Mal terminou o Carnaval de 2003, começaram as acaloradas discussões sobre os desfiles de 2004. O anúncio de que o Carnaval seria temático, com todas as agremiações abordando os 450 anos da Capital Paulista, que seriam completados em 25 de janeiro de 2004, foi feito pela Liga ainda no dia da apuração de 2003, quando muitos presidentes eram contra.

O argumento da maioria, encabeçada pelo da Vai-Vai, Solón Tadeu, era o de que muitas agremiações já tinham parcerias fechadas para o próximo desfile e deveria haver, digamos, uma certa contrapartida financeira por parte da Prefeitura, como se esta fosse uma empresa que pagasse a todas as escolas para fazer um Carnaval sobre ela, um Carnaval patrocinado. Essa era, aliás, outra reclamação. A verba da Prefeitura, apesar de sofrer leve alta em 2003, era cada vez mais insuficiente, além de vir apenas em cima da hora, e o descontentamento do mundo do samba com a prefeita Marta Suplicy era quase geral. Mas, não teve jeito. O acordo foi feito, não houve uma grande melhoria em termos financeiros e o Carnaval seria mesmo dos 450 anos.

Ao contrário do que aconteceu em 2000, quando o tema foram os 500 anos do Brasil, as escolas teriam a liberdade para abordar o subtema que quisessem dentro do tema único, sem uma sequência cronológica pré-definida ou qualquer outro tipo de especificação, o que, a propósito, geraria alguns enredos um pouco distantes da ideia inicial. As discussões, no entanto, estavam longe de se resumir aos enredos, temas únicos e verbas estatais.

Como vocês puderam ver na semana passada, a apuração de 2003 terminou sem que se soubesse quem cairia – e se alguém cairia – para o segundo grupo. Resumo rápido para quem perdeu: Império de Casa Verde e Águia de Ouro terminaram empatadas à frente de Unidos do Peruche e Barroca Zona Sul e, portanto, o presidente da Liga/SP, Robson Oliveira, optou por rebaixar apenas duas agremiações e não três, como dizia o regulamento. A atitude revoltou a direção de Peruche e Barroca, que queriam que, já que era pra rasgar o regulamento, que ninguém caísse.

O impasse se arrastou por um tempo, mas, no fim das contas, ficou decidido que ninguém cairia. Assim, o Grupo Especial, que inicialmente tinha a pretensão de ter 12 escolas a partir de 2005, chegaria a 2004 com 16 agremiações. Recorde absoluto na história do Carnaval Paulistano. A confusão parece ter feito a Liga abortar a ideia de um Especial mais enxuto, já que o regulamento de 2004 previa queda de apenas duas agremiações, mesmo número de escolas que ascenderiam à elite. Ou seja: em 2005 o número continuaria o mesmo. A entidade também fez uma pequena mudança no julgamento: os quesitos passariam a ser julgados por quatro jurados na sexta e quatro no sábado, um a mais por noite que nos anos anteriores, e haveria o descarte não só da menor nota, como também da maior por quesito.

A Liga anunciou também uma iniciativa especial para comemorar a data tão especial para os paulistanos. As 10 agremiações que participassem do desfile das campeãs – as oito primeiras do Especial mais as duas primeiras do Acesso – disputariam o “Troféu São Paulo 450 Anos”, que seria avaliado com base em critérios como a empolgação dos componentes – o chamado “samba no pé” -, a velha guarda e a Ala das Baianas.

Com um favoritismo poucas vezes visto no Carnaval Paulistano – maior até que o que tinha a Vai-Vai na sequência do tetra -, a Gaviões da Fiel partiu em busca do tri com um enredo sobre as revoluções ocorridas em São Paulo que mudaram a história do Brasil. Tentando quebrar um jejum de 21 anos sem título, a Mocidade Alegre exaltaria os imigrantes, ao passo que a X-9 Paulistana abordaria a diversidade gastronômica de São Paulo. Pensando no título, Nenê de Vila Matilde e Vai-Vai teriam enredos bastante diferentes: a Águia da Zona Leste cantaria a Bienal da Arte e a Saracura prestaria uma homenagem ao seu bairro de origem, o Bixiga.

Mordida pelo resultado ruim em 2003, a Rosas de Ouro escolheu falar sobre os monumentos da capital paulista, enquanto o Camisa Verde e Branco tentava voltar a brigar lá em cima comemorando os seus 50 anos. Acostumadas a perambular no meio da tabela, Leandro de Itaquera e Tucuruvi visavam voos maiores com enredos sobre a cultura paulistana e o CEAGESP, respectivamente. A Unidos de Vila Maria abordaria a existência dos mais diversos povos brasileiros na cidade.

As pivôs da confusão de 2003, Águia de Ouro e Império de Casa Verde, cantariam, respectivamente, Ana Maria Braga e os heróis da mitologia paulistana. Salvas pelo não-rebaixamento, Unidos do Peruche e Barroca Zona Sul contariam a saga dos imigrantes e a religiosidade paulistana, enquanto as escolas vindas do Acesso, Tatuapé e Imperador do Ipiranga, abordariam os seus respectivos bairros: o Tatuapé e o Ipiranga.

O desfile começou com a Unidos do Peruche, que apresentou o enredo “São Paulo é Como Coração de Mãe… Sempre Cabe Mais Um”. Salva pelo não rebaixamento em 2003, a Filial do Samba mais uma vez enfrentou uma série de problemas. A escola posicionou os seus carros no Anhembi visivelmente inacabada. Carros foram danificados no transporte para a Passarela do Samba e, já na sexta-feira, membros da Peruche se desdobravam para deixar tudo pronto.

A pressa trouxe problemas antes mesmo do início do desfile, quando uma destaque caiu da plataforma onde desfilaria e acabou tendo que vir no chão. O quarto carro, o da Arte Sacra, foi retocado até o momento em que cruzou a linha de entrada do Sambódromo. Nesse cenário, já é de se imaginar que o nível do desfile não foi dos melhores. A agremiação perucheana não estava empolgada, até por conta de todas as dificuldades, e, com um Anhembi ainda frio, não chamou atenção.

As alegorias tiveram boa concepção por parte do carnavalesco Agá, mas os problemas de acabamento quebraram totalmente seu efeito. As fantasias tinham fácil leitura, mas deixavam claros os problemas financeiros da escola à medida que não apresentavam nenhum luxo. O samba era até razoável – estamos falando de uma das piores safras que o Especial Paulistano já viu, diga-se -, mas não ajudou em muita coisa. Com uma evolução bastante confusa, a Peruche se transformou em enorme candidata a, agora sim, cair para o Grupo de Acesso.

Estreando no primeiro grupo na Era Anhembi, a Acadêmicos do Tatuapé surpreendeu no segundo desfile da noite. O carnavalesco Babú Energia viveu um de seus melhores momentos no desenvolvimento do enredo “Agradeço ao Índio que Cuidou, a Você que Desbravou e a Todos que Fizeram Crescer – Tatuapé, Minha Vida, Meu Amor”. Contando com um bom samba, que foi brilhantemente interpretado por Luisinho e, especialmente, por Nilson Valentim -, mas, 28 anos depois da última apresentação entre as grandes, chamou a atenção mesmo pela grandiosidade dos seus carros alegóricos.

