[N.do.E.: Alexandre Araújo é jornalista e apresentador do programa “Pop Bola” na Rádio Bradesco Esportes FM. Transmitiu o Desfile das Campeãs pelo canal Viva em 2014. PM]

Depois que a ordem do diretor invadiu meu tímpano através do ponto, misturado ao som do cavaquinho, que era testado em alto e bom som na avenida, e a uma dose natural de nervosismo, senti que a partir daquele momento um sonho se realizava.

Agora, era a hora de controlar a ansiedade, o desejo de esquecer as câmeras e olhar as escolas pelo vidro do estúdio e comandar a transmissão do desfile das campeãs. Tive a honra e o prazer de dividir a apresentação com a competente Vanessa Riche, com o auxílio luxuoso do grande Max Lopes e seu pomposo bigode, e da amiga, cantora e vascaína Teresa Cristina, uma das autoras do ótimo samba da Renascer de Jacarepaguá para 2015.

20140309_015748Na pista, ao lado do povo que faz a festa e dos sambistas uma seleção de artistas: Samantha Schmutz, Beth Lago, Thaís Araujo e Bruno de Luca. Na retaguarda, gente do samba como os amigos Claudio Francione, Carlos Eduardo Sá, JP, Marcos Barroso, Fred Soares e tantos outros. Todos a serviço dos excelentes profissionais do canal Viva e, principalmente, trabalhando pelo carnaval.

Quando digo que estávamos a serviço do carnaval é a mais pura verdade. Nas primeiras reuniões, ficou decidido que queríamos fazer uma transmissão leve, descontraída, bem-humorada, mas ao mesmo tempo informativa. Logicamente, teríamos que mostrar o que já havia sido mostrado no desfile oficial, mas que teríamos um outro olhar, a visão da celebração. Nenhuma escola postulava título, as urnas já tinham sido abertas, as notas dadas e o resultado debatido a exaustão. Não estávamos ali para julgar se o resultado final era justo ou não.

Nosso objetivo era mostrar apenas a festa, o olhar de contentamento de cada componente, a euforia dos vencedores, o choro e o riso dos integrantes, o samba no pé dos passistas… Tínhamos que contar uma história que já tinha sido apresentada de uma maneira diferente. Trazer curiosidades dos carnavalescos, da bateria, do samba, enfim, fazer uma abordagem diferente do que tinha já sido mostrado.

Esse trabalho começou meses antes do carnaval, quando a equipe visitou todos os barracões das escolas do Grupo Especial. Tivemos papos divertidos, saborosos e informativos com carnavalescos, dirigentes e todos aqueles responsáveis por colocar as escolas na avenida. Isso enriqueceu a transmissão, trouxe fatos novos, curiosidades. Essas visitas foram fundamentais para fazer algo diferenciado.

saoclemente1984Mostrar o carnaval, evidentemente, é um trabalho que exige dedicação, estudo, concentração, mas, sobretudo, paixão. E o carnaval na minha vida foi um amor à primeira vista. A infância marcada pelas transmissões na TV Manchete, a corrida para comprar o LP das escolas de samba no final do ano e os diversos instrumentos que, para desespero da minha mãe, tomavam conta do meu quarto, são as lembranças da minha folia juvenil. Na época, o verdadeiro amante do carnaval era obrigado a decorar todos os sambas, conhecer o enredo, citar o nome dos puxadores como se estivesse escalando seu time de coração. Esses quesitos eram obrigatórios para os amantes do carnaval.

Anos mais tarde, depois de uma rápida aparição na ala de tamborins da bateria da São Clemente, o menino que cantava de cor e salteado a obra de grandes bambas do carnaval decidiu se aventurar pelas disputas de samba. Dois anos depois dessa viagem musical, ao lado de grandes parceiros, tomei um verdadeiro porre de felicidade ao ver minha obra cantada na avenida pela minha auri-negra de coração. Carnaval após carnaval, lá estava eu com os sambas na ponta da língua, pronto para acompanhar a procissão que varia a madrugada.

