O ano de 2014 prometia ser dos melhores para o Carnaval de São Paulo em termos de mídia. Além da já rotineira transmissão do Grupo Especial pela TV Globo, o Grupo de Acesso e o Desfile das Campeãs seriam transmitidos pelo Viva e teriam, assim, uma transmissão com padrão global, ganhando espaço em um dos canais fechados de maior audiência no país.

O mês de janeiro também foi de mudanças. Mais uma vez, a Liga Independente das Escolas de Samba resolveu alterar os critérios de apuração. Ao invés de cinco notas por quesito com descarte da maior e da menor, como em 2013, seriam, em 2014, apenas quatro, com o descarte apenas da menor. A grande mudança, porém, aconteceu na venda de ingressos. A Liga deu um passo gigantesco ao iniciar as vendas pela internet e, apesar de alguns problemas no sistema, criou um modo rápido e prático de garantir entradas para os desfiles.

Com o Carnaval sendo realizado em março, a esmagadora maioria dos ensaios técnicos aconteceu em janeiro e fevereiro. Ensaios que mostraram a garra de algumas escolas e que teve momentos de destaque, como aquele em que o Presidente da Mancha Verde, Paulo Serdan, paralisou o ensaio da escola para dar uma pequena bronca nos componentes e explicar porque precisariam cantar do início ao fim para levar a escola de volta ao Especial.

gavioesNo Carnaval em si, vimos desfiles de ótimo nível, em contraste a uma safra de sambas muito, mas muito complicada. Na sexta-feira, as apresentações foram prejudicadas por uma verdadeira tempestade que desabou sobre o Anhembi da primeira à terceira escola. A segunda, Rosas de Ouro, se credenciou a brigar novamente pelo título com uma apresentação muito luxuosa, acompanhada de perto por Dragões da Real e Tucuruvi.

A Vai-Vai decepcionou um pouco nos quesitos plásticos e passou mais fria que de costume, enquanto a X-9 não conseguiu chamar a atenção. A Leandro de Itaquera, apesar de bem estruturada e com carros relativamente grandiosos, não fez um bom desfile e dificilmente se salvaria do descenso. Quem também se complicou muito foi a Tom Maior, que encerrou a noite com um desfile fraco e tendo que correr muito para recuperar os 12 minutos perdidos com a quebra do abre-alas na concentração. Problema resolvido por conta de uma empilhadeira, o que configuraria merchandising.

No sábado, como já se esperava, os desfiles foram de melhor nível e sem chuva. A Pérola Negra voltou ao Grupo Especial com um desfile digno de brigar pelas primeiras posições, especialmente por conta do belíssimo conjunto visual, enquanto a então bicampeã Mocidade Alegre e a Águia de Ouro também deixaram o Anhembi de queixo caído com lindos desfiles. Gaviões e Nenê também fizeram ótimos desfiles no visual, mas foram prejudicadas pelos sambas de baixo nível, enquanto a Império de Casa Verde fez um bom desfile, mas tropeçou na concepção de algumas alegorias. Fechando a noite, a Tatuapé se destacou pelo contraste entre o visual nível Grupo de Acesso e o chão pesadíssimo, impulsionado pelo ótimo samba e por um grande desempenho da bateria.

No domingo, pelo Acesso, Mancha Verde e Estrela do Terceiro Milênio sobraram, com desfiles que alcançaram o nível do Grupo Especial. A Unidos de Vila Maria também desfilou bem, enquanto, um patamar abaixo, Imperador do Ipiranga, Morro da Casa Verde, Camisa Verde e Branco e Colorado do Brás, reestreando no grupo, passaram deixando boa impressão. Já a Unidos do Peruche fez mais um desfile muito aquém de suas tradições e era seríssima candidata ao rebaixamento.

rosasdeouroaNa reunião realizada na segunda-feira de Carnaval, uma surpresa. Das 22 escolas que desfilaram nos dois grupos organizados pela Liga, apenas uma foi punida e não foi a Tom Maior, que teve a argumentação de que não ganhou nada com a merchandising da marca da empilhadeira aceita por 12 dos 13 Presidentes das outras agremiações (Seu Leandro, da Leandro de Itaquera, não votou).

