A imprensa se reúne em grande alvoroço para uma coletiva: flashes, tumultos, e lá vem Ricky Martin falar sobre sua decisão de “sair do armário”, neste embalo surgem tantos outros como Christian Chaves (ex-RBD) e Daniela Mercury, mas por que é tão difícil presenciarmos a mesma atitude no meio esportivo?

O mundo do esporte aos poucos vai abrindo seus armários para acabar com o silêncio dos esportistas homossexuais. A ocultação da verdade sempre foi uma constante para os grandes esportistas, temerosos de que sua condição sexual afetasse sua carreira, muitas vezes por receber críticas da imprensa, da sociedade e talvez o pior, de seus próprios colegas de equipe e treinadores, o que tornaria a convivência um inferno.

O nadador australiano Ian Thorpe, com cinco medalhas de ouro olímpicas e 11 títulos mundiais, negou muitas vezes que fosse gay a ponto de afirmar isso em sua própria autobiografia. Agora, depois de ter feito um tratamento contra a depressão, reconhece que sua vida “teria sido melhor se tivesse assumido desde o princípio”.

Aos poucos as mentes vão abrindo, vão afastando os medos. Não são mais só os esportistas menos conhecidos, mas também os mais famosos que deram um basta ao obscuro mundo do oculto ou da mentira.

No futebol, ainda não. Neste esporte, cheio de expressões ou atitudes machistas, a homossexualidade oficialmente não existe. Os poucos casos que saíram à luz tiveram a ver com jogadores pouco conhecidos, que passavam inadvertidos, embora significasse o fim antecipado de sua carreira. Foi o que aconteceu com os norte-americanos Robbie Rogers, David Testo e o sueco Anton Hysen. Todos conheceram o final de seus dias como jogadores: tiveram que escolher entre sua verdade, quer dizer, sua vida, ou seu esporte. E escolheram a verdade. “É hora de ir embora, de me descobrir longe do futebol. Sou um homem livre”, disse Rogers em uma entrevista. Tinha apenas 25 anos.

Por isso impera o que Robbie Rogers definiu como “o medo de ser julgado. De não conseguir realizar seus sonhos e aspirações.” Por isso as decisões são adiadas, ou para o final da carreira ou na hora de pendurar a chuteira. Jason Collins foi o primeiro a romper o tabu na NBA, como jogador ainda ativo [1]. Outros, como John Amaechi, só assumiram depois de deixar a bola. Collins foi recrutado pelo presidente Barack Obama para formar parte do grupo sobre Esportes, Saúde e Nutrição. A lista é longa e abarca todo tipo de especialidades. Desde o jogador galês de rúgbi, Gareth Thomas, o de futebol americano, Michael Sam, passando pela tenista francesa Amelie Mauresmo ou o patinador artístico norte-americano Johnny Weir.

E por falar em Michael Sam, o draft de 2014, palco onde os times da NFL escolhem seus futuros craques, teve um tempero a mais, um ingrediente histórico. Havia a expectativa de qual franquia escolheriaa o DE (Defensive End), fazendo assim dele o primeiro jogador assumidamente gay a integrar um time da maior liga esportiva do mundo.

O drama aumentou com o passar dos dias do draft. Seis rodadas de seleção, dois dias completos e nada de Sam ser escolhido. A imprensa já prejulgava se o preconceito estava sendo fator determinante para essa demora, se as equipes tinham tomado um posicionamento de evitar as tais “distrações”.

Porém o momento chegou. Na sétima rodada – e última –, na posição número 249, no terceiro dia do draft, o Saint Louis Rams escolheu Sam. A cena marcante foi transmitida ao vivo para todo os Estados Unidos e mundo: ele comemorando com um beijo em seu namorado Vito Cammisano. Ele chegou a realizar a pré-temporada na equipe de St. Louis, disputando quatro partidas, mas acabou dispensado por razões técnicas, de acordo o técnico dos Rams. Logo após, Sam chegou a ingressar na equipe do Dallas Cowboys, mas também foi dispensado em Outubro. Ainda que seu ex-técnico, Jason Garrett, tenha agradecido ao jogador pela dedicação, exaltando a sua conduta profissional durante os treinos, o jogador permanece sem clube.

