Retornando após interregno, a coluna do publicitário Affonso Romero desmonta a ideia corrente que os gastos com Copa do Mundo e Olimpíadas irão diminuir o orçamento de rubricas como Educação e Saúde.

Porque a Copa não Compete com Educação e Saúde

Há um grande ativismo nas redes sociais contra a realização da Copa. Como se fosse possível, a estas alturas, um País sério desistir da organização de um evento deste porte. Eu poderia dizer que espalhar isso é trabalho de gente com dor de cotovelo, porque inveja o trabalho de quem está transformando a cara do Brasil em uma nação menos pobre e mais respeitada no cenário internacional. Mas o buraco (também) é mais embaixo e, se há um viés ideológico, não está à esquerda ou à direita, mas do lado de quem investe na desinformação e no simplismo político.

A regra geral é postar uma foto impactante sobre algo que ainda funciona mal no Brasil, junto com uma frase do tipo “não precisamos de Copa, mas de educação, saúde etc…”

Países crescem ao organizarem grandes eventos internacionais. Pergunte-se por que um evento como Copa ou Olimpíada é tão disputado. Pergunte-se se o legado dos eventos foi bom para quem os organizou antes. Até para a África do Sul, que fez a Copa mais mal organizada até hoje, ficaram estádios vazios e mal aproveitados, mas também ficaram estruturas urbanas de mobilidade e saneamento, além do evento ter alavancado o turismo por lá. Não só durante a Copa, mas principalmente depois do torneio, porque as imagens do país ficaram em evidência na mídia global.

No caso do Brasil, a maioria dos investimentos está sendo privado, como vem sendo uma tendência neste tipo de evento. Há, sim, muitas linhas de crédito público nas obras. Isso é normal: há linhas de crédito público também na construção de shopping centers, por exemplo.

20130417_CO_TCA_ponte_estaiada_GSÉ para isso que servem os bancos de fomento: para dar crédito a atividades produtivas. Há também muitas obras públicas de infraestrutura. Estas sim, com dinheiro público a fundo perdido. São especialmente obras viárias, como o BRT do Rio. Obras que já eram necessárias, e foi necessário que se acelerassem graças aos eventos. Isso é muito bom para o País, porque tradicionalmente o poder público é lento nas soluções, e datas e prazos definidos por eventos tiram o governo da inércia. Outra coisa que anda melhor sob pressão são as PPPs – parcerias público-privadas – que possibilitam a reforma de aeroportos, por exemplo.

É triste perceber que, ainda que tivessem o prazo certo da Copa, algumas obras não foram concluídas a tempo, outras sequer foram começadas, como o trem-bala Rio-São Paulo. Quanto às obras inconclusas, pelo menos elas começaram a ser feitas e, de certa forma, quando forem finalizadas, serão também um legado da Copa, porque sem o torneio nem teriam sido iniciadas.

Quanto àquelas que não foram possíveis, em geral dependiam de PPPs (parcerias público-privadas) e não despertaram interesse no mercado. Ora, se nem um evento deste porte fomenta o interesse do investidor nacional (acostumado a apostar na roleta financeira, sem risco e sem necessidade de trabalho), que dirá sem uma motivação deste porte.

Sobre termos ou não condição de realizar um grande evento, vamos deixar de complexo de vira-latas: se organismos como a FIFA e o COI dão a nós o direito de realizar o evento, então temos condições. Comparativamente, a África do Sul teria muito menos condições e, apesar dos mesmos medos que os derrotistas daqui têm, realizou a Copa sem vexames. A projeção é que a nossa será bem melhor. Desnecessário também destacar a vantagem turística, cultural, comercial e imagética de termos a atenção do mundo e o afluxo de milhares de turistas e jornalistas de todos os continentes.

Ao contrário da visão interna derrotista, que é fruto de pensamento colonizado e ignorância sobre os problemas dos outros, estrangeiros costumam se impressionar positivamente quando visitam o Brasil.

31jan2014-solo-seco-e-rachado-e-visto-da-represa-jaguari-que-integra-o-sistema-da-cantareira-principal-provedor-de-agua-de-sao-paulo-nesta-sexta-feira-31-1391206750602_956x500Se há risco real de vexame nacional, ele está inesperadamente ligado ao Estado mais rico da Federação, São Paulo, por conta da quase certeza de que a região metropolitana viverá uma situação de racionamento de água durante os meses de inverno. Isto sim é ser imprudente e desleixado com a infraestrutura, uma vez que os técnicos haviam alertado para a questão há anos, e o governo estadual não tomou providências.