Sobrou para a Estrela do Terceiro Milênio, acusada de enxerto – usar esculturas de outras escolas em outros anos. Por quatro votos a três, ela foi punida com três pontos. Posteriormente, acusaria a Colorado do Brás pelo mesmo motivo e também tentaria na justiça uma liminar para reverter a punição, sem sucesso nos dois casos.

A apuração, mais uma vez sem público, foi bastante esquisita, com direito a Tatuapé tomando a liderança lá pela metade da leitura das notas. No fim, tricampeonato da Mocidade Alegre, seguida mais uma vez por Rosas e Águia de Ouro e com Tucuruvi e Dragões fechando o grupo das campeãs. Em um resultado absurdo, a Pérola Negra foi muito injustamente rebaixada, enquanto, no Acesso, subiram a Vila Maria, somando inacreditáveis 300 (todos) pontos e a Mancha Verde. Assim, o Especial de 2015 teria as mesmas escolas que em 2013.

A Terceiro Milênio foi rebaixada e sua punição, que lhe tirou cinco posições, salvou a Unidos do Peruche. No Grupo I, a Independente Tricolor superou a Torcida Jovem – num “Clássico San-São do Samba” – e subiu pela primeira vez ao Acesso. A apuração da UESP ainda devolveu a Barroca Zona Sul ao Anhembi, subindo para o Grupo I, enquanto, nos desfiles, teve escola, a Brinco da Marquesa, desfilando apenas com uma faixa: “Pedimos desculpas à comunidade da UESP: fomos roubados pelo Carnavalesco Emerson Branco”.

Foi um ano de trocas importantes nas escolas de samba dos dois principais grupos. A Pérola Negra mudou quase que totalmente. Saíram o Presidente Nego, o Carnavalesco André Machado, que foi para a X-9 substituir Flávio Campello (que fechou com a Dragões), os intérpretes Celsinho Mody e Mydras, Mestre Bola e o Diretor de Carnaval Jairo Roizen. Chegaram, respectivamente, Dinho, Fábio Borges, Igor Vianna, Mestre Nê e uma comissão de carnaval.

Fábio Borges que estava afastado do Carnaval, assim como Paulo Führo, que voltou ao Império de Casa Verde para substituir Alexandre Louzada, que está de volta à Vai-Vai ao lado de Eduardo Caetano, que saiu da Unidos do Peruche. A Peruche, com Murilo Lobo, ao lado da Independente, com André Rodrigues, aposta em um Carnavalesco estreante. O Morro da Casa Verde também repatriou Nilson Lourenço, o Nilsinho, para fazer seu Carnaval.

dragoesNos microfones, uma movimentação menos intensa. A Imperador do Ipiranga fechou com Fernandinho SP para substituir Evandro Mallandro, o Camisa com Tiganá para o lugar de Juninho Berin e a Tucuruvi, que não renovou com Wantuir, promoveu o jovem Clayton Reis para comandar o carro de som. Já a Vai-Vai, contratou Luizinho Andanças para fazer dupla com Márcio Alexandre, mas Andanças não correspondeu às expectativas e foi substituído por Gilsinho.

Nas baterias, mudanças importantes. Mestre Tornado saiu da Imperador do Ipiranga e deixou seu filho no lugar. Tornado substituirá Mestre Mi e Mestre Avelar na Dragões. Já a Tucuruvi, tirou Mestre Guma Senna do Morro, que promoveu o jovem Mestre Klemen Gioz. Quem também aposta em uma novidade é a Nenê, com Mestre Markão. A Independente, estreando no Grupo de Acesso, trouxe de volta para o Carnaval Mestre Kinkas.

A Pérola Negra não foi a única a trocar de Presidente. O Camisa Verde elegeu Hevandro Velloso e a Imperador do Ipiranga escolheu Eduardo de Lukas, então vice-presidente, para substituir Buiú. A Vila Maria teve uma transição simples com a saída de Paulo Sérgio Ferreira, que também é Presidente da Liga/SP, e a entrada do então diretor de carnaval Adilson. Já o Presidente Neguitão, da Vai-Vai, conseguiu uma reeleição.

