa do Brasil e Brasileirão.

deco_ae_alexandrebrum.jpg_15Europeus acordarão às quatro da manhã de uma quinta-feira para prestigiar Fluminense x Duque de Caxias. O fenômeno se repetirá por conta dos amistosos de Flamengo, Atlético-MG, Cruzeiro e Bahia contra os ucranianos do Shakthar Donestsk. O Brasileirão será o campeonato mais assistido do Mundo.

O terceiro parágrafo é, obviamente, uma ilusão – ou uma ironia, caso prefira o leitor. Nada disso acontecerá por conta dessa meia dúzia de confrontos entre brasileiros e europeus. Mas é essa a impressão que tenho quando ouço dirigentes, jornalistas e torcedores entusiasmados com esse tipo de jogo. Alguns até questionam quanto tempo perdemos com esses Estaduais falidos e longos. Quantos jogos assim poderíamos ter feito… De repente, “divulgar a marca” virou a prioridade de todo dirigente com uma “gestão moderna” e de todos os amantes do futebol que querem que o Brasil se encaixe na nova ordem mundial do esporte. A era do business, do mercado…

Eu também quero. Mas a ideia de divulgar a marca no exterior não me faz muito sentido no cenário atual do futebol brasileiro. Para ter a oportunidade de fazer estes jogos na Flórida, por exemplo, o Corinthians precisou de uma mudança no regulamento do Paulistão. Ao invés de enfrentar os outros 19 times do torneio na primeira fase, passou a enfrentar 15, excluindo assim os do seu grupo (que regulamento brilhante, é assim que se salva um Campeonato desprestigiado!). Ou seja, o Corinthians não jogará contra Osasco Audax, Ponte Preta, Rio Claro e São Bento. Não jogará, por exemplo, na cidade de Rio Claro.

Agora vamos pensar comigo.

7295patetaRio Claro é uma cidade a 189 quilômetros de São Paulo. Uma viagem de carro até a Capital dura cerca de duas horas e meia. Assim sendo, é relativamente complicado para um garoto de Rio Claro que queira ser corintiano (ou até mesmo que já é) com os seus sete ou oito anos, ver um jogo do Corinthians. Além da distância, o ingresso para uma partida na Arena é caro, chegar é difícil, sair é mais difícil ainda, enfim, é um programa complicado.

Nós estamos hoje na era da TV por assinatura. Este garoto não tem o Campeonato Paulista ou o Brasileiro como única opção. Ele pode assistir, além do Brasileiro, o Inglês, o Espanhol, o Italiano, o Holandês, o Português, o Argentino e o Russo. Opções não faltam. E ver um jogo pela TV que está acontecendo a 189 quilômetros ou em outro continente, não faz a menor diferença. E eu acho que não preciso nem dizer que um jogo do Campeonato Inglês é muito melhor, mais bem jogado e mais bem disputado que um do Brasileirão. Nem preciso ressaltar qual o tamanho da diferença dos elencos do Real Madrid e do Corinthians.

Eu comecei a ver futebol relativamente cedo, com quatro anos, e por isso adquiri muito cedo laços de afinidade com o futebol local. O garoto que começa a ver futebol hoje, tendo TV por assinatura, já não tem mais esses laços por conta própria. Se não tiver um parente fanático, logo vai escolher um time europeu para torcer. Ou seguirá torcendo para um time daqui “no Brasil”. E só no Brasil. Seu time do coração será outro.

2015 Florida Cup AnnouncementOs times brasileiros tem apenas um trunfo em relação aos estrangeiros para conseguir torcedores locais: o estádio. Um jogo péssimo, horroroso, no estádio pode ser – pode ser, não: é – muito mais legal de ver que o melhor jogo de futebol do mundo pela TV. Cada jogo no interior é uma oportunidade imensa de angariar novos torcedores. Torcedores que serão fiéis para o resto da vida. E, então, o que faz o Corinthians? Troca a oportunidade de ganhar esse menino de Rio Claro por um jogo nos Estados Unidos que não vale nada e que ninguém, além dos corinthianos, vai assistir.

“Mas vai divulgar a marca”.

Você acha mesmo que o cara que mora em Londres e que por um acaso estará assistindo a Flórida Cup (única e exclusivamente por não ter mais o que assistir porque, como eu disse, esse torneio não vale nada), deixará de ver a Premier League para assistir o Brasileirão? Será que ele ficará tão encantado com o futebol de encher os olhos dos elencos de Mano Menezes e Cristóvão Borges a ponto de assistir o Brasileirão? Será que ele vai achar a camisa do Corinthians bonita e vai virar a capital inglesa do avesso para encontrar uma? Ou será que o máximo que ele irá fazer será, do alto de todo o conhecimento futebolístico que ele já acredita possuir, notar como o futebol brasileiro anda mal das pernas?

Sejamos realistas. Esses amistosos são fenômenos de marketing internos. Não tenho dúvidas de que, em uma conta bruta, o Corinthians fatura mais jogando contra o Bayer Leverkusen que contra o Osasco Audax. Mas resumir a questão a essa conta bruta, é simplista demais. Uso o Corinthians como exemplo porque ele disputará a Flórida Cup, mas o mesmo vale para o Santos e os torcedores de Capivari, para o Palmeiras e os torcedores de Ribeirão Preto e para os São Paulo e os torcedores de Mogi Mirim.

CCCCCCCC-1024x768No Rio de Janeiro, as exigências das TVs e da Federação fizeram os times locais se afastarem não só das cidades do interior e da Grande Rio, como também dos bairros suburbanos. Dos locais que concentram o tipo de torcedor que não tem dinheiro para ir ao Maracanã. Olaria x Fluminense não pode mais ser na Rua Bariri porque é “ruim para a transmissão”.

O futebol brasileiro não percebe que o futebol europeu ganha cada vez mais espaço. A Champions League está na TV aberta. Não temos como competir com eles por enquanto. Para termos um dia, é fundamental reagirmos. E para reagirmos, precisamos primeiro “divulgar a marca” para nós mesmos.

Afinal de contas, vamos ser otimistas e imaginar que um grande número de amantes do futebol espalhados pelo mundo resolva ver o Brasileirão por conta da Flórida Cup. Quanto tempo essas pessoas resistirão? Até quando aguentarão ver jogos ruins em estádios vazios e com uma desorganização crônica? Enquanto o Brasil não se estruturar internamente, tudo será inútil. Enquanto as datas dos Estaduais não forem reduzidas para melhorar a competição e não o calendário, de nada adiantará jogar fora do país. Enquanto o formato das competições for decidido por conta do “equilíbrio” e não do que é melhor para a competição, ninguém verá os nossos torneios.

Enquanto seguirmos nessa realidade, a única marca que divulgaremos no exterior, e também aqui dentro do nosso país, é a do nosso atraso.