Nesta quinta o colunista Rafael Rafic nos explica o sistema de salários dos esportes norte americanos.

Salary Cap (revisada e atualizada)

No bojo da discussão iniciada pelo famoso movimento “sindicalista” de jogadores de futebol, o “Bom Senso FC”, pedindo um calendário mais racional, os defensores do “mata-mata” no Campeonato Brasileiro, entre eles o colunista deste blog Leonardo Dahi, já saíram de seu esconderijo bradando a volta deste sistema de disputas finais.

Como um dos principais argumentos deles é que os esportes americanos, muito bem sucedidos, apuram seus campeões em forma de mata-mata e o Brasil deveria copiá-los, decidi reeditar minhas segunda e terceira colunas escritas para o Ouro de Tolo nas quais demonstro mecanismos das ligas americanas, essenciais na manutenção da competitividade, que o futebol brasileiro desconhece completamente.

Quero com isso demonstrar que qualquer comparação da nossa realidade com a deles é completamente sem sentido dada a diferença gigante na forma de administrar os times e o campeonato. Aproveitei também para atualizar as informações e incluir algumas linhas sobre a MLS, a liga americana de futebol, a qual eu não abordei nas colunas originais.

Outra diferença que ninguém menciona é que, apesar de todas as ligas americanas se utilizarem de “mata-mata” em sua fase final, nenhuma delas, à exceção da MLS, utiliza a fórmula “ida-e-volta” consagrada no imaginário futebolístico. De todos os sistemas de “mata-mata” acho este o pior deles, mas isso é assunto para outro post.

Hoje começo pelo “Salary Cap” (teto de salários), na próxima abordo sobre o “Revenue Sharings” (redistribuição de receitas). Vamos ao texto principal.

Salary Cap

Após ler sobre a notícia da rescisão do contrato entre Peyton Manning e o Indianápolis Colts, tudo por causa da recusa do time em pagar-lhe um bônus de 28 milhões de dólares (sendo que Peyton é tido por alguns como o melhor jogador de futebol americano dos últimos 20 anos e o homem que tirou o Colts da lanterninha eterna da NFL para colocá-lo como um dos favoritos ao título), tive a idéia de escrever aqui sobre os sistemas de limitação de gastos com jogadores existentes nos esportes americanos, ou “Salary Cap” como eles chamam.

Em três das quatro ligas americanas (futebol americano, hockey e basquete) com o pretexto de nivelar os times, impedindo que os de maior mercado (e conseqüentemente maior renda) consigam angariar os melhores jogadores apenas oferecendo altos salários, as ligas usam de um sistema que impõe um teto para o valor em salários do plantel. É uma forma de estimular a competitividade e dar a chance aos times menores de conseguir competir com alguma chance contra os times maiores e mais tradicionais.

Só que também o “Salary Cap” acaba tendo outra função importantíssima: o controle de custos da liga. Ele evita que um time gaste demais pensando no campeonato do ano, às custas de longos anos de péssimos resultados. Esse último ponto é ainda mais importante nos EUA, onde não paira sobre os times das ligas fechadas o fantasma do rebaixamento.

Cada uma das ligas tem seu próprio sistema de “Salary Cap”, totalmente diferentes um do outro. Por exemplo, a NFL usa um “teto duro” (hard cap) em que, em nenhuma hipótese, um time pode passar do teto total estabelecido. De modo geral, o teto do futebol americano tem dado certo, mas algumas vezes ocorre de um ídolo ter que sair do time querido justamente porque o teto do time não comporta o pagamento do seu salário. Para a temporada 2013/2014 o teto é de  US$ 123 milhões para um plantel de 53 jogadores.

Para evitar esse problema da NFL, a NBA (basquete) usa um “teto macio” (soft cap), em que há algumas exceções que permitem que um time, para manter um jogador antigo do time, fique acima do teto pré-estabelecido. Como resultado, muitos times acabam ficando um pouco acima do teto. Para a temporada 2013/14 o teto foi de US$ 58,679 milhões para um plantel de 15 jogadores.

