Nesta quarta, a avaliação dos sambas do Grupo de Acesso pelo advogado Rafael Rafic, em sua segunda parte.

Os sambas de enredo da Série A – Sábado

Retomando a série sobre os sambas do grupo de Acesso do Rio de Janeiro, hoje as escolas de sábado, também na ordem de desfile.

Tradição

Enredo: “Sonhar com Rei dá Leão”

Compositor: Neguinho da Beija-Flor

Intérprete: Marquinho Silva (Part. Especial: Neguinho da Beija-Flor)

Temos com a Tradição a terceira reedição do ano (a quinta em nove desfiles da escola)  e outra reedição de outra escola, no caso o samba de 76  da Beija-Flor, Sonhar com Rei dá Leão. Samba histórico não apenas por ser a 1ª vitória da escola nilopolitana, mas por ter quebrado um domínio de 40 anos das 4 grandes potências do carnaval (Portela, Mangueira, Salgueiro e Império Serrano) que dividiam apenas entre si os títulos do carnaval.

É outro clássico que não tenho muito o que comentar, a não ser o fato de estar ligeiramente abaixo da qualidade das outras 2 reedições, mas é uma escolha bastante arriscada.

Apesar de histórico, este samba não é tão conhecido e trata de um jogo hoje marginalizado, que as autoridades municipais e estaduais estão tentando com todas as forças afastar o carnaval dele. Sinceramente não sei o que esperar do resultado da escola. Apenas não aposto no meio-termo, ou será um desastre que culminará na utilização da quadra da escola como local de concentração em 2015 ou veremos a Tradição bem posicionada (o que para ele seria um décimo ou décimo primeiro lugar).

Alegria da Zona Sul

Enredo: “Sacopenapã”

Compositores: Edvander, Gabriel Fraga, Márcio André Filho, Adelson, Virgínia e Telmo Augusto

Intérprete: Edmilton di Bem

Um excelente samba do “escritório sensação” do ano, para o qual o Dahi já havia chamado a atenção ainda na fase de disputa de sambas. O enredo da Alegria sobre o seu bairro, Copacabana, é o enredo mais didático e informativo do ano e só não mereceria um prêmio por causa da Porto da Pedra.

Porém aqui o enredo ganhou um samba a altura. O samba tem uma boa melodia e uma letra trabalhada com afinco, com especial destaque a primeira estrofe do samba ao resumir de forma muito clara, mas ao mesmo tempo poética, a história do bairro nos séculos XVII a XIX.

Ainda não é o melhor samba do grupo, pois o melhor está reservado para o final. Porém é um samba que destaco na safra e provavelmente é o melhor samba da curta história da escola.

Porém vejo nele características que devem complicar bastante o desfile da escola: é um lindo samba melódico, mas não te convida a dançar. Além disso é um samba de letra bastante rebuscada e de difícil assimilação com palavras bem incomuns como “Kopacawana” e “Sacopenapã”. Para uma escola que tenha uma comunidade forte, isso não costuma ser problema. Porém esse é o exato oposto da Alegria da Zona Sul, a qual já nos acostumamos a ver recheada de turistas, muitos deles estrangeiros, que se hospedam em hotéis de Copacabana e resolvem desfilar pela escola.

Um desastre harmônico é bastante possível, apesar do belíssimo samba.

Preciso destacar também que é uma pena que, pela limitação de 4’50” por faixa criada pelos produtores do CD e pela longa passada deste samba, ele seja o único a não ter 2 passadas inteiras no disco, tendo apenas 1,5 passada.

União do Parque Curicica

Enredo: “Na garrafa ou no barril, salve a cachaça! Patrimônio cultural do Brasil”

Compositores: Washington, Junior Bebezão, Thiago Silveira, Fael Cachinho, Vagner Silva, Bola, Pitimbu, Dudu, Zé Luís e Cláudio Russo

Intérprete: Ronaldo Yllê

O samba para o enredo sobre a cachaça, que chegou a rondar a Portela nos tempos do nada saudoso Nilo Figueiredo, é de dar dor de cabeça.

Se o enredo já não ajuda, os compositores também não estiverem muito iluminados e não conseguiram se salvar do gesso da sinopse. Dessa forma,  fica muito difícil de salvar um samba. Sem contar que a inclusão de Paraty no final do samba foi forçada e mal-feita.

O samba não é uma tragédia, mas ele não consegue se desprender do tema insosso e segue o mesmo caminho da sinopse. Parafraseando Tim Maia “mais explosão, mais melodia, mais letra, mais inspiração, mais tudo!”.

Caprichosos

Enredo: “Dos malandros e das madames. Lapa, a estrela da noite carioca”

Compositores: Jorginho Moreira, Frank, Rafael Gigante, Victor Rangel, Max Colonna e Edinho de Pilares

Intérprete: Thiago Brito

Para um enredo sobre a Lapa, que nunca pode ser ruim, a Caprichosos conseguiu fazer um samba descartável. Mais um samba que não é ruim mas não deixará qualquer saudade quando o desfile acabar.  Mais uma vez acredito que seu grande defeito seja tentar vender o famoso bairro boêmio do Rio de Janeiro ao invés de simplesmente se resumir a contar o que pede o título da sinopse: a história dos malandros e da high society que sempre dividiram alegremente os espaços da Lapa.

É um enredo, ainda mais mostrado pela Caprichosos, que pedia um samba ligeiramente mais irreverente, de uma forma que a sinopse divulgada permitiria. Porém não foi esse o caminho escolhido e assim a Caprichosos pouco a pouco vai perdendo sua identidade.