Para contar a história do desenvolvimento do bairro e da Zona Leste como um todo, a escola do Tatuapé apostou em fantasias e alegorias com muito brilho e muito luxo. O enredo foi desenvolvido com correção e os componentes, apesar da evolução não ter sido exatamente brilhante, estavam extasiados com o que era praticamente uma estreia na elite. O chão da escola esteve pesadíssimo e contribuiu para que o desfile tivesse ótimo efeito.

A bateria também esteve muito firme e a azul-e-branco foi não só se garantindo no Especial, como também foi carimbando passaporte para o desfile das campeãs. Claro que não foi um desfile para brigar pelo título, mas a qualidade do acabamento e a grandiosidade de uma escola pequena – eram apenas 2600 componentes -, chamaram a atenção. A nota mais triste foi o desentendimento entre a harmonia da escola e funcionários do Anhembi, com direito a troca de socos.

Outro problema aconteceu com o último carro, que empacou na entrada da Passarela. Ao saber do sobressalto, o carnavalesco Babú Energia passou mal e chegou a desmaiar. Ele, que pouco tinha dormido nas duas semanas anteriores, ficou muito nervoso e foi parar no hospital. Ainda assim, não foi nada que trouxe muitos prejuízos à escola da Zona Leste, que voltou com tudo.

Comemorando 50 anos, o Camisa Verde e Branco entrou na Avenida para apresentar o enredo “No Reinado da Folia o povo quer ver: Minha História, 50 Anos de Glórias Brindando a São Paulo”. Além da auto-homenagem, o Trevo queria também exaltar o seu bairro, a Barra Funda, e a cidade de São Paulo como um todo. A comissão de Frente foi o ponto alto do desfile. Cada um dos nove integrantes veio com uma fantasia que remetesse a cada um dos título que a escola conquistou. Uma ideia simples, mas muito bem executada e que rendeu ótimo efeito.

O conjunto alegórico foi apenas regular. Não gostei muito da concepção das alegorias, monocromáticas demais, mas achei que a divisão cromática nas fantasias foi muito interessante. Os componentes estavam animados ao retratarem símbolos típicos do bairro, como as empresas Matarazzo e a ferrovia que passava pelo local e também os grandes feitos da escola. Foi um desfile muito semelhante aos dos dois anos anteriores, muito correto e com alguns momentos de mais brilho. Foi uma típica apresentação para meio de tabela.

Contando com um dos sambas mais trash de que já tive notícia, a Águia de Ouro foi a quarta escola a pisar na Avenida com seu insólito enredo “Sou Mais São Paulo… Ana Maria Braga Conta 450 Anos da Culinária Paulistana”. Usando da velha estratégia de desenvolver um enredo sobre determinado tema e reservar o último setor para uma personalidade relacionada a ele, a dupla de carnavalescos Cebola – ainda chamado de Cláudio Cavalcante – e Tito Arantes Filho fez um excelente trabalho.

Foi um desfile bem superior em termos plásticos aos dois anteriores. As alegorias foram mais bem concebidas, mais bem acabadas e as fantasias também apresentaram melhora considerável. O enredo, o primeiro nessa linha a passar pela Avenida naquele Carnaval, fez um passeio muito interessante pela diversidade gastronômica da cidade. De certa forma, era um enredo semelhante ao que a Rosas de Ouro havia apresentado no meio da década de 1990. Com fantasias de fácil leitura e um enredo quase auto-explicativo, a azul-e-branco desfilou bem.

O ponto negativo foi, de longe, a evolução. Alas se embolaram e invadiram umas as outras, prejudicando até o conjunto visual da agremiação da Pompéia. O último setor, destinado à Ana Maria Braga, foi obviamente o mais, digamos, estranho, mas teve os seus bons momentos, como a empolgação da homenageada no último carro. Descrita no samba como “feliz, alegre, faceira, vaidosa, teimosa e guerreira”, ela cantou e sambou do início ao fim e saudou os presentes no Sambódromo com bastante alegria. Foi, sobretudo, um desfile bastante simpático, quase um aquecimento para o momento mais aguardado daquele Carnaval.

gavioes2004Aí a brincadeira ficou séria, amigo. Quando a Gaviões da Fiel começou a fazer o seu esquenta, antes mesmo de começar a rolar o samba do enredo “Ideias e paixões: combustível das revoluções”, o Anhembi viveu um de seus momentos históricos. As 10 mil bandeirinhas distribuídas pela escola se agitaram nas arquibancadas. A torcida da escola, quase como em um estádio de futebol, pulou e cantou o hino da agremiação, que dizia que “a Gaviões não acabou / nem jamais acabará / você pode acreditar / nossa corrente não será quebrada / um grito forte ecoou / ôôô Timão / estremecendo toda a arquibancada”.

Representação mais fiel da arquibancada, impossível. O Anhembi tremeu e quando o samba, talvez o melhor daquele Carnaval, começou a tocar, o clima de catarse aumentou. Era um início tricampeão, digamos assim. Era só o trabalho do carnavalesco Roberto Szaniecki manter o padrão dos anos anteriores, ainda com Jorge Freitas, e seria bastante complicado tirar o título da Fiel Torcida. A expectativa, claro, era enorme, e o desfile não decepcionou.

A condução brilhante do samba por parte de Ernesto Teixeira e o acompanhamento sempre competente da Bateria Ritimão impulsionaram não só a arquibancada, como também os componentes. Na Avenida, um verdadeiro espetáculo. A comissão de Frente, chamada “Raízes da Terra” trazia componentes com trajes indígenas que, na coreografia, trocavam de roupa e simbolizavam robôs. Um truque muito bem feito que simbolizava, digamos assim, o que era e o que é São Paulo.

O abre-alas trouxe um gigantesco gavião batendo asas e rodeado de índios, com acabamento impecável, simbolizando a chegada dos colonizadores. O primeiro setor, que retratou a relação conflituosa entre colonizador e colonizado foi brilhante. Fantasias de excelente gosto, com excelente acabamento e uma divisão cromática perfeita davam o tom de mais uma apresentação fantástica. Poucas vezes vi um trabalho de tanto bom gosto do carnavalesco Roberto Szaniecki.

Pessoalmente, achei que o carro dos Barões do Café poderia ter sido mais grandioso, mas o segundo setor continuou com lindas fantasias. Outra ressalva que faço, aliás, é quanto ao desenvolvimento do enredo, que ficou um pouco confuso, esqueceu alguns pontos importantes e, em alguns momentos, abandonou, digamos, sua veia revolucionária. Quando essa veia aflorou, o desfile foi, repito, impecável. O terceiro carro, da força dos operários, também estava impecavelmente acabado e trazia movimentos que garantiam ótimos efeitos.

