Fiquei impressionado com o sangue de dona baratinha dos bósnios e mexicanos na primeira fase da Copa do Mundo. As duas seleções foram, como até as estalactites da Gruta de Maquiné sabem, garfadas de forma monumental pelos árbitros e bandeirinhas, em desempenhos capazes de fazer o velho Al Capone parecer um simples ladranete de esquina.

Os bósnios tiveram um gol absolutamente legal anulado no jogo contra a Nigéria, por um bandeirinha que enxerga menos que o Cego Aderaldo do Crato. Dois jogadores levantaram as mãos para os céus feito as beatas do Juazeiro pedindo a chuva, fizeram caras de bebês chorões e ficou por isso mesmo. Acabaram eliminados na primeira fase.

O mínimo que se exige de um time numa situação dessas é transformar o gramado numa sucursal do inferno, com direito a dedo na cara do bandeira, palavrões da pior espécie, mão na bunda do juiz no meio do bololô, porrada no gandula, provocações ao adversário para gerar cinco expulsões de cada lado, e coisas do gênero.

bosnianigeria2Quem manja um pouquinho de futebol há de concordar com o seguinte: até numa simples pelada de rua um lance daqueles gera, no mínimo, a suspensão do jogo por meia hora. Quando acontece algo similar na várzea mais muquirana de Nova Iguaçu, a mais chinfrim, o campo se transforma em segundos numa filial do sertão nordestino nos tempos do cangaço. O que passa a valer é a filosofia do jagunço Riobaldo Tatarana: Se Deus vier, que venha armado.

Que se dane essa estultice politicamente correta de fair play, capaz de reduzir uma epopéia digna da Ilíada a uma página de Fernão Capelo Gaivota. Esse jogo limpo é feito arroz sem sal; é a tentativa de transformar a partida de futebol – o evento que potencialmente melhor ilustra as reflexões sobre a catarse na arte poética de Aristóteles – em algo tão profundo quanto as divagações de Gabriel Chalita e do padre Fábio de Mello sobre o amor, a amizade e a vida nas lições do Pequeno Príncipe.

O fair play é a mimese de um coito interrompido, é a representação à socapa dessa onda do futebol como evento de mídia, palco do jogador garoto-propaganda de eletrodomésticos, dos sibaritas travestidos de craques, do torcedor que vai ao jogo como se fosse a uma apresentação de Aída na Ópera de Paris, nos velhos tempos da belle époque.
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E o que dizer dos mexicanos, assaltados por um bandeirinha sicofanta no jogo contra Camarões, com a anulação de dois gols cristalinos? Que diabo aconteceu com a pátria aguerrida do bigodudo Emiliano Zapata? Quando se esperava dos aztecas uma reação digna de bandoleiros chefiados por Pancho Villa, aquela reclamação mequetrefe mais parecia coisa dos amiguinhos de Speedy González, o camundongo Ligeirinho. Dos Santos, ao invés de ameaçar o bandeira, limitou-se a dar saltinhos feito um mariachi de Seresteiro de Acapulco, aquele filme do Elvis.

Quero crer que os bósnios e mexicanos, em virtude das reações tão amorfas aos assaltos em campo, sairão do mundial como elementos potencialmente perigosos, capazes das piores vilanias, já que não extravasaram a raiva no único lugar em que, por direito, ela deveria ter sido exorcizada: no tapete verde, de preferência com os bandeirinhas gloriosamente empalados, à Conde Drácula, em seus próprios instrumentos de trabalho.