Por fim, o melhor de tudo. A visão de que os recursos destinados a prioridades como educação e saúde competem com recursos para grandes eventos é fruto de um equívoco e um desconhecimento sobre como funciona a máquina pública. Pouquíssimos recursos destinados a eventos saem do orçamento público. E, quando saem, estão destinados a itens como acessos viários ou outras obras que ficam de legado como serviço à população. Não saem do orçamento itens como construção de estádios ou hotéis. Estes são, como já vimos, custeados parcialmente por bancos públicos de fomento.

Bancos de fomento, ainda que operem a juros subsidiados, servem como indutores da atividade econômica. Não podem, por regra constitucional, socorrer governos em dificuldades financeiras, na construção de aparelhos sociais tais como hospitais e escolas públicas, não podem ser usados como fonte de financiamento do custo fixo dos governos.

Cabe aqui uma pequena digressão: o maior problema de saúde e educação no Brasil não está na construção de prédios ou compra de equipamentos; a questão está na gestão dos recursos cotidianos, está nos custos da manutenção do sistema, principalmente no pagamento digno de especialistas, seja, profissionais de saúde ou educadores. Portanto, não há como dinheiro do BNDES ajudar nisso.

E por que esta regra sobre o uso dos recursos do BNDES – e linhas de crédito hoje destinadas ao fomento – não poderia ser mudada?

Inicialmente, ainda que toda discussão seja válida, não se pode alterar uma regra como esta de hoje até a Copa. Portanto, o momento de debate não é este, mais uma vez. Mas como vale a explicação, até porque o debate pode voltar no futuro, vale ressaltar que, no Brasil, há uma tradição bastante entranhada de que o estado seja indutor da economia. Não estamos falando de economia estatal, que é outra coisa. Estamos falando de indução e subsídio estatal da economia privada. Isso é um mecanismo ao qual até as economias mais liberais – como a americana – recorrem. Principalmente para áreas de emprego de massa trabalhadora e/ou exportações.

GAL_20130417_CO_TCA_andamento_ponte_estaiada_ilha_GS_63951Bancos públicos de fomento servem para aquecer a economia, possibilitar projetos que requerem capital intensivo, gerar riqueza. Poderia ser discutido se o Estado teria condições de ser bom gestor de arenas esportivas e culturais.

Mas este não será o caso a princípio: a gestão futura das arenas está destinada à iniciativa privada. Se estes equipamentos vierem a ser bem aproveitados ou virarem elefantes brancos, caberá aos gestores privados ficarem com lucros ou prejuízos. O evento, de toda maneira, estará garantido. E o BNDES, como banco que é, cobrará a dívida.

Pode-se argumentar, ainda, que o resgate desta dívida é duvidoso e que haveria, então, risco de prejuízo público. Esta ilação faz parte do universo do “fala-quem-tem-boca”, mas não encontra respaldo nenhum no histórico do BNDES, que é tradicionalmente um bom gestor do dinheiro que empresta.

Cumpre explicar que os recursos do BNDES vêm do giro do próprio capital emprestado pelo Banco, além da gestão do FAT – Fundo de Apoio ao Trabalhador, que é um percentual descontado do salário dos trabalhadores brasileiros para formar um fundo a ser utilizado basicamente na geração de empregos.

No governo anterior, o Banco fez vários empréstimos para automação da produção, coisa que obviamente rouba empregos e troca-os por máquinas. Isso sim era um desvio da função do banco e do FAT. Investir em linhas de crédito para a construção civil, ao contrário, gera muito mais riqueza e empregos.

O interessante é que os grandes eventos permitem a entrada no País, com muito menos burocracia, de linhas de crédito de instituições internacionais, como o Banco Mundial, por exemplo. Ou seja, a Copa e a Olimpíada permitem que dinheiro do resto do mundo seja injetado na nossa economia a juros subsidiados. Este dinheiro também é repassado à construção civil (principalmente) de obras privadas, com responsabilidade privada de retorno, com a interveniência de bancos públicos. Claro que dinheiro novo, coisa disputadíssima no mercado mundial, cria um diferencial competitivo na economia interna, gerando mais empregos e um ciclo virtuoso produtivo.

Ao elevar o patamar da atividade econômica, o que temos inevitavelmente?

20130620_145012Uma arrecadação pública maior, na mesma proporção. Sobre a arrecadação pública, prepara-se o orçamento público. Este, por lei, reserva cotas mínimas percentuais de investimento em áreas prioritárias, como saúde e educação. Ou seja, cada vez que o Estado arrecada um real a mais, ele necessariamente investe mais em educação e saúde, queira ou não. Traduzindo: a equação populista que coloca hospitais e escolas em campo oposto à construção de estádios é simplesmente mentirosa.