O quarto carro foi dedicado à Revolução nas artes, tratando especialmente da semana de arte moderna de 1922. Com lindas fantasias e mais um carro grandioso com esculturas perfeitas, o setor abriu caminho para o gran finale, o último setor, que falaria justamente sobre o Corinthians e suas revoluções, seja na estrutura do futebol brasileiro, seja na Democracia Corinthiana. Um problema já começava a despontar, no entanto: talvez pela empolgação, a evolução foi muito lenta e a escola talvez tivesse que apertar o passo para encerrar o desfile no tempo.

Mas, em poucos minutos, o que tinha tudo para ser um dos mais apoteóticos desfiles da história se transformou na maior tragédia que o Anhembi já viu em um desfile do Grupo Especial. O último carro, que trazia as mães dos fundadores da escola, mais alguns belos gaviões que emitiam sons e bonecos simbolizando os jogadores, evoluía muito bem até a metade da Avenida, alguns metros antes do recuo da bateria, bem em frente ao Camarote da Prefeitura.

Um eixo da alegoria se quebrou e ela foi em direção à grade que separa o camarote da Avenida. Faltavam cinco minutos e o carro prendeu na grade em questão. O desespero tomou conta, a velha guarda, que vinha à frente do carro, se dividiu pelo buraco que foi formado, mas o carro continuava lá, empacado. A direção da escola forçou o quanto pôde e, aí, a coisa começou a ganhar ares de tragédia. A asa do gavião bateu em uma caixa de som e a derrubou. A caixa atingiu uma pessoa que estava no camarote e, por muita sorte, esta não teve grandes problemas.

Faltando três minutos, o carro voltou a andar com os diretores sob ele, praticamente levando no braço a alegoria. Evidentemente, não foi possível terminar no tempo e o carro começou a cruzar a linha final já com o tempo máximo estourado. Na dispersão, um clima totalmente diferente do que foi visto no início. Componentes choravam, outros se desentendiam e a tragédia aumentou quando o carro voltou a empacar antes de passar totalmente pela linha.

O braço esquerdo de um dos bonecos quebrou, caiu e derrubou o cronômetro que fica ali na entrada da dispersão. Quando o carro enfim conseguiu passar, alguns componentes estavam do lado de fora e, portanto, o portão não poderia ser fechado pelos membros da Liga. Mas, em uma atitude lamentável, os diretores da Fiel Torcida tentaram fechar na marra e a dispersão virou um tumulto generalizado. A Polícia teve que chegar, a imprensa passou a ser vista como inimiga e, após um princípio de confusão, o portão foi oficialmente fechado exatos oito minutos depois dos 65 permitidos, o que acarretaria uma perda de oito pontos na apuração.

O clima de tristeza na dispersão era um verdadeiro contraste à catarse do início do desfile. A tristeza foi geral. Torcedores de todas as escolas acompanharam o drama da Gaviões nas arquibancadas e torceram como se estivessem em um estádio de futebol. A sequência de contratempos provocou um abatimento geral que comprometeu o resto da noite. A Gaviões abandonava o sonho do tri, passava a temer um rebaixamento, e o Carnaval de festa, o Carnaval dos 450 anos, ficava bem mais triste. Por sorte, todas as perdas e danos se resumiam à competição e ninguém ficou gravemente ferido.

Essa situação toda prejudicou até a sexta escola da noite, a Unidos de Vila Maria, que pegou uma arquibancada ainda abalada para apresentar o enredo “São Paulo no Coração do Brasil. Parabéns para você”. A ideia do carnavalesco Wagner Santos era fazer uma festa de aniversário para a Capital Paulista, onde os 27 Estados eram os convidados. A Vila Maria surpreendeu desde a ótima comissão de frente, que trazia operários “construindo São Paulo”. O abre-alas, um convite para essa festa, também estava maravilhoso, com 10 índias representando as cinco regiões brasileiras e os cinco continentes. A 11ª índia trazia uma bandeira da cidade.

O carro também era adornado por engrenagens que simbolizavam o movimento operário. O desfile como um todo foi muito bom. Apesar de parecer um desfile sobre os Estados brasileiros, a escola fez uma boa apresentação e as fantasias mostraram mais uma vez o quão caprichoso é o carnavalesco Wagner Santos. Em alguns momentos, ele poderia ter sido mais criativo na representação dos Estados, mas, em um todo, foi bem. Achei interessante a ideia de fazer os carros totalmente alheios aos setores. Cada uma das quatro alegorias que não o abre-alas representavam um desejo do povo paulistano, como saúde, educação e etc.

As alegorias, aliás, foram um pouco decepcionantes. Mais compactas, não foram tão impactantes quanto as dos anos anteriores e destoaram bastante do conjunto de fantasias. A escola cantou bem o samba, evoluiu com correção e, já com o dia amanhecendo, fez uma apresentação bastante leve e, apesar dos pesares, de bastante bom gosto. Desfile para a escola sonhar com uma boa colocação.

Penúltima escola da noite, a X-9 chegou para brigar pela taça com o enredo “Se Vens a Minha Casa com Deus no Coração. Senta-te a mesa e come do meu pão”. Apesar do título, o enredo não tinha nenhum cunho religioso e também não era sobre o pão. O enredo era mais um a falar sobre a história de São Paulo através da gastronomia e isso ficou claro já na comissão de frente, que trazia vários cozinheiros com pedaços de bolo que, juntos, formavam a frase “Parabéns São Paulo”. Além do mais, dependendo da maneira em que eram dispostos, formavam o símbolo da escola e o brasão da cidade.

Embora a exaltação a São Paulo estivesse presente em quase todo o desfile, foi talvez o menos paulistano dos enredos. O carnavalesco Lucas Pinto, a exemplo do que já havia feito em 2000, explorou o tema de modo que, em muitos momentos, ele não parecesse uma homenagem à Capital Paulista. Com um Sambódromo já vazio, a escola da Parada Inglesa apresentou um belo abre-alas, que tinha concepção semelhante à da comissão de Frente.

Gostei do desenvolvimento do enredo, que fez um passeio interessante pela história da gastronomia. Lucas Pinto iniciou essa viagem lembrando da mistura dos hábitos alimentícios de negros, índios e colonizadores, que criou esse mosaico de diferentes culturas em terras paulistanos. Essa viagem tomou conta dos primeiros setores, que também apresentaram as diversas gastronomias estrangeiras que ganharam a cidade, como a italiana com as pizzas e a Oriental.

x92004A X-9 mais uma vez apresentou um bom conjunto de alegorias e fantasias. A escola apostou em alegorias e fantasias leves, com tonalidades mais claras e em uma comunicação simples com o público. Os componentes evoluíram bem, cantaram com empolgação o excessivamente cadenciado samba – que, inclusive, deixou as arquibancadas bastante desanimadas – e o desfile foi, no geral, bastante agradável. Vale destacar que aquela tal viagem para a história da gastronomia era quase um prefácio, porque o enredo começava para valer ali no terceiro setor.