Os enredos escolhidos foram dos mais variados. A tricampeã Mocidade Alegre surpreendeu ao adotar Marília Pêra como enredo. Vai-Vai, com Elis Regina, e Leandro de Itaquera, com Nelson Mandela, também apostam em personalidades. Será um ano de enredos abstratos, como o da menina Rosa, da Rosas de Ouro, do garoto Tomé, da Dragões, e da adrenalina da Tom Maior. De muito luxo com as pérolas da Pérola Negra, os diamantes da Vila Maria e o ouro da Tatuapé. De “enredos CEP” como Águia de Ouro (Japão), Nenê (Moçambique), Colorado (árabes) e Imperador (Nordeste). Tem o baralho da Gaviões, as plumas e paetês do Morro, a chuva da X-9 e as marchinhas da Tucuruvi. Tem os sonhadores da Império de Casa Verde e as previsões do Camisa. Tem a África de Peruche e Independente e o centenário do Palmeiras na Avenida com a Mancha Verde.

tommaiorAs disputas de samba mostraram a ampliação das audições internas, as surpreendentes derrotas de Maradona em Tom Maior e Imperador, o fim da hegemonia de Armênio Poesia na Dragões, onde foi superado por Rodrigo Godói e parceiros, a presença de nomes consagrados como Dudu Nobre em eliminatórias como a da Mocidade Alegre (onde foi derrotado), a vitória de parcerias cariocas e de antigos nomes do samba paulistano, como Afonsinho na Nenê. Um ano de episódios tristes como o incêndio no barracão da Tucuruvi, mas de grandes festas como a do lançamento do CD no Pavilhão de Exposições do Anhembi.

O ano em que a Liga resolveu não decepcionar os estrangeiros que viessem ao Brasil para a Copa do Mundo e, nos dias 9, 10 e 11 de junho – a abertura foi no dia 13 – promoveu uma grande exposição de fantasias e fotos de desfiles. O ano em que houve um desfile fora de época com o povo em meio aos turistas tomando conta do Anhembi. Também foi um ano de muitas perdas. De baianas queridas ao ex-Presidente da Nenê, o Betinho, filho de Seu Nenê. E ainda teve tempo para a trágica e inesperada morte do intérprete André Pantera, que abalou todos os sambistas paulistanos neste fim de ano. Assim como todo Carnaval, infelizmente, toda vida tem seu fim. E, quem aqui continua por mais um tempo continua arregaçando as mangas para fazer mais um belo Carnaval entre os dias 13 e 20 de fevereiro de 2015.

Em tempo…

Minha coluna sobre os sambas da Série A do Rio de Janeiro rendeu mais que o esperado – e não do jeito que eu queria. O compositor e intérprete Lucas Donato não gostou de ler que ele, Arlindo Neto e Alex Ribeiro, em minha visão, não tem condições de, atualmente, cantar no Império Serrano. Até texto no Facebook ele fez. Fui chamado de invejoso, recalcado e coisas do tipo. Até amigos meus disseram que peguei pesado. Por aí também li que faltou “nível” na minha critica.

Em geral, não me retrataria porque não desrespeitei ninguém e não mexo em uma linha do que escrevi. Com todo o respeito que tenho em cada palavra que escrevo aqui, considero que eles ainda não tem condições de comandar o carro de som da Serrinha – como eu não tenho de escrever no The New York Times. Sequer escrevi em tom de crítica – critiquei sim ao dizer que prejudicaram a gravação, mas isso parece não ter incomodado ninguém -, mas sim de uma constatação.

No entanto, como muita gente parece ter interpretado mal o que escrevi, sou levado a acreditar que errei. Não por escrever o que escrevi, mas por ter me expressado mal. Nesse caso, peço minhas sinceras desculpas a quem por ventura tenha se sentido ofendido e reitero, mais uma vez, que não quero desrespeitar ninguém. Não estou aqui para debochar ou para ofender ninguém.

Também não estou aqui para elogiar tudo, mas o que eu for criticar, farei sempre com o maior respeito. Estou também sempre aberto a reclamações e a explicações (foi através de uma dica dada por alguém que leu as análises do ano passado que entendi ter passado do ponto em alguns momentos e resolvi mudar esse ano, por exemplo – e, pensando aqui, acho até que fui injusto com um compositor que reclamou comigo, de maneira pouco educada, é verdade, no inbox do Facebook um ano atrás).

Assim sendo, fazendo o que acho que me cabe, dou o assunto enfim por encerrado.