Nas últimas edições dos Jogos Olímpicos, em Londres (2012), houve um recorde de participantes LGBT. Foram 23 no total, segundo um levantamento do site OutSport. Em Pequim (2008), foram 10 e em Atenas (2004), 11. Contudo, a Copa de 2014, por sua vez, não trouxe nenhum participante homossexual assumido. Talvez não seja precoce afirmar que, temos gays sem fronteiras no esporte como um todo, mas ainda sem vez no futebol.

Curiosamente, durante a Copa do Mundo do Brasil, a ONU fez apelo para que jogadores assumissem sua sexualidade durante o período de jogos, pela diminuição da homofobia e pela promoção da aceitação da diversidade sexual no esporte. Mas o futebol se mostra muito menos tolerante à diversidade sexual do que outros esportes. “O futebol continua sendo um território vetado para a homossexualidade, é um jogo ‘muito viril’ para aceitar jogadores que frequentam ‘boates gays'”, afirmou na década de 80 o treinador do Nottingham Forest, Brian Clough, ao recriminar seu jogador, Justin Fashanu, antes de tirá-lo da equipe.

Em entrevista concedida em março, o até então técnico do Fluminense, Renato Gaúcho, encara com naturalidade a presença de homossexuais no futebol. O ex-jogador disse não ver “nada demais” na possibilidade de encontrar atletas gays na modalidade. No entanto, mostra que o futebol brasileiro ainda não recebe bem tal opção sexual. “Eu acho estranho quando se fala em homossexual no futebol. Toda profissão tem, mas quando se fala de futebol, é uma notícia mundial. Por quê? Não vejo nada demais nisso”, afirmou Renato Gaúcho. O ex-treinador, no entanto, afirmou que o jogador homossexual está sujeito a virar motivo de gozações nos clubes caso torne pública sua opção. “O cara que é assumido – que eu não tenha nada contra – sofre no vestiário”, diz Renato, que afirma que o que há na relação com jogadores gays não é preconceito. “Eles (jogadores) vão sacanear, e eu vou ajudar. No bom sentido. Na brincadeira”, declarou.

O alemão Thomas Hitzlsperger acredita que ainda há um longo caminho a percorrer até um jogador gay assumido fazer parte de um time de primeira divisão ou de uma seleção nacional. Hitzlsperger tinha consciência de sua homossexualidade no final de sua carreira, mas não se sentiu a vontade para sair do armário. “Não sabia o que ia acontecer. Não imaginava (a possibilidade de) jogar futebol e me assumir ao mesmo tempo”, explicou o ex-atleta, que não tinha nenhum problema de aceitação na ocasião. “Queria ser um jogador de futebol mais do que eu queria falar da minha vida privada”. “Eu poderia ser o primeiro jogador de futebol a jogar na liga principal a se assumir, mas os jogadores que já fizeram isso levantaram tantas questões, achei que não valia”, prosseguiu Hitzlsperger, torcendo para que a homossexualidade seja tratada como natural no futuro no futebol.

As mulheres homossexuais no esporte

Temos mulheres abertamente homossexuais no futebol e tênis. Casey Stoney, zagueira e capitã da seleção da Inglesa de futebol saiu do armário no início deste ano e Martina Navratilova, tenista, falou abertamente sobre sua sexualidade, no auge de sua carreira. Elas se sentem um pouco mais a vontade com relação a este assunto, pois o fato de serem mulheres e estarem praticando esporte já é um preconceito, cuja barreira já foi derrubada. Navratilova, inclusive, é uma pioneira entre homossexuais assumidas no esporte, ainda na década de 80.