Já a NHL também adota um “hard cap”, porém com várias minúcias relativas à manutenção de jogadores atuais e, principalmente, para a adaptação da competitividade tendo times baseados em dois países diferentes (já que a NHL tem sete times no Canadá), diferenças essas que não cabem explicar em apenas uma coluna. O teto para a temporada 2013/14 é de US$ 64,3 milhões para um plantel de 23 jogadores. Quem leu a coluna anterior, percebeu que esse valor não se modificou em relação a temporada 2011/12, já que houve até uma redução para US$ 60 milhões para a temporada 2012/2013 em uma negociação especial.

Para preservar os jogadores, as ligas que adotam o “Salary Cap” também adotam um “Salary Floor” (piso de salário), ou seja um valor mínimo para a folha de pagamentos, justamente para proteger os salários dos jogadores.

Os valores tanto do “cap” como do “floor” são discutidos durante a confecção dos acordos coletivos entre os jogadores e os donos de time que ocorrem de tempos em tempos. No direito americano esse acordo coletivo trabalhista é chamado de Collective Bargaining Agreemente, CBA. Basicamente é uma figura similar à nossa convenção coletiva de trabalho, CCT. (por que não fazer as mudanças jurídicas necessárias na estrutura esportiva brasileira para se realizarem ACTs ou CCTs com os jogadores de futebol? Outro ponto a ser discutido).eli06-6988a4fe5fe514a590f3e24e4dc4f2976e4f6fb3-s6-c30Porém o sistema de “Salary Cap” tem um problemão, além do que já foi citado sobre manutenção de jogadores antigos no time, que é o fato de limitar os ganhos dos jogadores, principalmente dos jogadores mais bem sucedidos, já que quanto maior o salário de um jogador menos sobra para pagar o resto do time. Afinal de contas, o teto máximo limita a percentagem de ganho dos jogadores em relação ao faturamento dos times. Justamente por isso, nos últimos 15 anos, em todas as vezes que patrões e jogadores se sentaram a mesa para conversar sobre um novo CBA houve grandes embates, tendo greves na NBA e na NHL. Em 2011 a NFL escapou de uma por questão de dias.

Justamente por causa de uma greve, a grande greve de 94-95, a MLB (baseball) prefere não utilizar um “Salary Cap”, deixando o valor dos salários dos jogadores de agência livre a total mercê das negociações individuais entre o jogador e o time. Isto atinge basicamente os jogadores que tem mais de seis anos de liga: quem tem menos de seis tem um processo especial de arbitragem, que não cabe explicar aqui.

Cada time gasta com folha salarial o que bem entender (para cima ou para baixo). O único limite existente é o valor do “salário mínimo” de cada jogador, atualmente em US$ 490 mil anuais (alias, por que o Brasil não adota um salário mínimo para jogadores de futebol? Ele ainda poderia ter valores diferenciados para a Série A, B,C e D). Em 2013, de acordo com os valores do início da temporada, a média da folha de pagamentos dos trinta times da MLB foi de US$ 106 milhões para um plantel de 25 jogadores.

Mas a MLB não deixa seus clubes totalmente ‘ao Deus dará’. Para desestimular seus times a gastarem demais da conta, criou a chamada “Luxury Tax” (em tradução livre, taxa de luxúria), na qual se estabelece um limite para a folha de pagamento. O time pode passar desse limite, mas terá que pagar para a liga, como taxa, uma porcentagem do valor da folha que exceder a esse limite.

Quanto mais anos consecutivos o time ultrapassa esse limite, maior será a porcentagem da taxa aplicada a ele (o New York Yankees, que todo ano ultrapassa com folga o limite, já chegou aos 40% e costuma pagar entre US$ 15 e 20 milhões por ano em “Luxury tax” ). Atualmente, na prática, apenas o Yankees passa do limite, mas como se verá na próxima coluna, até ele está tentando se ajustar ao limite de US$ 189 milhões acordado para a temporada 2014.