No entanto, como jornalista havia uma ponta de frustraçãosalgueiro1988 de nunca ter participado e trabalhado no sambódromo. De longe, minha inveja acompanhava o trabalho dos companheiros que desfilavam ostentando suas credenciais, entrevistando o povo do samba. Olhava para as cabines de rádio e TV e sabia que uma hora estaria ali. Não tinha pressa, mas um desejo enorme de fazer parte do outro lado da folia. Amarguei algumas decepções, me frustrei com convites que não aconteceram, mas os deuses do carnaval me dariam uma chance.

O telefone tocou. O convite foi feito e aceito na hora. Pouco importava quanto receberia e se iria narrar o desfile do grupo de Acesso de São Paulo. Dias depois, uma nova ligação. Eu iria apresentar o desfile das campeãs do Rio de Janeiro pelo Canal Viva. O que eu lembro depois disso é que desliguei o telefone e simplesmente chorei ao lado da minha mulher. Aquele menino que trocava as festinhas da pré-adolescência para batucar dentro do quarto, ouvindo os discos de carnaval, para o desespero da irmã roqueira, teria a honra de comandar a festa.

Hora de cair na folia, ou melhor, mergulhar no trabalho. Diretores, apresentadores, produtores, repórteres e técnicos se reuniram por diversas vezes. Porque não mostrar o esquenta na concentração, o grito de guerra das escolas, os sambas de exaltação, ouvir a bateria e o samba à exaustão?

Nossa missão era informar, divertir e emocionar o telespectador. Tocou a sirene. Ao meu lado no estúdio, batendo bola e se revezando na hora de chamar os repórteres e comentaristas, informando sobre cada agremiação, estava a Vanessa Riche. Algumas inserções dos repórteres foram gravadas e depois inseridas como se estivessem ao vivo. Não queríamos deixar passar nada: o povo no setor 1, as celebridades na concentração, os anônimos, os sambistas de fato e o final apoteótico de cada escola.

Quando a bateria se posicionava no primeiro recuo para começar o esquenta, tínhamos a preocupação de não perder esse que, para mim, é o grande momento do desfile. O grito do puxador acendendo os componentes, a bateria dando um sacode e a emoção causada na entrada da escola. Esse era o carnaval que queríamos e conseguimos mostrar.

20140309_003725Quando o desfile começava oficialmente, com a comissão de frente dando a largada, a transmissão ficava focada apenas no desfile, sem a interferência dos repórteres, mas com muita participação dos comentaristas. Ao final de cada escola, após passarmos pela dispersão, a conversa retornava para o estúdio. Ali tivemos gostosas discussões, no bom sentido, é claro. Vi a Teresa Cristina se emocionar cantando o samba da Portela, o esforço da Vanessa em continuar a transmissão mesmo prejudicada pela gripe e o entusiasmo do Max ao falar do carnaval e das pessoas que fazem a festa acontecer.

Dias depois do desfile, um amigo me perguntou qual foi a maior dificuldade de transmitir ao vivo o espetáculo – a maratona de 12 horas ao vivo, com apenas intervalos de um minuto para beber uma água, o medo de dar uma informação errada, falar demais e querer brilhar mais do que as escolas?

Nada disso. Durante todo esse período no ar eu tive apenas um grande medo: quando as escolas começaram o esquenta em frente ao setor 1, temi uma recaída. Nos meus piores pesadelos, imaginava que no primeiro acorde do samba eu acompanharia os puxadores como se fizesse parte do carro de som, batucaria na cadeira do estúdio como se ali fosse o velho repique que guardava no armário ou simplesmente caísse no samba como se não houvesse amanhã. Graças a Deus não cai na tentação. As escolas passaram, as luzes do estúdio se apagaram e dormi.

Se sonhei? Claro que sim, durante 12 horas, ao vivo, quase sem voz…

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