O colunista Rafael Rafic nos traz o desfecho do imbróglio político e orçamentário ocorrido no final do ano passado nos Estados Unidos, que chegou a paralisar museus e pontos turísticos.

A Crise Fiscal Americana e sua Mediana Solução

Na minha penúltima coluna sobre política americana, eu disse que a solução da crise fiscal havia sido paliativa e a solução fora apenas empurrada para a primeira semana de fevereiro, quando tudo voltaria à tona com muito mais força.

Passou a tal data, passou o carnaval, passou um mês inteiro e nunca mais tal assunto ocupou as linhas dos noticiários americanos sequer, quiçá dos brasileiros. O colunista ficou maluco, deu uma informação incorreta? Não. Finalmente saiu o acordo de médio prazo que parecia impossível entre democratas e republicanos e tal fato sequer foi noticiado.

Nesta coluna tentarei explicar a solução encontrada pelo legislativo americano, que finalmente conseguiu encaminhar o esperado acordo e desatar o nó do orçamento por algum tempo. Para que se entenda com maior clareza o quadro, é necessário observar que esta crise fiscal foi provocada por dois fatos independentes, apesar de interligados:

Primeiro: os Estados Unidos tinham começado seu ano fiscal em 1° de outubro sem nenhum orçamento aprovado. Isso é um desastre no direito americano, que diferentemente do nosso não está acostumado a longos períodos sem orçamento. Assim, o Executivo não pode fazer nenhum gasto sem autorização orçamentária; sequer o pagamento dos servidores públicos federais pode ser feito.

Segundo: nos Estados Unidos o Congresso estipula o limite do valor da dívida que o governo pode contrair. Este limite estipulado estava suspenso desde o início de 2013 para que o governo pudesse colocar em prática medidas de estímulo a economia. Ocorre que esta autorização acabaria subitamente em outubro e sem um substancial aumento no teto da dívida ou uma nova suspensão do mesmo o governo ficaria paralisado na prática.

20131105_085917Foi justamente a junção dos dois problemas em outubro que gerou a crise que na época tomou conta dos noticiários. Tendo entrado o mês de outubro sem orçamento, o governo foi obrigado a fechar quase todas as suas repartições e a mandar seus servidores para casa sob licença não-remunerada.

Isso gerou duas semanas bastante nervosas não só nos Estados Unidos como no mundo, que começou a considerar a hipótese de que o governo americano não conseguiria honrar suas obrigações pela primeira vez na história, quebrando o “padrão-ouro” dos tempos econômicos atuais que é a garantia absoluta da liquidez dos papeis emitidos pelo Tesouro Americano.

Em 16 de outubro de 2013, finalmente houve a aprovação do orçamento do governo. Porém foi uma aprovação paliativa, apenas até o dia 15 de janeiro, feita em forma de urgência apenas para o governo poder voltar a funcionar com seus servidores. Em conjunto, a suspensão do limite da dívida foi prorrogada apenas até o dia 7 de fevereiro de 2014, por isso o prazo dado na coluna passada.

Também ficou acordado que a comissão parlamentar bipartidária de orçamento teria até meados de dezembro para fazer as recomendações necessárias para o corte de gastos do governo e apresentar o orçamento definitivo do ano fiscal de 2014 (que termina em 30 de setembro de 2014) .

Como os republicanos estavam irredutíveis, levando a situação a limites nunca antes vistos, minha impressão era que esta comissão terminaria em mais um impasse que resultaria em um novo drama por volta da virada do ano.

Porém houve uma alteração substancial dos fatos e das vontades políticas. As novas pesquisas de opinião com os eleitores mostraram de forma unânime que o peso principal desta crise estava recaindo nos ombros dos parlamentares oposicionistas republicanos e não na conta do presidente Obama, como aqueles esperavam.

20131107_123504Com isso, o quadro para as “Midterm elections” de novembro próximo (que, por força do mandato de apenas dois anos de todos os deputados americanos, renovarão toda a Câmara dos Deputados e um terço do Senado), que era promissora para os republicanos ficou nebuloso de repente. Justamente em uma eleição geral que os republicanos estão tratando como um “plebiscito informal” de aprovação ou reprovação ao governo Obama, já tendo no horizonte próximo as eleições presidenciais de 2016, na qual não poderá haver reeleição.

Ao perceberem isso, muitos republicanos que haviam embarcado na onda conservadora do Tea Party, decidiram resolver a situação e tentar costurar um verdadeiro acordo, com concessões de ambas as partes. Entre estes estava o deputado Paul Ryan (ele mesmo, o candidato a vice de Mitt Romney), que é o presidente da comissão de orçamento.

20131111_154420Com isso, no meio de dezembro, um acordo foi costurado entre ele e a senadora democrata Patty Murray que resultou em um projeto de orçamento. Nele, não só o orçamento de 2014 foi completamente desenhado até o fim do ano fiscal como o de 2015 também já está feito.

Já se esperava uma insatisfação por parte de alguns republicanos, pois o orçamento contemplou vários programas sociais do governo Obama com boa soma de valores, mas não o suficiente para bloquear a aprovação da medida. Porém o inesperado foi a reação de vários deputados democratas que disseram que não iriam se curvar ao “programa absurdo de cortes de custos” feito por Paul Ryan.

Como Obama veio a público demonstrar seu apoio ao projeto, ao qual chamou de “balanceado”, os deputados democratas ficaram sem palco para suas reclamações. Com isso o projeto foi aprovado sem atropelos tanto pela Câmara como pelo Senado e Obama assinou a lei em 26 de dezembro, mesmo estando em férias natalinas na sua casa do Hawaii.

Assim, com vontade política advinda do medo da reação popular nas urnas, o primeiro problema foi resolvido a contento e o governo já tinha autorização orçamentária para voltar a gastar. Faltava ainda o segundo problema.

Para este, a situação está mais complicada. Os republicanos insistem em só aceitar um aumento do teto da dívida, a solução definitiva, se Obama privatizar o Medicare e o Social Security (muito, mas muito mal comparando mesmo, seria a nossa Farmácia Popular para idosos e o nosso INSS). Já Obama não aceita negociar sob pressão e diz que está aberto a discutir as medidas propostas pelos republicanos apenas após a aprovação do aumento do limite da dívida.

Assim a data limite de 7 de fevereiro estava chegando ao fim e o impasse não saíra do mesmo lugar em que se encontrava em maio.

As crises de data limite de maio e outubro do ano passado já haviam minado a confiança mundial na economia americana e prejudicado bastante importantes financiadores de campanha republicanos, que por sua vez pressionaram os parlamentares republicanos a não criarem uma nova crise.

20131107_131439Tendo esta pressão, a irredutibilidade da posição de Obama e o fato de que seria bastante complicado defender o impasse do limite da dívida perante os eleitores tendo já sido o orçamento aprovado, os republicanos decidiram não mais atacar e aprovaram a suspensão incondicional do limite da dívida até o dia 15 de março de 2015.

Assim os dois problemas foram resolvidos, o governo americano trabalha tranquilo até 2015, os republicanos abaixaram consideravelmente a temperatura da legislatura, aumentando os acordos bipartidários e todos podem concentrar forças físicas e monetárias nas “Midterm” de novembro que já estão sendo tratadas como a primeira batalha da guerra pela presidência em 2016 por ambos os lados.

Os cenários e a projeção dos resultados das eleições de novembro são assunto para outra coluna.

(Fotos: Arquivo Pessoal Pedro Migão)