Havia pensado em escrever analisando os resultados, mas o timing passou e ontem as colunas do Leonardo Dahi e do Affonso Romero abordaram bem o tema. O foco deste artigo são os desafios que a presidenta reeleita Dilma Rousseff irá enfrentar nestes próximos quatro anos.

O primeiro deles, obviamente, é a economia. Embora em minha avaliação o quadro não esteja tão ruim quanto alguns analistas apregoam, é evidente que precisa haver alguma ação governamental no sentido de restabelecer a confiança empresarial nos negócios.

Muito do pessimismo, de fundo eleitoral, tende a se dissipar naturalmente, mas se fazem necessários sinais e medidas a fim de melhorar a relação com o empresariado e, especialmente, estimular o aumento da capacidade produtiva. Este aumento da oferta é necessário para impulsionar um novo ciclo de crescimento e atuar como um dos fatores anti inflacionários.

Vale lembrar que existe uma crise mundial e que o Brasil, mal ou bem, convive com uma situação de pleno emprego, ao contrário do que ocorre na maioria dos países desenvolvidos.

1413470936965Outro ponto importante na economia é destravar as obras de infraestrutura, seja através da simplificação dos procedimentos estatais/públicos, seja através de parcerias e concessões. A meu juízo a principal reforma necessária neste aspecto é uma simplificação da Lei de Licitações, a Lei 8.666, que hoje é um entrave significativo ao ambiente de negócios públicos e suas relações com o setor privado.

Também ajudaria neste quadro alguma simplificação tributária. Não creio em uma reforma ampla como panaceia, mas algumas situações específicas merecem atenção a fim de tornar mais simples a cobrança de impostos. Concomitantemente, a diminuição da burocracia necessária para se abrir e fechar empresas também seria importante.

Deve-se ver, também, de que forma o governo irá fazer os reajustes necessários nos chamados “preços administrados”, especialmente combustíveis e energia elétrica. Não acredito em “tarifaço”, mas ajustes graduais certamente serão feitos.

Um efeito positivo a ser observado neste próximo quadriênio é a ampliação da produção de petróleo da camada pré sal, o que irá gerar um aumento da cadeia produtiva relacionada ao setor.Foto: Terra

Outro desafio que o governo irá enfrentar é reconstruir suas pontes com setores da classe média. Não digo aquela tradicional, que é oposição por se sentir ameaçada pelas conquistas engendradas pela chamada “nova classe média”. Este grupo, que tem asco em ver os pobres e aqueles que ascenderam socialmente frequentando os mesmos ambientes, por exemplo, está perdido.

Como exemplo, na semana das eleições ouvi de uma eleitora desta classe o seguinte: “vou votar no Aécio pra acabar esta palhaçada de empregada doméstica ter direitos trabalhistas”. Ou seja, este grupo, que defende a perpetuação da senzala e a segregação social, sempre será oposição – e, na prática, não deve ser atenção prioritária do governo.

Contudo, há um outro grupo da classe média que pode sim ser “reconquistado”, especialmente aquele formado por pequenos e médios empresários e certos nichos de empregados na administração pública, direta e indireta. Existe um sentimento de “injustiça” permeando estes setores e algumas medidas pontuais podem diminuir o mau humor para este segmento.

Como exemplos, uma correção um pouco maior da tabela do imposto de renda por dois ou três anos ou a ampliação do “Simples” para faixas de faturamento maiores podem ajudar nisso. Parêntese: a alíquota do imposto de renda não é alta, o problema é que é mal distribuída – ricos e grandes empresas privadas simplesmente não pagam imposto de renda. Acaba recaindo um custo maior sobre a classe média.

JVCdMais um ponto é empreender a reforma política. Sob este aspecto, o recado do eleitorado foi dúbio: exigiu isso dos candidatos à Presidência, mas elegeu um Congresso Nacional extremamente conservador. As primeiras declarações da presidenta reeleita foram no sentido de se estabelecer um plebiscito sobre o assunto, mas lideranças políticas já afirmaram que isso é “inadmissível”.

O problema é que, se deixar isso nas mãos do Congresso, jamais vai sair algo sobre o tema. Pessoalmente, considero necessários pelo menos dois pontos: o fim do financiamento privado de campanha e a cláusula de barreira. Não há condição de se estabelecer um relacionamento institucional com 28 partidos representados no Congresso Nacional – acaba virando o “toma lá, dá cá” que todos conhecemos.

E daí partimos para mais um desafio, que é o combate à corrupção. Considero que os governos do PT avançaram bastante sobre o tema: hoje a Polícia Federal e o Ministério Público possuem muito maior autonomia nas investigações. Entretanto, ainda há uma questão que independe do Poder Executivo: muitas vezes as investigações param no Poder Judiciário, que manda soltar os presos, arquiva processos ou os julga ao sabor das conveniências políticas.

O endurecimento das punições sobre o tema ajuda, mas vejo necessário, também, um maior esforço do Poder Judiciário no sentido de condenar os envolvidos e, mais: condenar de forma imparcial.

homofobia nãoOutra questão a ser enfrentada é a maior demanda dos movimentos sociais. A ampliação das políticas de cotas, o combate ao racismo e a criminalização da homofobia são medidas que precisam ser implementadas, embora especialmente esta última vá enfrentar a oposição da bancada evangélica no Legislativo – cerca de 200 deputados ligados diretamente a instituições católicas e neopentecostais ou simpatizantes das mesmas. Também há demandas por maior proteção às mulheres e a outras minorias.

E há um tema espinhoso, mas que o governo precisa enfrentar: a regulação do mercado de mídia. Pretendo brevemente abordar o assunto em artigo específico, mas o Brasil talvez seja o único país do mundo em que não há qualquer marco regulatório regendo este setor.

Que fique claro que isto não significa censura, mas sim combater o monopólio de poucos grupos empresariais na informação. Nem nos EUA há o que acontece aqui, onde um mesmo grupo controla TV aberta, rádio, jornal, portal de internet, provedora de conteúdo de TV a cabo e operadora de TV por assinatura. Urge um marco regulatório a fim de quebrar estes monopólios e democratizar a informação, bem como, talvez, tornar mais rápida a tramitação do instituto do direito de resposta.

Não pode ocorrer o que aconteceu na recente campanha eleitoral, onde alguns órgãos de imprensa fizeram campanha aberta pelo candidato Aécio Neves sob o manto de “informação”. Um marco regulatório democratizaria o acesso à informação e diminuiria o poder destes grandes conglomerados.

Parêntese: o caso da revista Veja é diferente. É caso de Polícia. Fecha o parêntese.

And last, but not least: não somente a melhoria da saúde e da educação, mas dos serviços públicos como um todo. Uma das consequências do processo de ascensão social em massa realizado pelos Governos Lula e Dilma é a cobrança por serviços públicos de melhor qualidade. Saúde, educação, transporte, lazer e demais componentes desta equação. É algo em que precisará haver fortes investimentos nos próximos quatro anos, sendo alvo de atenção prioritária. Especificamente a saúde e a educação serão beneficiadas pela lei dos royalties do pré sal, devendo dar um salto qualitativo, mas há a necessidade de um esforço concentrado sobre este tema.

Claro que não abordo aqui todos os temas que merecem atenção nem esgoto os temas, mas procuro elencar aqui os que me parecem mais críticos após o recado das urnas.

Imagens: Brasil Energia, Agência Brasil, Isto É Dinheiro, Senado Federal e Terra