Finalmente as 15 agremiações do Grupo de Acesso A, a chamada Série A, escolheram seus sambas-enredo para o Carnaval 2015. E a safra recém colhida é a melhor dos últimos anos no grupo, com mais da metade dos sambas de boa ou ótima qualidade, o que faz prever uma dura briga pelo Estandarte de Ouro e, provavelmente, pela subida ao Especial de 2015.

Vamos à análise dos sambas:

Império Serrano – O craque Arlindo Cruz, com seus parceiros Lucas Donato, Alex Ribeiro, Andinho Samara, Rogê, Carlos Senna, Beto Br, Zé Glória, Wagner Rogério e Chico Mattos, emplacou seu décimo samba na agremiação da Serrinha. “Poema aos peregrinos da fé” é um enredo com semelhanças em relação ao ótimo tema de 2006 (“O Império do Divino”) e, assim como há nove anos, quando Arlindo foi um dos autores do excelente samba, a nova obra alia melodia contagiante e letra com ótimos momentos , como nos versos “Por todos os cantos, com todos os santos / Valei-me Padim Ciço, Oxalá Nossa Senhora“. Mas um trecho que me chamou muito a atenção, por causa do atual momento da escola, foi o que podemos chamar de convocação aos imperianos de fé: “Hoje a fantasia é o manto / Nossa sinfonia um encanto / Meu samba nunca vai morrer“. Se isso será suficiente para fazer a querida escola de Madureira voltar ao Grupo Especial não sabemos. Mas de novo o Império estará muito bem servido de samba.

Renascer de Jacarepaguá – Outro dos grandes sambas do Acesso em 2015 é o da agremiação da Zona Oeste. Sem promover uma eliminatória para conter custos, a Renascer encomendou a obra aos brilhantes Claudio Russo, Teresa Cristina e Moacyr Luz. O resultado foi ótimo e o grande Candeia terá uma homenagem à altura, e que, dependendo de como a preparação plástica do desfile transcorrer, pode deixar a escola como uma das favoritas ao campeonato. A letra consegue descrever com extrema competência a trajetória de Candeia sendo poética e sugestiva. O minirrefrão “O mar serenou n’areia / Candeia! Candeia!” é contagiante, e o refrão principal é ainda mais vibrante: “Axé! Candeia, axé! /A luz do quilombo no chão do terreiro / Axé! irmão de fé! /Orgulho do sambista brasileiro”. A melodia é forte na medida certa, mas sem ser pesada mesmo quando fala de orixás, o que é difícil conseguir.

Estácio de Sá – A parceria do veteraníssimo cantor Dominguinhos (e seus parceiros Tinga, Merica, Adriano Ganso e Dani Maroneze) levou a melhor nas eliminatórias e o Carnaval foi brindado com um ótimo samba-enredo sobre os 450 anos do Rio de Janeiro. A melodia é clássica e a letra prima por fugir de clichês óbvios, com soluções bastante poéticas como nos sensacionais versos “O pôr do sol mais dourado / Deita-se na Guanabara / Dorme entre o mar e a montanha / Nos braços do criador”. Para resumir: o samba sai do bairro do Estácio, passa pelos principais pontos do Rio e lembra paixões do carioca como o futebol e o próprio Carnaval, exaltando a tradicional escola. Aos 73 anos, Dominguinhos terá o prazer de cantar o próprio samba na avenida ao lado do competente intérprete Leandro Santos, que também fará parte do carro de som da Estação Primeira de Mangueira.

Acadêmicos do Cubango – Uma das escolas mais fortes do Acesso nos últimos anos, a agremiação de Niterói volta a ter um samba-enredo de ótima  qualidade. O enredo “Cubango, a realeza africana de Niterói” é muito interessante e lembra a origem do nome Cubango no ano da África em Niterói. A parceria capitaneada pelos multicampeões mangueirenses Lequinho, Júnior Fionda e Igor Leal saiu vencedora com justiça. A letra lembra a dura viagem dos africanos para o Brasil, parte deles de uma província de nome Cubango. Gosto muito do trecho “Aqui chegou, aos olhos da lei clandestino / Mudando de vez seu destino / Um novo caminho brilhou / Em nossa terra a semente germinou”. Para completar, a melodia é fortíssima como pede o enredo e não cai em nenhum momento.

Império da Tijuca – Depois do injusto rebaixamento no Grupo Especial, o Imperinho tenta o retorno com o samba de Bola, Dudu, Marcão Meu Rei, Gallo e Alexandre Alegria. Mais um belo samba, diga-se de passagem. O enredo homenageia Oxum, orixá que reina sobre a água doce dos rios. O resultado foi muito bom, com letra e melodia qualificadas. Gosto muito da virada de ritmo antes do excelente trecho “Como é bom te ter a Formiga é você / O samba em oração é nossa voz? Rogai por nós”, que faz bela condução ao refrão principal . Apenas me preocupa um pouco alguns trechos do samba com palavras ditas rapidamente, o que pode ser complicado em termos de harmonia se a bateria estiver muito acelerada.

Inocentes de Belford Roxo – A agremiação da Baixada foi outra que encomendou samba ao grande compositor Claudio Russo e seus parceiros Almir Há Há, Altamiro, Chiquinho do Bar, Helio Porto, Manelão, Paulo, Ricardo Barbosa, Sidnei Pinto, Tico do Gato, Vinicius Ferreira, Abílio Mestre-Sala e Juruna Zona Sul. O resultado, a exemplo do que aconteceu com a Renascer, foi muito bom e o compositor Nelson Sargento terá uma homenagem à altura. Gosto muito de todo o samba, sobretudo do trecho “O sargento refinado / Por talento na essência / Digno da mais alta patente, / Das vielas sua gente vem prestar a continência”. Pelo que se ouve nos bastidores, a escola está se preparando com muito esmero, o que a coloca como uma das mais cotadas a brigar pelo título.