Qualquer iniciativa que aqueça a economia deveria ser bem recebida por aqueles que desejam mais saúde e educação. Uma economia mais ativa possibilita uma afluência maior de recursos para áreas que necessitam de investimento público. E a Copa inevitavelmente aquecerá a economia. Não parece óbvio?

A ideia oportunista de se combater através da ignorância pode ser transmitida por uma foto apelativa e uma frase de ordem. No entanto, ainda que custe um pouco mais, transmitir uma ideia honesta é mais válido do que repetir uma balela derrotista.

A escolha é sua, leitor.

Imagens: Cidade Olímpica, Diário do Centro do Mundo e Arquivo Pessoal Pedro Migão

17 Replies to “Sobretudo: “Porque a Copa não Compete com Educação e Saúde””

  1. Concordo em partes contigo, mas depois eu volto nisso o que pelo menos eu entendo quando se grita “não vai ter copa!” esse não é feito em um sentido literal da coisa, me parece evidente que teremos a copa. O “não vai ter copa” é muito mais um grito de que “não vai ter a copa que vocês queriam que fosse”, e de fato é isso a Copa idealizada pelo governo do PT e pela CBF não existirá, será uma copa com festa, mas também com protestos e gente insatisfeita na rua. Fora que muitos dos problemas brasileiros serão escancarados, como a questão da mobilidade urbana que será amenizado com o “golpe baixo” das cidades sede que decretarão feriados em dias de jogo, mas ainda sim isso me parece claro que será um problema assim como os aeroportos.

    Voltando a questão da Copa em si, concordo com você que o dinheiro da Copa não compete diretamente com o da saúde e da educação, contudo não tem como não ficar no mínimo puto ou insatisfeito com os gastos feitos pelos governos/cidades sedes na construtução dos estádios. O problema ao meu ver não é a Copa, mas a forma como o governo Brasileiro quiz fazer a Copa, por que eu tenho certeza que se tivessem construido um ou dois estádios, tivessem feitos reformas pontuais nos outros estádios que nós já tinhamos provavelmente poderiamos fazer uma Copa legal, com os pés no chão e tenho certeza que seria melhor do que essa que o Governo optou por fazer. Mas não o Governo optou por seguir a risca as recomendações da Fifa e ainda usou politicamente a Copa e levou para 12 sedes, quando a FIFA mesmo exige 8, ao optar por esse caminho o governo deu um passo nessa direção e a insatisfação de setores da sociedade diante do custo que se revelou ter esses estádios em praças sem nenhuma tradição no esporte bretão me parece ser justificavel.

    O problema ao meu ver nunca foi a Copa, mas a Copa que resolvemos fazer essa pra mim que é a questão.

    1. Caio, discordo em partes. Primeiro porque para os líderes dos movimentos o #nãovaiterCopa é literal sim. Sem contar que um fracasso do evento daria chance à oposição de tentar vencer as eleições.

      Segundo porque os principais estádios brasileiros necessitavam sim de uma ampla reforma. Mas concordo que 12 sedes é exagero

      1. Pedro, talvez seja mesmo no sentido literal mas creio que em sã consciência as pessoas sabem que teremos copa, resta saber a que “preço” por que eu desconfio que teremos uma forte repressão e a nossa polícia como sabemos não sabe lidar muito com manifestações populares.

        Sim a oposição tanto a esquerda do governo quanto a direita são adeptos do quanto pior melhor e eu não sou ingênuo neguinho ta de olho por que talvez seja a única chance de derrotar o governo nas próximas eleições, agora também vamos combinar que o governo conduziu muito mal todo esse processo, deixou tudo muito na mão dos estados, abaixou a cabeça para a FIFA e ai se configurou esse cenário que eu considero preocupante.

        1. Mas aí é a regra do jogo, Caio: quando se propõe a sediar uma Copa do Mundo há condições pré estabelecidas

          1. Sim Pedro, mas isso no fundo é a maior crítica que tenho como o nosso governo pode ser tão subserviente a uma instituição como a FIFA e a troco de que, sacou?

          2. Nem tanto. Se fossem cumpridas, todos os estádios estariam prontos!

            Obras atrasadas dão margem à superfaturamento (maior do que já foi feito). E, sim, eu lamento que se gaste mais de 70 bilhões para uma Copa, mas choraminga-se por uma reforma de 100 milhões em Interlagos.

