Menos de dois dias depois de ter escrito que, às vezes, é bom estar do lado mais fraco, a Argélia aparece pra reforçar as minhas palavras. Ninguém deu nada pela Argélia antes da Copa do Mundo começar. Agora, a seleção aparece com três pontos, em segundo lugar do grupo H, com boas chances de classificação para as oitavas de final.

E não é de se estranhar que ninguém apostasse muito na Argélia. No mesmo grupo, temos ainda Bélgica, Rússia e Coreia do Sul. Três seleções que, aparentemente, passariam fácil sobre a pobre Argélia, que voltaria pra casa, rápido, sem pontos e sem gols marcados.

Só que não é bem assim que as coisas têm sido. A Ótima Geração BelgaTM, tema de disputas apaixonadas nas redes sociais, ainda não mostrou nada demais. Nada mesmo. Tá certo, ganhou dois jogos (a estreia contra a própria Argélia e o segundo jogo, no Maracanã, contra a Rússia), mas não jogou nada. Posso queimar a língua em breve, deve cair na próxima fase, seja quem for o adversário vindo do Grupo G (Alemanha, Gana, EUA e Portugal). No fundo, todos sabemos que os belgas são bons em cerveja, chocolate, batata frita e waffle. O resto é exagero de quem assiste muito futebol europeu e joga Playstation.

Além dos belgas, russos e sul-coreanos, minhas apostas no bolão que participei, também não mostraram nada. Ou melhor, mostraram, sim: os russos, que Capelo não tem condições de comandar uma seleção numa Copa do Mundo e que precisam começar a pensar, rapidamente, na formação de um grupo competitivo para a Copa de 2018; os sul-coreanos, que é muito difícil conquistar resultados positivos num mundial disputado fora da Coreia do Sul e sem arbitragens equivocadas como as de 2002. Subestimamos, mesmo sem saber o porquê, a Argélia num grupo sem grandes potências.

Refletindo a respeito, na última semana, o Rodrigo Borges escreveu sobre a Argélia no Esporte Fino. O texto é certeiro: sabe-se pouco sobre as seleções africanas como um todo, menos ainda sobre uma seleção sem grandes estrelas jogando nos clubes europeus e sem aparições constantes na TV. Nas palavras do jornalista, a surpresa com a Argélia “é uma mistura de preconceito e desinformação, de jornalistas e de torcedores em geral”.

argelia

E isso, a meu ver, ultrapassa o futebol. É mais uma daquelas coisas que mostra o quanto o esporte é parte importante pra se compreender a sociedade: damos as costas à África e aos nossos vizinhos de América. Ignoramos sua existência em quase todos os momentos e não apenas no futebol. E nem vamos entrar na questão das generalizações e das coisas ditas em transmissões e matérias, como o narrador que não percebeu que os argelinos rezavam na comemoração do gol contra a Bélgica.

Podemos olhar pra coisas mais simples. Basta lembrar, por exemplo, que só o SporTV tinha uma repórter em San Jose, na Costa Rica, a fim de cobrir as comemorações pela vitória contra a Itália e a classificação para a próxima fase. Entendo as limitações orçamentárias, mas, no jornalismo, em todas as áreas, quantos correspondentes brasileiros temos na América Latina? E na África? Não muitos, né? E isso não é prerrogativa do jornalismo apenas: o quanto nós, professores, falamos de América Latina, África e Ásia em sala de aula?

Assim, ver uma Argélia, por quem ninguém dava nada, se mostrando competitiva, fazendo uma boa campanha na Copa do Mundo do Brasil e disputando uma vaga nas oitavas com boas chances de passar, é mais do que legal ou curioso. É importante pra que olhemos, jornalistas, torcedores, brasileiros, com mais atenção pra África, muito além dos jogos de resultados duvidosos, dos tapetões nas eliminatórias ou das greves de Camarões. As vitórias de Argélia, Costa Rica e outros, obrigam que se fale sobre lugares quase sempre deixados de lado. Talvez não seja a forma ideal, mas é uma forma.

Hoje, tão pouco tempo depois de dizer que a Costa Rica ganharia a minha torcida, posso dizer que quero muito que a Argélia ganhe dos russos e siga em frente também. Não sei se falaremos mais dessas seleções e de seus países, mas há chances, penso. Tomara que consigamos, nós e eles. Fará bem ao futebol, à Copa do Mundo e à sociedade.