Na campanha que vai chegando ao fim se discutiu mais o assunto marketing político que em qualquer outra eleição brasileira. Se em 2010 a dúvida era se a oposição tinha chance de derrotar uma candidata apoiada por Lula, desta vez o dilema era como bater uma candidatura planejada por João Santana.

O marketing eleitoral interessou mais aos comentaristas porque neste ano a palavra de ordem foi “desconstrução”. A propaganda negativa passara anos fora de moda, desde que Duda Mendonça proclamou que “quem bate, perde”. O lema foi desprezado nesta campanha em que os candidatos, principalmente Dilma Rousseff, gastaram mais tempo de seu horário político criticando adversários do que fazendo as habituais promessas para o próximo quadriênio.

No fundo, a tática nunca esteve totalmente ausente das campanhas. A grande diferença de 2010 para 2014 foi que, há quatro anos, era José Serra quem precisava bater, e para fazê-lo sem se desgastar, contava com a ajuda dos meios de comunicação. Ainda, na eleição passada Dilma tinha pelo menos a IstoÉ para se defender. Desta vez a revista se alinhou com seus rivais.

duda-mendonçaO caso é que o marketing eleitoral não se limita às táticas de desconstrução dos adversários. Ainda mais importante é seu papel na “construção” da imagem de um político, e esta faceta do trabalho muitas vezes passa despercebida.

Tome-se um momento decisivo da eleição: a campanha de Dilma entregou-se à tarefa de “desconstruir a imagem” de Marina Silva, a começar pela ameaça de que a sugestão de Marina de dar autonomia legal ao Banco Central teria como resultado acabar com a comida na mesa do trabalhador. Todos viram que estava em curso uma estratégia de Dilma de manipular emoções (como o medo) dos eleitores. Não houve, de fato, uma discussão racional sobre as implicações da proposta.

Agora, voltemos à ideia em si. Marina a enunciou logo no primeiro debate, sem entrar em detalhes. Em seguida, foi indagada por jornalistas se seu BC independente teria apenas a meta de controlar a inflação, ou se também teria a missão de manter baixo o índice de desemprego, como ocorre nos Estados Unidos. Marina não soube responder; disse que sua equipe ainda estava elaborando o modelo.

É indiferente se, naquele momento, Marina não havia ainda definido os detalhes de seu programa ou se estava deliberando os escondendo. O que ficou patente é que ela, como Dilma, não estava interessada em “debater propostas”, mas apenas em enunciar slogans que deveriam impulsionar sua candidatura, segundo a desastrada avaliação de seus marqueteiros.

A promessa de dar independência ao BACEN fez parte, ao lado de chavões repetidos ad nauseam como “reunir os bons dos dois lados” e “reconhecer o que houve de positivo nos governos de FHC e Lula”, de um esforço de construção de uma certa imagem para a candidata Marina Silva. Supunha-se que os eleitores votariam em Marina por gostarem desta imagem, não de suas propostas reais de governo, as quais, na realidade, nunca foram explicitadas.

O pano de fundo é o seguinte: TODA publicidade política, ou melhor, TODA PUBLICIDADE apela principalmente a sentimentos, e não à razão. Se não for ao medo, à simpatia, à segurança, à volúpia etc. É assim que se vende qualquer coisa, de pasta de dente a presidentes da república.

oralbUma propaganda da Colgate não tenta explicar por que a composição química deste creme dental seria melhor que a da Oral B. Ela se limita a mostrar o logotipo da Colgate e exibir cenas de esqui aquático, bosques de eucalipto, artistas de televisão e muitas outras coisas que não têm nada a ver com o produto. A finalidade é estimular a associação de ideias e despertar alguma emoção positiva.

Eu poderia acreditar que compro Oral B porque a pasta é melhor. Na verdade, só estou cedendo a um impulso estimulado pela propaganda. Eu tenho consciência de que a Colgate-Palmolive e a Procter & Gamble fazem os comerciais para iludir o meu inconsciente e tomar o meu dinheiro. Como fatalmente acabarei cedendo a uma ou a outra, e como afinal isto me é indiferente, permito-me levar pelo impulso.

Quando tomamos decisões políticas, é usual nos imaginarmos mais racionais do que realmente somos. Mas um bom exercício crítico é questionar: quem paga toda essa propaganda (de todos os candidatos) interessada em despertar nossos sentimentos e nos induzir a apertar o botão de um determinado número?

Para fazer uma analogia com a pasta de dente, quais são as empresas que fabricam os produtos Dilma e Aécio, e que agora pagam a publicidade com a qual eles pretendem me iludir? Quem está para a Marina assim como a Procter & Gamble está para a Oral B?

McDonalds OpeningA publicidade do McDonald’s é exemplar. A personificação da rede, o Ronald McDonald, é um palhaço sorridente que vive num mundo de fantasia a brincar com a Shaky e o Papaburger, e não um executivo de 60 anos que trabalha de terno num escritório envidraçado em Manhattan e nos fins de semana vai de helicóptero para uma mansão nos Hamptons.

As crianças comem Big Mac’s com a primeira imagem na cabeça. Claro que, a partir dos 10 anos, não acreditam mais nela literalmente, mas em algum nível do inconsciente ainda associam os produtos do McDonald’s àquela figura simpática (que obviamente nada tem em comum com a empresa McDonald’s nem com a comida que ela vende). Se pudessem ver a realidade, será que comeriam tanto hambúrguer com batata frita e tão pouca comida que realmente alimenta?

O que Marina tentou fazer na campanha foi associar seu logotipo a um mundo fantástico chamado “nova política”. A contrapropaganda de Dilma, no comercial dos banqueiros felizes em volta da mesa, consistiu em revelar o que, segundo ela, estaria por trás desse quadro ilusório. Ambos os esforços, o de construção e o de desconstrução, foram erigidos sobre uma plataforma de puro marketing.

Qual pasta de dente tem, afinal, a melhor composição? Provavelmente nunca saberemos, e a propaganda já nos acostumou a não nos preocuparmos com isso. Se no mês que vem a concorrente fizer um comercial mais bem feito, trocamos de produto e nem nos lembramos mais do que usávamos antes.