            E sabemos que esporte a motor traz muito mais benefícios do que futebol, até porque não há brigas nas arquibancadas e a tecnologia usada nas pistas vai para os carros de rua.

            Outra comparação: em Londres, um ano antes das Olimpíadas, estava tudo pronto. As quadras que não seriam reaproveitadas foram montadas com qualidade, desmontadas e suas peças reaproveitadas.

            No Rio, faltando dois anos, nada está pronto!

            Ah! Não sei se vocês, leitores, sabem: nada poderá ser construído em Jacarepaguá enquanto um novo autódromo não for erguido. E aí? =D

    2. Caio, veja como o diálogo democrático é interessante: você começa seu comentário com “concordo em partes contigo”. E eu começo a minha resposta a você da mesma maneira: concordo em partes contigo também.
      Há muitas coisas no planejamento e realização da Copa que merecem críticas. Doze sedes é muito. Sedes sem tradição futebolística são um erro. E por aí vai.
      Mas, convenhamos, os Estados (seu povo, seus representantes) quiseram participar. Há quem tenha ficado de fora, como Goiás. Há quem tenha tido a sabedoria de não tentar, apesar do apelo turístico, como Florianópolis. Veja que as demais sedes sem muita tradição, como Natal, Cuiabá e Manaus, têm um apelo turístico que talvez (eu disse talvez) justifique o investimento. E Brasília… bem, Brasília é Brasília, fica estranho fazer o evento sem a Capital Federal. E Brasília é um local que pode não viabilizar a arena com futebol, mas viabiliza com outras coisas, porque é um lugar onde circula dinheiro. Estou aqui fazendo um monte de considerações apenas para mostrar que tudo é discutível. E, sendo assim, deveria ter havido uma maior participação/consulta á sociedade.
      neste sentido, é louvável que a sociedade mostre claramente que quer ser mais ouvida. Não apenas nas eleições, mas no cotidiano. Isso é um avanço democrático.
      Mas quando alguém diz “não vai ter Copa”, eu entendo que a pessoa quer que a Copa não aconteça. Nenhuma Copa. Senão, é aquele discurso feminino, que nós homens temos que aprender para vivermos felizes com elas, no qual as coisas são ditas nas entrelinhas, nas nuances. Caramba: o que custa ser claro?
      (Bem, talvez perder o slogan, porque eu lamento que o mundo tenha deixado de se comunicar por textos, trocando-os por palavras de ordem)
      de resto, nenhuma Copa da era contemporânea se realizou sem manifestações contrárias, passeatas etc. É do jogo, e tomara que seja entendido como tal.

      1. Affonso, mas ai chegamos a outro ponto os estados foram mal escolhidos. Quer fazer uma copa na Amazônia podia perfeitamente fazer no Pará, que já tinha um estádio razoavel e era questão de fazer alguma reforma e tem times de tradição como Remo e o Paysandu. Quer fazer copa no centro oeste, por que não escolheram Goiás ao invés de Cuiaba? Nordeste já tinha Salvador, Recife e Fortaleza era necessário mesmo mais uma sede como Natal?

        E esses critérios de escolha não foram claros, ou pior, foram por motivação de afinidade política.

        1. Concordo contigo. Mas o critério político é regra, não exceção. Não estou defendendo que seja assim, mas constatando que infelizmente é. E não é só aqui no Brasil. No fim, acho que concordamos mais que discordamos. Forte abraço.

          1. O maior problema, ao meu ver, é a desorganização para se fazer algo.

            Custava, em 2008, logo após a escolha da sede, já começar a construir tudo?? Muito provavelmente os aeroportos já estariam prontos, os VLTs, os BRTs, os estádios todos construídos, testados e reparados (já imaginou um imprevisto acontece no Itaquerão, por exemplo?).

            E a falta de dinheiro para isso não é justificativa; não aceito isso como desculpa para não se fazer uma obra pública de interesse da população.

            No mais, brilhante texto, que abre o leque para as mais variadas opiniões. Isso é o que o Brasil precisa!

          2. Rodrigo, a burocracia para contratação, principalmente por causa da anacrônica lei de Licitações, atrasou bastante o processo

  2. Bem interessante. Só discordo da lógica automação = redução de emprego. Sem entrar no mérito da linha de desenvolvimento dos governos anteriores, esta igualdade é tão simplista quanto à combatida no texto (+ dinheiro na Copa = – dinheiro para saúde e educação).

    1. Você está certo, Cassius. Pode haver automação e aumento de emprego. Há casos e casos, e eu não quis me aprofundar nisso para não fazer mais uma digressão em relação ao ponto principal.

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