Sabe a festa para qual a escola convidava o público no começo? Pois então, toda festa tem que ter comida e foi assim que Lucas Pinto preencheu os dois setores finais. As mais diversas entradas e porções, as bebidas, os pratos principais e o cafezinho – que deu o título à escola em 2000 – ganharam fantasias leves, de excelente gosto, e alegorias, apesar de mais simples, muito bem acabadas. No conjunto, com todos os problemas da Gaviões, a X-9 havia feito a melhor apresentação até ali.

Mais uma vez desfilando para poucos, bravos e valentes sambistas, a Tucuruvi fez mais uma grande apresentação para encerrar a primeira noite de desfiles. O enredo “Tá na mesa! CEAGESP é Fome Zero” ganhou um samba bastante agradável – e muito bem cantado pelo intérprete Freddy Vianna – e mais um desfile bastante simpático. O diferencial em relação aos últimos desfiles do Zaca, no entanto, foi o luxo.

A escola da Cantareira já chamou a atenção por conta da excelente comissão de frente, que, muito colorida, trazia saltimbancos fazendo uma belíssima coreografia à frente de um enorme pedaço de pão, simbolizando a luta contra a fome. Era, aliás, um enredo de cunho político, daqueles que o carnavalesco Marco Aurélio Ruffim faz tão bem e que, além de exaltar um dos símbolos maiores de São Paulo, passava uma mensagem de esperança em relação ao problema da fome, dessa vez aproveitando o programa do Governo Federal, o Fome Zero, que já havia pintado na X-9.

Pode não ter sido um desfile campeão, mas foi uma belíssima apresentação. As alegorias estavam impecavelmente acabadas e aproveitaram uma das melhores características da escola: a cor. Muitas cores, muitos adereços e um excelente impacto visual. O enredo se tornou um pouco confuso em alguns momentos, mas nada que comprometesse muito. Dentro de suas possibilidades, a escola conseguiu unir luxo e simplicidade e podia mais uma vez esperar uma boa colocação na apuração.

Em um sábado onde desabou água durante todo o dia, a Barroca Zona Sul abriu os trabalhos sob garoa fina para apresentar o enredo “450 anos de Fé. Um encontro no coração do Brasil”. Em uma falha muito semelhante à da Nenê de Vila Matilde alguns anos antes, a escola entrou na Avenida sabendo que perderia dois pontos. O motivo, que rendeu um pedido de desculpas do presidente na “chamada geral” antes do desfile, foi a não entrega do roteiro com a sinopse do enredo e com as alas no prazo estipulado pela Liga. O presidente, aliás, classificou o erro como “primário”, mas afirmou que se no ano anterior deixou a Avenida chorando de tristeza, em 2004 sairia chorando de alegria.

Com essa punição, as chances da Barroca de continuar no grupo existiam apenas por conta da punição sofrida pela Gaviões da Fiel. A escola claramente tinha deficiências econômicas e isso acabaria se refletindo em um conjunto alegórico bastante modesto. Por outro lado, o grande carnavalesco Augusto de Oliveira foi brilhante no desenvolvimento do enredo. A ideia não era apenas exaltar a diversidade religiosa da cidade, mas também mostrar o respeito mútuo entre elas, garantindo assim a existência de todas elas em um só lugar.

A comissão de frente trouxe uma boa coreografia que representava os “anjos paulistanos”, mas a grande sacada foi mesmo no abre-alas. Segundo o carnavalesco, em São Paulo existem vários centros das mais diversas religiões em um mesmo lugar e, em todo lugar, há uma padaria. E é nessa padaria que padres, frades e líderes das outras religiões se encontram para bater um papo, conversar, tudo no maior respeito e amizade. Essa diversidade veio representada no abre-alas, que estava razoavelmente grande para os padrões da Faculdade do Samba.

Na sequência, Augusto passeou por cada uma das religiões. Os católicos, os evangélicos, os árabes, os chineses e, claro, os adeptos das religiões afro, que exercem tanta influência sobre o Carnaval. O samba não era lá uma maravilha e também não foi muito bem cantado pelo intérprete Gilsinho, o que prejudicou um pouco a harmonia. Também achei que o desfile falhou na divisão cromática, que privilegiou demais o laranja, dando uma clara sensação de repetição. A evolução também falhou, deixando dois enormes buracos ao longo do desfile. Ainda assim, a Barroca fez, no geral, um desfile simples e agradável, que rendia boas esperanças de manutenção no grupo mesmo com a punição. Destaque para a ala dos retirantes nordestinos, de um bom gosto incrível.

Voltando ao Grupo Especial, a Imperador do Ipiranga contou a história do seu bairro no enredo “Ipiranga, berço esplêndido de um povo heroico”. Amparada por um grande samba, a escola da Vila Carioca foi a responsável por apresentar ao samba paulistano o talento do carnavalesco André Machado. Os problemas, porém, apareceram desde o início. Um dos muitos comissários que recepcionaram D. Pedro, que era a comissão de frente, perdeu sua capa ao longo da Avenida. No carro abre-alas, relembrando a independência, o “próprio” D. Pedro perdeu o manto e um de seus cavalos perdeu uma pata.

Esse abre-alas, aliás, chamou a atenção pela grandiosidade e pelo excelente acabamento. Todo em dourado, com alguns enfeites em verde-e-amarelo, ele não estava muito luxuoso, mas conseguiu ótimo efeito. A Bateria Só Quem É levantou o público com excelentes bossas e paradinhas. A forte chuva que voltava a cair prejudicou muito a escola. A comissão de Frente mesmo, por exemplo, teve o potencial de sua excelente coreografia muito reduzido por conta do peso das capas. André Machado solucionou o problema da verba mais curta com fantasias lindas, ainda que com material mais simples, mas não conseguiu impedir a perda do efeito com a chuva.

Gostei bastante do desenvolvimento do enredo, que explorou muito bem a riqueza histórica do Ipiranga e também o bairro em tempos atuais. O samba rendeu bem, a escola não parecia correr riscos de rebaixamento, mas foi um desfile que poderia render muito mais.

Na sequência, entrou na Avenida a Rosas de Ouro, que apresentou o enredo “Dos campos de Piratininga à Grande Metrópole. A história de São Paulo em monumentos”. A escola balançou as arquibancadas com um bom samba, um desempenho fantástico da bateria e fez um desfile impactante. A comissão de Frente, por exemplo, foi das mais impressionantes de 2004, com índios em bronze simbolizando o encontro com os jesuítas. A grande sacada é que o carro abre-alas espalhava uma fumaça. Assim, vista de frente, quando os dançarinos ficavam estáticos, a comissão de frente parecia um quadro. Dos mais bonitos, por sinal. Enfim, um show.

O abre-alas decepcionou um pouco, estava bastante pobre e de difícil entendimento, apesar da bela oca que vinha na parte traseira. O conjunto visual como um todo, por sinal, não me agradou por dois motivos. O primeiro é o excesso de fantasias muito pesadas, que além de prejudicar a evolução (aliás, esse foi outro ponto negativo do desfile, até pelo excesso de componentes da Roseira), quebrou um pouco o efeito da escola, uma vez que outras alas vinham praticamente sem fantasias. O segundo foi o excesso de cor. Todas as fantasias estavam muito coloridas e as alas pareciam se embolar.