Unidos de Bangu – A escola da Zona Oeste subiu para o Acesso A e chega com bom samba para 2015. A obra de Serginho Aguiar, Dudu Senna, Bruno Ferraz, Muido da Bahia, Wallace Harmonia, Diego R., Leozinho Nunes e Allan Santos tem melodia dolente e letra bem descritiva para o enredo “Imperium”, que passará pela história da humanidade com a mistura de mitologia e realidade. Achei muito interessante a virada depois do refrão central, que no samba das eliminatórias teve excelente atuação de Bruno Ribas. O refrão principal também é bem agradável, com os sintomáticos versos “Vem sentir meu calor / cheguei pra ficar”. Será? Pelas informações de bastidores, os trabalhos no barracão vão bem, obrigado. A conferir!

Paraíso do Tuiuti – O enredo sobre Hans Staden rendeu um samba agradável, que poderia ser um dos melhores em outras safras do Acesso, mas nem tanto na nivelada (por cima) safra de 2015. A melodia da obra de Anderson Benson, Leandro RC, Minueto, Flazil Câmara e Flavinho Segal é dolente e a letra bem descritiva. Como bem escreveu o Migão no artigo de quarta-feira, tomara que a bateria não acelere o andamento, pois uma compreensão poderia ficar comprometida. É mais um dos bons sambas da safra.

Unidos de Padre Miguel – Depois do excelente desfile em 2014, a agremiação apostou numa homenagem ao recém-falecido Ariano Suassuna e, depois de uma longa (coerentemente, é bom que se diga) sinopse, escolheu um samba qualificado. A trilha assinada por JR Beija-Flor, Ribeirinho, Toninho do Trailer, Cabeça do Ajax, Diego Rodrigues, Lauro Silva, Carlinho e W. Correia mostra bem o que o enredo propõe, ou seja, a luta do povo nordestino para superar as intempéries do dia a dia. A melodia tem variações, com a primeira parte se sobressaindo em relação à segunda. Mesmo sem aquela explosão, é um samba correto.

União do Parque Curicica – Esperava-se um pouco mais da safra, já que o enredo sobre Arlindo Cruz, Martinho da Vila e Monarco é de excelente leitura e apenas seis sambas concorreram. No fim das contas, ganhou com justiça a parceria formada por Arlindo Neto, Léo Guimarães, Ronaldo Nunes, Marcelinho Moreira e João Diniz, que fizeram um samba agradável, sobretudo na segunda parte, mais dolente. Mas no conjunto ficou um degrau abaixo dos melhores sambas do grupo.

Em Cima da Hora – Havia expectativa pelo samba da escola de Cavalcante após a bem-sucedida reedição de “Os Sertões” e o resultado, como se diz no popular, deu pro gasto. O enredo sobre a influência árabe no Rio de Janeiro e o S.A.A.R.A. terá uma trilha sonora correta tanto em melodia como letra, mas sem refrões explosivos. Numa ótima safra como a de 2015, o samba de André Kaballa, Carlos Botafogo, Gláucio Guterres, Alexandre Gordão e Gilson acaba não tendo um grande destaque, mesmo sem ser ruim.

Acadêmicos de Santa Cruz – O saudoso Grande Otelo será o homenageado pela Verde e Branco da Zona Oeste e a escola fez seu melhor samba em anos. Não que a obra de Zieco Santa Cruz, Roni Remandiola, De Araújo, Marquinho Beija-Flor, Zé Glória e Dudu da Tijuca seja brilhante como os sambas de outras agremiações, mas letra e melodia são bastante corretas. Só não achei os refrões dos mais inspirados, embora também adequados ao enredo.

Unidos do Porto da Pedra – A escola de São Gonçalo terá um enredo sobre a luz, mas, com o perdão do trocadilho, faltou um samba mais iluminado. Não que seja um samba trash, mas nem a letra nem a melodia têm momentos dos mais inspirados, assim como os refrões também não são explosivos. Mas é uma obra que deve cumprir tabela e passar a mensagem do enredo.

Caprichosos de Pilares – Depois de uma eliminatória complicada, na qual os sambas foram modificados a pedido da diretoria, lamentavelmente a querida escola não conseguiu ter um dos bons sambas da safra com o enredo “Na Minha Mão é + Barato”. O ótimo cantor Thiago Brito dá o chamado “plus a mais” no samba na gravação oficial da escola, esticando várias notas como por exemplo no refrão central, mas fica claro que não é uma obra das mais inspiradas. O refrão principal faz uma crítica aos chamados escritórios de samba, o que é adequado à proposta do enredo.

Alegria da Zona Sul – A simpática escola das comunidades Pavão-Pavãozinho e Cantagalo não conseguiu um bom resultado no seu samba. A parceria liderada por Adelson venceu pelo segundo ano consecutivo e isso rendeu chiadeira na hora do anúncio da vitória. O enredo “Kari’oca” pretende mostrar a alegria e o jeito de ser do povo da Cidade Maravilhosa e a letra, bastante coloquial, acabou sofrendo alterações, segundo a escola, para ter a concordância correta ao falar sobre o personagem do tema. O trecho “Acendeu vela para Oxalá / Seu protetor é São Jorge” virou “Acendeu vela para Oxalá / E outra para São Jorge”. Já o refrão central, que era “Curte um funk, é bamba no samba” virou “Curto um funk, sou bamba no samba”. A melodia tem uma levada mais “pra cima” e resta ver como o samba se comportará na voz do experiente cantor Alexandre D’Mendes, que tem características diferentes em relação a Nêgo, que gravou para as eliminatórias.