A “Luxury Tax”, combinada com várias outras formas de controle da MLB (que não recaem sobre folhas de pagamento e por isso não serão abordadas aqui) tem a clara vantagem de criar uma “pax laboral”, já que desde 1997 a MLB não enfrenta qualquer dificuldade mais severa para renovar seus CBAs. Totalmente ao revés das outras três ligas, que sempre engasgam na discussão do teto salarial.

Já a liga de futebol dos Estados Unidos, também adota um esquema de Salary Cap que é ainda mais severa do que qualquer das outras apresentadas: o teto salarial é de US$2,95 milhões para 30 jogadores, porém só os 20 jogadores mais bem pagos entram nesta soma. Nenhum jogador poderá ter um salário maior do que US$ 368,750 mil, tendo como salário mínimo o valor de US$ 35,125 mil para jogadores ate 24 anos e US$ 46,500 para jogadores acima de 24 anos.

Com regras tão restritas, era impossível a MLS tentar contratar grandes astros do futebol mundial, mesmo como tentativa de marketing. Então, a MLS criou a “Designated Player Rule” (regra do jogador designado, em tradução livre) para que mesmo pagando uma fortuna, o jogador só contasse contra o “Salary Cap” com o valor máximo da liga. Atualmente cada time pode ter 2 “jogadores designados” , podendo pagar US$ 250 mil para a liga para terem direito a uma terceira vaga. O valor arrecadado com essa “luxury tax” será dividido igualmente entre todos os times que não utilizam esse terceiro jogador; sendo que não é necessário qualquer pagamento caso esse terceiro jogador tenha 23 anos ou menos de idade.

Atualmente o único jogador brasileiro “designado” é o Kleberson, meia do time de Felipão em 2002.

Não vou entrar aqui em discussões mais aprofundadas sobre qual das estratégias é a mais correta ou a que está dando melhores resultados para donos, jogadores e o nível de competição em um geral, pois não é meu objetivo (apesar dos números, para mim, apontarem que a MLB se destaca).

A pergunta que eu quero levantar é: porque o futebol brasileiro, e o futebol europeu também, nunca aventaram qualquer tipo de freio ou tentativa de igualar as forças competitivas dos times de seus campeonatos nacionais?

Será que é legal ver todo santo ano o Barcelona e o Real Madrid dominarem as atenções da Espanha sozinhos? Ou então já entrar o ano sabendo que um dos três: Chelsea, Manchester United ou Arsenal irá ganhar a Premier League? Onde está a competitividade nessas ligas?

Nem digo sobre o Brasil, porque se Flamengo e Corinthians, da forma como é hoje, fossem minimamente bem administrados, ganhariam juntos 95% dos títulos nacionais e seriam fortes competidores da Libertadores todos os anos, pois teriam dinheiro para contratar grandes jogadores e não apenas refugos dispensados da Europa.

Enquanto isso, nos últimos 10 anos, tivemos oito campeões diferentes na NHL (sendo que a NHL não teve temporada 04/05 por greve), sete na NFL e seis na MLB (eram 8 até 2 anos atrás) e NBA.

Obs: para quem quiser um material mais completo sobre o assunto, recomendo o verbete da Wikipédia “Salary Cap”, em inglês, em que explica com bastante detalhe cada um dos 4 mecanismos e mais alguns outros: http://en.wikipedia.org/wiki/Salary_cap.

Peço desculpas pelo excesso de termos em língua estrangeira que coloco nesta coluna, mas estou tratando de um assunto totalmente negligenciado, não só no Brasil como em todo o mundo futebolístico mundial. Isso só vira notícia quando atrasa salário, o clube “quebra” ou jogadores decidem se mobilizar contra o atual quadro…

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