Casos Brasileiros

No Brasil o vôlei já produziu casos emblemáticos da mesma situação. Em 2011, Michael, do Vôlei Futuro, revelou ser homossexual após ser vítima de ofensas durante jogo da Superliga contra o Sada Cruzeiro. O ex-jogador Luiz Cláudio Alves da Silva, o Lilico, que morreu em 2007, em decorrência de um acidente vascular cerebral (AVC), também declarou sua orientação sexual na década de 90. Ele fez história no vôlei em particular e no esporte brasileiro em geral. Foi o primeiro atleta assumidamente gay e um dos melhores jogadores da sua época, apesar disso, também sofreu com o machismo e o preconceito. Durante as convocações para as Olimpíadas de Sydney em 2000, Lilico estava no auge da carreira e mesmo assim não foi convocado para defender o Brasil. “Sou gay, mas jogo como homem”, declarou repetidas vezes o jogador. Depois de tantos títulos, o Atleta decidiu deixar as quadras e passou a estudar jornalismo.

Em 2012, o campeão de boxe Orlando Cruz assumiu ser gay. Na época, ele publicou uma nota em que disse querer ser verdadeiro consigo mesmo e que pretendia se tornar “o melhor modelo possível para crianças que veem o boxe como um esporte e uma carreira profissional”.

Em 2013, assim que o corintiano Emerson Sheik publicou em uma rede social a foto em que dava um selinho em um amigo, foi bombardeado por insultos. Entusiasmados com a onda de insatisfação que percorria todo o país, torcedores chegaram a organizar um protesto contra o selinho. “Viado (sic) não” e “Aqui é lugar de Homem” diziam as faixas levadas pelo grupo. No primeiro jogo após o selinho, contra o Luverdense-MT, Sheik estranhou-se com o zagueiro Zé Roberto e acabou expulso. O presidente do clube, Helmute Lawisch, elevou o tom em entrevista coletiva após a partida. “Sheik estava desestabilizado. Ele joga num time de macho e teve uma atitude daquela. Sou da moda antiga. Ou seja, homem é homem.”

O preconceito na sociedade brasileira se transfere para os campos, e até quem não é (ou não se assume como) homossexual é vítima de ataques morais. O jogador Richarlyson, embora nunca tenha se declarado gay, convive há anos com o coro “Bicha! Bicha! Bicha!” vindo da arquibancada dos oponentes. Após o título do Galo na Libertadores, os jornais não deram destaque ao fato de Richarlyson ter sido titular durante quase toda a competição, mas sim a um desabafo em campo infantilmente interpretado como uma frase de duplo sentido. “Tive que engolir muita coisa” rendeu manchetes e correu a internet.

O meio do futebol não só propaga ideias e valores preconceituosos, como também cria novos. O preconceito que liga os torcedores do São Paulo Futebol Clube e do Fluminense à homossexualidade, por exemplo, é algo tão comum no cotidiano esportivo, quanto patético. O título de “bambi”, tomado pelos são-paulinos como uma ofensa, é mais uma prova de como a sociedade realmente enxerga a comunidade LGBT, fora ou dentro do gramado.

Nestes casos de esportistas que saíram ou não do armário o medo é sempre o mesmo: a reação da sociedade e da equipe. Desta forma, podemos responder à pergunta-título: Por que não temos homossexuais assumidos no esporte? Por nossa culpa, ainda somos uma sociedade preconceituosa, que achamos graça ao chamar o outro de “bambi”, “gazela”. Quem não é gay acha a maior graça, mas imagina como eu, e muitos homossexuais se sentem quando estão acompanhados de familiares e/ou amigos héteros assistindo a tv e ouvimos em alto e bom tom, frases como “isso é uma bichona”.

Um caso a refletir!

[N.do.E.: Jason Collins, após assumir sua homossexualidade, jogou mais uma temporada no Brooklyn Nets, aposentando-se ao final desta. PM]