O acabamento estava excelente, mas o desfile melhorou muito quando as fantasias foram menos coloridas, nos setores finais. As alegorias do carnavalesco Fábio Borges tiveram uma concepção pouco feliz, mas apresentou um bom acabamento. Também não gostei do desenvolvimento do enredo, que ficou bastante confuso. Por outro lado, devo destacar que foi um dos mais animados desfiles de 2004. A escola cantou muito forte, o público correspondeu e a bateria, repito, deu um show. O intérprete Dom Marcos também teve um grande desempenho. A Roseira ainda podia alcançar uma boa colocação, mas o título parecia muito difícil.

A quarta escola da noite foi a Vai-Vai, que apresentou o enredo “Quer conhecer São Paulo? Vem no Bixiga pra ver…”. Contando novamente com o intérprete Agnaldo Amaral no microfone principal, a escola veio alegre, sacudindo as arquibancadas com um enredo sobre o seu bairro, o italianíssimo e emblemático Bixiga. Gostei da coreografia da Comissão de Frente, que tinha uma bela dança e formava, quando unidos os dançarinos, a Coroa da Vai-Vai, o orgulho do Bixiga. A chuva também atrapalhou um pouco a escola, mas, ainda assim, foi um desfile bem abaixo das tradições da Saracura.

O abre-alas, por exemplo, estava bastante pequeno e, à parte a bela coroa e os efeitos pirotécnicos, não chamou a atenção do público. As fantasias em tom mais claro estavam muito bonitas, com destaque para a da Colonização Portuguesa e a do Rio Saracura. Gostei do desenvolvimento do enredo por parte do carnavalesco Lane Santana, com uma preocupação muito grande para não cair no lugar-comum, especialmente nos primeiros setores. No entanto, o conjunto visual como um todo foi um pouco decepcionante. As fantasias não estavam muito luxuosas, algumas pareciam se repetir e, em muitas, faltou clareza. A divisão cromática também não favoreceu muito, principalmente porque foi um desfile predominantemente claro, com intervenções, digamos, pouco felizes das cores mais escuras.

Se as alegorias mantiveram um padrão decepcionante em concepção e acabamento, outro destaque ficou por conta das alas coreografadas, que provocaram uma quebra interessante na sequência do desfile. Aliás, foi até importante porque havia um espaçamento muito grande entre as alegorias, o que também prejudicou o conjunto visual. A bateria de Mestre Tadeu garantiu o bom rendimento do samba, anulando uma atuação pouco inspirada de Agnaldo Amaral. Enfim, foi um desfile bastante irregular, que poderia até render à Vai-Vai uma boa colocação. Poderia porque, no final, o excesso de componentes prejudicou e a escola correu bastante para fechar no tempo.

Depois da decepcionante apresentação da Escola do Povo, a Leandro de Itaquera abriu o desfile “São Paulo, 450 anos. No palco da cultura que artista sou eu?”. O carnavalesco Anderson Paulino, para exaltar a diversidade cultural da Capital Paulista, usaria pela primeira vez de um expediente que apareceria com certa frequência em anos seguintes: as polêmicas representações de cenas de sexo em alegorias. A abertura, porém, foi mais suave, e trouxe componentes que simbolizavam Carnavais passados da escola. Ao centro, uma porta-bandeira carregava uma bandeira da Cidade.

O abre-alas chamou a atenção pela grandiosidade, mas pecou pelo excesso de informação. Chamado de “Abrem-se as cortinas”, tinha boas esculturas, mas que ficaram muito amontoadas. O desenvolvimento do enredo não me agradou muito, a parte da arte ficou um pouco escondida em meio a pontos ligeiramente clichês como a miscigenação (o enredo, em suma, pretendia classificar negros e índios como artistas que pisaram nesse “palco” que é São Paulo). O samba era excessivamente cadenciado – e olha que ainda foi bem acelerado na Avenida – e não rendeu bem, enquanto as fantasias estavam bem mais simples em termos de concepção que nos anos anteriores. Gostei apenas da ideia de trazer a bateria com duas fantasias diferentes.

A evolução foi muito apressada e confusa, mas a harmonia, apesar dos problemas do samba, cumpriu bem seu papel. Nisso, contribuiu a sempre firme Batucada do Leão de Mestre Adamastor. De maneira geral, foi um desfile tecnicamente fraco com momentos de muita empolgação, como as representações de capoeira que vieram à frente do segundo carro. Quando o enredo entrou nos eixos e abordou a arte, o desfile melhorou bem, embora as alegorias tenham piorado muito, mas, ao contrário dos outros anos, a Leandro não podia nutrir grandes esperanças para a apuração.

imperio2004Depois da excelente estreia de 2003, que inexplicavelmente quase fez a escola voltar para o Grupo de Acesso, a Império de Casa Verde tentou surpreender com o interessantíssimo enredo “O novo espelho de Narciso. Um delírio sobre os heróis da mitologia paulistana”. A azul-e-branca não só apresentou uma enorme evolução em relação ao ano anterior, como se colocou na briga pelo título com uma apresentação maravilhosa.

Gostei muito da comissão de frente, chamada “Paulicéia Desvairada”, que trazia grandes nomes do modernismo representados através dos dançarinos. Pela primeira vez, a Império apresentou algumas das características que seriam suas marcas. A primeira delas era o samba mais cadenciado, que ganhava sempre um bom acompanhamento da Bateria Arame Farpado e que foi muito bem cantado por uma escola ainda abalada pela perda de seu patrono, Chico Ronda no final do ano anterior. A segunda, e principal delas, é o gigantismo de suas alegorias que, anos mais tarde, surpreenderiam a todos ano após ano e faria o Carnaval de São Paulo ser colocado pela primeira vez em um comparativo mais sério com o do Rio de Janeiro.

Mas, voltando a 2004, o abre-alas da Império de Casa Verde foi, com certa folga, o mais espetacular do ano. Dois gigantescos tigres eram acompanhados por não menos grandiosos dragões, coroas e máscaras que simbolizavam a fundação de São Paulo. O impecável acabamento ainda foi valorizado por uma chuva de prata. O enredo era dos mais brilhantes e traçou um paralelo sensacional entre a história de São Paulo e a mitologia grega.

A exuberante fantasia do casal de mestre-sala e porta-bandeira também levou a Império a ser a melhor do ano no quesito. O terceiro carro, todo escuro, e que representou a ditadura militar e a luta contra a mesma no Estado, também foi brilhante. O único ponto negativo do desfile foi o contraste entre essas duas alegorias, o abre-alas e o terceiro carro, e as outras duas, de acabamento mais pobre. Ainda assim, a Império de Casa Verde fez, com sobras, mas com muitas sobras mesmo, o melhor desfile do ano até aquele momento.

mocidadealegre2004Penúltima escola, a Mocidade Alegre tentava quebrar um jejum de 21 anos sem título com o enredo “Do Além-Mar à Terra da Garoa… Salve Esta Gente Boa”. O grande destaque do desfile da Morada do Samba foi a comissão de Frente, que apresentou os imigrantes como lagartas e São Paulo como uma enorme borboleta. Com uma bela coreografia, a Morada conseguiu um ótimo cartão de visitas. Por outro lado, o abre-alas, um enorme barco com bandeiras de muitos países que cederam imigrantes ao Brasil, decepcionou pelo acabamento simples e pelo pouco luxo.

O enredo foi desenvolvido com correção e clareza. As fantasias estavam bem acabadas, de fácil entendimento, a divisão cromática, especialmente nos setores finais, foi perfeita e, apesar de não ser tão bom quanto o de 2003, rendeu bem em mais um grande desempenho da bateria de Mestre Sombra. Apesar do decepcionante abre-alas, a Mocidade apresentou as alegorias mais bem concebidas daquele Carnaval. Com um acabamento impecável, a escola encantou com a segunda alegoria, que apresentava o trabalho dos imigrantes nas lavouras do café, e levantou o Anhembi com a terceira, que tratava dos bondes.
mocidadealegre2004b

Com grande empolgação, a Mocidade evoluiu muito bem, cantou forte e não teve problemas em sua apresentação. Foi mais um desfile de muita emoção e, ao mesmo tempo, impecável tecnicamente. A escola apostou ainda em algumas alas coreografadas e em referências diretas e de fácil leitura sobre os países que buscava retratar. O quarto carro, que trouxe o metrô e a Estação da Luz, tinha uma concepção um pouco confusa, mas foi bem executado. Já no amanhecer, a escola fechou o desfile com uma alegoria de gosto duvidoso, com os “Guardiões Paulistanos”, mas, ainda assim, a Mocidade se colocou na briga pelo título, embora a Império de Casa Verde tenha sido superior no conjunto.

nene2004Para encerrar, a Nenê de Vila Matilde conseguiu uma boa apresentação com o enredo “A Águia Voa Para o Futuro, que legal! É Bienal no Carnaval”. Apesar do enredo um pouco confuso e de desenvolvimento complicado, a escola conquistou o (bom) público ainda presente no Anhembi com um desfile que aliou luxo e leveza. A plateia respondeu muito bem ao samba, que podia não ser brilhante, mas era simples de cantar. Para manter a boa comunicação com os torcedores, a Nenê espalhou papéis colorados ao longo do desfile, para deleite de quem ficou até o fim no Anhembi.

Os carros estavam muito bem acabados e tinham belas esculturas. As fantasias, simples e em tons mais claros, permitiam uma boa evolução dos componentes e a escola passou alegre. Não foi uma apresentação de muitos momentos marcantes, mas, quesito a quesito, foi um desfile sem muitos erros e que dava à azul-e-branco boas expectativas. Em todo caso, foi um bom encerramento para um Carnaval de bons e maus momentos.

Ao final da maratona de desfiles, a Império de Casa Verde podia desfrutar de algum favoritismo por sua superioridade, seguida de perto pela Mocidade Alegre, enquanto X-9 Paulistana e Nenê corriam por fora. A Liga/SP tratou de anunciar rapidamente que mantinha o regulamento com rebaixamento de duas escolas, afastando assim os boatos de que, por conta dos problemas da Gaviões, mais uma vez ninguém cairia. Assim, a Fiel Torcida teria de remar muito para recuperar esses oito pontos, tal como a Barroca Zona Sul, que saiu mesmo com dois pontos a menos.

Ao final do primeiro quesito, Fantasia, Águia de Ouro, Vila Maria, X-9, Rosas, Império de Casa Verde e Mocidade somaram 20 pontos. A situação se manteve até o terceiro quesito, alegoria, quando a X-9 perdeu seu primeiro meio ponto. Diga-se de passagem, apenas Império e Tatuapé levaram quatro notas 10 no quesito. No quesito comissão de frente, foi a vez da Águia de Ouro perder meio ponto pela primeira vez, deixando Vila Maria, Rosas, Império e Mocidade com 80 pontos.

Esse empate persistiu até o oitavo quesito, onde todas essas quatro chegaram com todos os 140 pontos possíveis. Mocidade e Império somaram os 20 pontos de evolução (a Morada com um 9,5 descartado e a azul-e-branco com um 9 que não foi validado), mas a Vila Maria levou três 9,5 e apenas um 10, assim como a Roseira. O quesito também marcou o fim das esperanças da Gaviões de se manter no grupo, já que a escola levou um 10, um 9 e dois 8.

No nono quesito, harmonia, as duas, Mocidade e Império, continuaram sem perder pontos (a Império com um 9,5 descartado) e chegaram ao último quesito, bateria, empatadas com 180 pontos. Na primeira nota, as duas levaram 10, mas, nas duas seguintes, a Império foi penalizada com um 9 (descartado) e um 9,5, garantindo assim o título da Morada do Samba com 200 pontos. No desempate, a X-9 levou o vice-campeonato com os mesmos 199,5 da Império, que foi seguida por Nenê, Rosas, Vila Maria, Tucuruvi, Águia de Ouro, Tatuapé e Camisa, que iriam para o Troféu SP 450 Anos.

A Vai-Vai amargou apenas um 11º lugar, seguida da Leandro de Itaquera, Imperador do Ipiranga e Barroca Zona Sul, que se salvou do descenso com 190 pontos (sem a perda de dois pontos superaria a Leandro), contra 186,5 da Peruche, que caiu ao lado da Gaviões da Fiel, que somou 185,5 (e também ficaria à frente da Leandro se não fosse punida). Subiram a Mancha Verde, oriunda da Torcida Organizada do Palmeiras, e a Tom Maior. A Mocidade ainda faturou o Troféu SP 450 Anos, seguida pela Império de Casa Verde e por Nenê e Mancha, que empataram em terceiro.

Curiosidades

– A Globo manteve sua equipe de transmissão em São Paulo. Chico Pinheiro e Renata Ceribelli transmitiram os desfiles com comentários de Maurício Kubrusly e Leci Brandão.

– Pela primeira vez na história, os desfiles das escolas de samba do Grupo de Acesso e os desfiles das campeãs foram transmitidos para todo o Brasil. Em parceria com a TV Globo, envolvendo inclusive o uso de equipamentos utilizados pela emissora carioca na sexta e no sábado, a TV Cultura exibiu os desfiles das sete escolas do segundo grupo no domingo de Carnaval.

– 16 escolas é o recorde do Grupo Especial até os dias de hoje. A marca seria igualada em 2005 e 2006, mas apenas em 2005 todas elas competiram.

– O carnavalesco Lane Santana, estreando na Vai-Vai e em São Paulo, prometia uma grande surpresa na alegoria sobre a Festa de Nossa Senhora da Achiropita, no Bixiga. Ele fez um grande alarde, chegou a dizer que podia sair da Avenida preso, mas o público não esboçou nenhuma reação aos homens sambando fantasiados de padre.

– O 11º lugar é, aliás, o pior resultado da Vai-Vai em todos os seus 84 anos de história.

– Estreia do carnavalesco André Machado no Grupo Especial. Depois da Imperador do Ipiranga, ele passaria pela Nenê de Vila Matilde e pela Pérola Negra, onde se consagraria como um dos mais competentes carnavalescos da cidade. Em 2015, estreia na X-9.

– A ideia inicial do carnavalesco Anderson Paulino, antes da definição do tema único, era desenvolver um enredo sobre camisinhas, assim como a Grande Rio de Joãosinho Trinta no Rio de Janeiro.
– Estreia do intérprete Carlos Júnior na Império de Casa Verde. Leandro Alegria cantou pela primeira vez no Grupo Especial, pela Unidos do Peruche.

– Patrono da azul-e-branco da Casa Verde, o bicheiro Chico Ronda havia falecido no final de 2003. Os versos do samba, “tudo o que toca vira ouro / mas morre sem poder aproveitar” acabaram, numa dessas coincidências da vida, virando uma homenagem a ele, que levou a Império a ter o padrão de luxo que foi apresentado na Avenida, mas não pôde ver.

– O intérprete da Águia de Ouro, Serginho do Porto, mandou um “alô” para Louro José, o papagaio de Ana Maria Braga, na faixa da escola no CD oficial.

– O Camisa voltaria a comemorar uma “data cheia” em 2014. Mas não foram 60 anos, não. A escola resgatou o nascimento do Grupo carnavalesco Barra Funda, em 1914, que deu origem à escola, para comemorar seu primeiro centenário.

– Em um surto de humildade impressionante, o presidente da Gaviões da Fiel respondeu às provocações da Mancha Verde, que conquistou o acesso, da seguinte maneira: “Em 12 anos fomos campeões do Grupo Especial quatro vezes. Seremos sempre superiores”. Ronaldo Pinto ainda minimizou a queda: “Pior que perder o Carnaval é o Corinthians perder um campeonato”.

– Foi o fim da mais longa passagem da Gaviões na elite do samba paulistano até os dias atuais. Foram 13 desfiles e quatro campeonatos, todos os que a escola possui até hoje.

– Último desfile do intérprete Dom Marcos no Grupo Especial de São Paulo. O grande cantor e compositor fez história na Nenê de Vila Matilde e cantou, naquele Carnaval, ao lado de Polenghe na Rosas de Ouro. Ele também é responsável por compor um grande número de sambas que foram para a Avenida, o principal deles o histórico de 1981 do Cabeções de Vila Prudente – que interpretou ainda na Avenida Tiradentes. Seu filho, Dom Júnior, tem se destacado no início de carreira cantando em grupos menores.

– Último desfile do intérprete Vaguinho pela Leandro de Itaquera. A partir de 2005, ele cantaria apenas na Mancha Verde.

– Carnaval que marcou a estreia de duas mulheres no comando de duas escolas de samba que se tornariam, sob suas gestões, as mais fortes da cidade. Angelina Basílio assumiu a Rosas de Ouro após a morte do pai, Seu Basílio, e Solange Bichara chegou ao comando da Mocidade Alegre substituindo a irmã Eliane Bichara, que também havia falecido em decorrência do diabetes (e não de um câncer, como dito na última coluna).

– Depois da comitiva petista em 2003, a Prefeita Marta Suplicy optou por convidar quase uma centena de artistas de certa relevância para o Camarote da Prefeitura no Anhembi. Um dos poucos políticos presentes, o então Ministro dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda, ficou bastante insatisfeito ao ver o bingo, recém-proibido pelo Governo, como uma das opções de lazer dos paulistanos apontadas pelo desfile da Tatuapé.

– Naquele ano, Marta nomeou a Passarela do Samba com o nome do grande sambista Adoniram Barbosa.

– Tal como em 2003, escolas de samba vencedoras de desfiles do interior foram chamadas para desfilar entre as campeãs da União das Escolas de Samba Paulistanas no Anhembi. Não encontrei nenhum registro na internet, mas me lembro bem que o GRES Independência, escola daqui de Atibaia que até o ano anterior tinha meu vô como uma espécie de patrono – com direito a garagem de casa servindo de barracão -, esteve entre essas escolas. Foi a sétima conquista seguida da escola em sete desfiles, em uma sequência que só seria quebrada em 2014.

Vídeos

O grande desfile da Gaviões
https://www.youtube.com/watch?v=DhiTE9jidak

…E os problemas que culminaram em seu rebaixamento
https://www.youtube.com/watch?v=DhiTE9jidak

O grande desfile da X-9
https://www.youtube.com/watch?v=EAFx5rQkAew

A boa reestreia da Imperador
https://www.youtube.com/watch?v=_fbYT-WUW6g

O extraordinário desfile da Império de Casa Verde
https://www.youtube.com/watch?v=ZgsK1XBCoZM

A campeã Mocidade Alegre
https://www.youtube.com/watch?v=wEyJHsUzMd0

23 Replies to “Bodas de Prata – 2004: Mocidade enfim é campeã, e Gaviões é rebaixada após desastre”

  1. Leonardo , houve sim grande melhora , como no ano 2000… Cada escola recebeu 450 mil a mais pra fazer SP , valor que não foi incorporado pra 2005 e 2006….

  2. 2004, acredito eu que foi o primeiro ano que vi todas as escolas sem tirar cochilos pelo meio do caminho, risos.

    Acho esse ano, o melhor ano em termos de safra de sambas-enredo, Mocidade, X-9, Império, Vai-Vai, Rosas, Gaviões e o grande samba da Imperador formam uma excelente safra de sambas.

    Mocidade: JUSTÍSSIMO campeonato, que me perdoa você Leo, mas ninguém tiraria a taça da Mocidade, um desfile de samba no pé, que retratou a São Paulo de todos, que coisa maravilhosa que foi a bateria nesse ano, além disso o samba era excelente e tinha um refrão muito bom e que contagia a todos. “Parabéns, Terra da Garoa”

    PS: Que fase vivia Nani Moreira, que fase amigos, risos.

    X-9 e Império: desfiles técnicos que vieram pra ganhar acredito que a Império merecesse mais o vice que a X-9, mas no todo acho até aceitável.

    Rosas e Vai-Vai: desfiles parecidos, mas o segundo com muito mais problemas que o 1°, um ano para não ser lembrado por ambas, especialmente pela escola do Bixiga.

    Leandro: Merecia cair, foi pior no todo que a Gaviões, e olha…

    Imperador: Merece um destaque aqui no comentário, pois fez um bom desfile e de um antológico samba, esse samba ficou marcado na minha memória

    Gaviões da Fiel: Um capítulo à parte, eu acreditava que estava vendo a Tricampeã, na verdade eu vi a Tricampeã, o desastre, a confusão não vão apagar o que eu vi, a Gaviões era a tricampeã em 2004, um desfile simplesmente apoteótico que terminou de forma inesquecível só que de tristeza. Uma verdadeira pena.

    PS2: Minha vó corinthiana e apaixonada pelos Gaviões, chorava copiosamente após o fim do desfile e a tragédia consolidada.

    No mais, um carnaval muito bom, de enredos de abordagens até distintas mas que no fundo exaltavam o orgulho de ser paulistano e morar em São Paulo

    PS3: Com o título do Troféu 450 anos, brinco dizendo que a Mocidade Alegre é a única supercampeã do carnaval paulista, risos.

    Pra finalizar, aguardo com ansiedade 2005, que vem junto com o que é pra mim, o melhor samba-enredo que eu JÁ VI no Anhembi.

        1. Não sou profundo conhecedor dos sambas paulistas, mas pra mim os dois melhores da história são Cabeções de Vila Prudente 81 e Leandro 89

          1. Eu acho que na era pré-Anhembi, são os melhores mesmo, talvez da história também, mas o samba da Rosas de 2005 é algo totalmente fora da curva pois poucas vezes vi uma escola tão bem consigo mesma como naquele ano, todos os componentes se viam no enredo e por tabela no samba, foi um espetáculo.

          2. E abriu mesmo!! Os diretores e o carnavalesco da Rosas botaram Iemanjá no fim do desfile (abre caminho??) e abriu mesmo… o da Império de Casa Verde, que foi a campeã.

            Sobre os sambas, junte-se a esses dois (Cabeções 81 e Leandro 89), na minha modesta opinião, Mocidade 2007, Vai-Vai 2011 e Gaviões 1995 como os melhores do Carnaval paulistano, nos mesmos critérios que eu usei para criar minha lista particular no Rio: sambas que ficam na cabeça do povo e/ou levam ao título!!

  3. Ao contrário do que vc diz, acho a safra de sambas de 2004 maravilhosa (e olha que sou mto crítico a isso), pois tirando o samba da Águia, todos são bem agradáveis, o da Tucuruvi um pouco menos, e os sambas da Imperador (principalmente) e Peruche são maravilhosos! Outros excelentes como Vila Maria, Barroca, Leandro, Vai-Vai, Império e Mocidade. No mais é isso aí, Mocidade foi a melhor e mereceu, enfim, seu título! Foi nesse desfile que a Nani começava a se destacar, quando mudou sua fantasia durante o desfile e tocou o tamborim o restante dele! O vice era pra ser da Império, que fez uma apresentação espetacular (lembro de um comentário numa rádio na manhã do domingo “a caçulinha assustou as gigantes”, e foi bem por aí msm… Perdeu onde tinha que perder, pq a Bateria teve um problema na hora de entrar no recuo… X-9 como sempre pecado no visual (ao contrário do que vc diz rs), mas foi uma boa apresentação. Acho que o 3º lugar deveria ser da Rosas de Ouro, que foi mto bem! Tb gostei da Nenê, que seria msm minha 4ª colocada, mas à frente da X-9. Vila Maria seguia na sua evolução impressionante! Tucuruvi mais uma vez agitando minha manhã de sábado de carnaval, como no ano anterior hehe… Surpresa agradável a Tatuapé com sua CF de tatus! :D
    O Waguinho deveria sair preso do Anhembi pelo o que fez com o bonito samba, uma aceleração altamente desnecessária… Vai-Vai mais uma vez decepcionou… A Globo não mostrou o início da Peruche, pq começou cedo pra ela rs
    E sobre a Gaviões, bom, grande desfile, estava arrebentando, mas uma fatalidade acabou para sempre com akela Gaviões de respeito! Até hj ela tenta recuperar o prestígio perdido e aquela competência… Mas assim como a X-9 em relação ao ocorrido em 2002, a Gaviões ainda não superou 2004, infelizmente, pq eu gostava muito dela!
    E no Acesso, desta vez não teve jeito, depois de tanto bater na trave a Mancha subiu!

    1. Safra 2004 eu gosto apenas de Gaviões, Imperador e Tucuruvi, sendo que só os dois primeiros são muito bons. Acho bem fraquinha. E esse desfile da Roseira eu não acho tudo isso não.

      1. Eu concordo com o Will, e discordo totalmente de vc, quando disse que a safra de 2004 é uma das piores da história, eu já acho que é uma das ultimas safras boas de samba que tivemos em SP, 2004 só sambão, Imperador e Peruche então, nem se fale

  4. Teve alguns equívocos seus no belo texto:
    – Não foi a 1ª vez que Anderson Paulino trouxe encenações de sexo nos seus desfiles, em 2003 isso já havia ocorrido e chamado bem a atenção… Falando nisso, o ápice do exagero seria em 2010 rs;
    – André Machado tb esteve na Império de Casa Verde, onde fez o belíssimo carnaval de 2008;
    – E além da Mancha Verde, Waguinho tb cantaria na Vai-Vai (2007) e na Tatuapé (2013 e 2014)
    – E o nome Adoniram Barbosa foi adicionado ao nome oficial do Sambódromo no sábado de carnaval de 2003, naquela noite o Chico Pinheiro fala sobre isso algumas vezes…

    E como uma curiosidade: Foi a primeira vez que as duas noites foram julgadas pelos mesmos jurados, pq entre 2000 e 2003 havia o absurdo de cada noite ter jurados diferentes…

    1. As cenas de sexo de 2003 eu confesso que não lembrava, 2010 foi absurdo.
      Quando falei do Vaguinho, usei o “apenas” porque, em 2004, ele cantou na Leandro e na Mancha. Aí a Mancha subiu, ficou só lá.
      Nossa, podia jurar que tinha lido no Acervo Folha de 2003 a mudança do nome. Então foi no de 2004, falhei. Aliás, achei que esse negócio dos jurados tinha sido em 2005.
      Valeu!

  5. Leonardo Dahi, a gente critica o samba da Águia (e com razão), mas advinha quem ganhou o Prêmio de melhor samba naquela premiação do Troféu 450 anos??? HAHAHA

    1. Sim, Will! Eu lembrava disso, mas não coloquei porque não encontrei na internet. Absurdo total. risos

  6. O Leo tem um gosto curioso pra samba… rs é quase unanimidade que essa safra foi a última boa em SP. Sambaço da Nenê com uma melodia toda sinuosa, Imperador, Peruche, Vai-Vai, Camisa, Gaviões, Mocidade, Leandro, X-9 Paulistana.

  7. Não vi falta de acabamento no abre-alas da Mocidade, ao contrário, foi a partir de 2004 que a Mocidade começou a fazer carros muito bem acabados. A escola diminuiu bastante o tamanho dos carros e os mesmos vieram com excelente acabamento e muito bom gosto. O samba é ótimo, muito bom.

    Acho que a o Império de Casa Verde foi a única que poderia atrapalhar o título da morada depois do acontecido com a Gaviões.

  8. Semelhanças com a Viradouro-1992 não são meras coincidências. Os motivos? Cada um na sua. Bom, quem mandou o Max Lopes desdenhar dos ciganos?? E quem mandou a Gaviões (dizem) colocar na avenida um carro que já tinha problemas desde a concentração?

    Só que para a Gaviões significou o rebaixamento. E nunca mais a escola voltou a ser a mesma.

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