Espero que, tal qual ocorreu em 2013, o desfile em si seja mais irreverente do que o samba escolhido faria supor.

(Atualização: após a publicação da coluna, recebi a informação do leitor Eduardo Silva de que esta visão menos irreverente do samba foi solicitada pela própria escola e pelo carnavalesco Amauri Santos. Apenas havia lido a sinopse e achava que havia lá alguns elementos que poderiam ser explorados de forma diferente. Se isso foi um pedido da própria escola, apenas posso lamentar, mas não muda minha opinião sobre o samba em si.)

Viradouro

Enredo: “Sou a terra de Ismael, Guanabaran eu vou cruzar. Pra você tiro o chapéu, Rio eu vim te abraçar”

Compositores: Dudu Nobre, Diego Tavares, Zé Glória, Dilson Marimba, Paulo Oliveira e Junior Fragga

Intérprete: Zé Paulo Sierra (Part. Especial: Dudu Nobre)

Outra escola que se caracterizou por belos sambas na gestão do também compositor Gustavo Clarão que, apesar de ter um bom samba, é inferior a outros apresentados pela escola recentemente.

O samba é curto e deverá se encaixar bem no estilo alucinado da bateria do Barreto. Destaco o refrão do meio que tem uma trinca muito feliz de versos em “tem a arte do samba no pé / nesse palco o artista quem é / pode apostar, sou eu”.

Não é um samba que ganhará um desfile sozinho, mas também não será um empecilho para a busca do título pela escola. Apenas não consigo gostar da letra da metade final da 1ª estrofe  e do início da 3ª estrofe. Interessante que esses dois trechos são ligados justamente pelo refrão da trinca de versos destacada.

Samba do mesmo nível do Império Serrano.

Estácio de Sá

Enredo: “Um Rio à beira mar: ventos do passado em direção ao futuro”

Compositores: China do Estácio, Thiago Daniel, Jorge Lopa, Guto Smuk, Filipe Medrado, Renato Pinto, Eduardo Moreira e Ricardo Basile

Intérpretes: Leandro Santos e Dominguinhos do Estácio

E temos o prêmio “leite de pedra” do ano. A região do porto do Rio, que será o enredo deste ano da Estácio de Sá, é riquíssima de histórias e estórias, a ponto de conseguir fazer uma trilogia de desfiles sobre ela. Porém a sinopse da Estácio não soube encaixar esses dados e ficou bastante confusa.

Os compositores fizeram ótimo trabalho e “limparam” a sinopse, deixando-a bem mais clara na letra, com bom conteúdo histórico e uma melodia gostosa. A escola apenas precisa trabalhar um pouco o canto e a melodia na parte “marejando em ondas” que não está muito clara. Mas isso é um problema pequeno que não deverá requerer grandes esforços para ser resolvido.

É samba para compor o “pelotão de perseguição” aos dois melhores sambas do grupo.

Santa Cruz

Enredo: “Do toque do criador à cidade saudável do Brasil. Jundiaí, uma referência nacional”

Compositores: Preguinho, Robinho do Cavaco, Léo do Tamborim, Rodolfo Frez e Douglas Ramos

Intérprete: Paulinho Mocidade

Da série “Inacreditável Samba Clube”: justamente no ano em que Fernando de Lima perde na Santa Cruz na maior zebra dos últimos 2 ou 3 anos no carnaval carioca, a Santa Cruz escolhe um samba pior do que o apresentado por ele.

Admito que o enredo completamente CEP sobre a agradável, porém insípida, cidade de Jundiaí não é um enredo sequer mediano. Mas o samba escolhido é o 2° pior ano, só é salvo pelo desastre da Rocinha. Ele não é nada interessante e totalmente óbvio, seja na letra quanto na melodia. Clichê ruim do início ao fim.

Este samba serve para umas 20 ou 30 outras cidades paulistas, é só substituir o nome. Típico samba genérico.

Unidos de Padre Miguel

Enredo: “Decifra-me ou te devoro: enigmas – chaves da vida”

Compositores: Arlindo Neto, Pedrinho da Flor, Jefinho Rodrigues, Jorginho Medeiros, Lauro Silva e Fernando Piá

Intérprete: Marquinhos Art’Samba

Outro bom samba da Série A. O enredo sobre enigmas parece que será desenvolvido de forma bem interessante e o samba apenas ajuda para aumentar as expectativas., com melodia e letras interessantes O próprio refrão principal é um pequeno enigma para o qual o último verso traz a resposta: a própria escola.

Também não é nenhum samba genial, porém em uma safra que carece de grandes sambas, fica tranquilamente na parte de cima. Mais uma vez a Unidos de Padre Miguel parece ser a única escola egressa do antigo Grupo B a conseguir ombrear com as do antigo Grupo A.

Cubango

Enredo: “Continente Negro – uma epopeia africana”

Compositores: Sardinha, Diego Moura, Wagner Medeiros, Deigre Silva, Junior Fionda, Igor Leal e Lequinho

Intérprete: Marcelo Rodrigues

O melhor foi deixado para o final pelo sorteio. A Cubango tem o samba inédito do ano na Série A. São dois refrões fortíssimos, com bela melodia e letra bem montada, especialmente o refrão do meio que é irresistível – embora adaptado de um ponto de umbanda.

Em relação aos refrões, as estrofes medianas perdem ligeiramente a qualidade, ainda sim são de ótima qualidade. E mais uma vez fica provado que clichê nem sempre é ruim. Afinal de contas é outro enredo afro que trará para avenida vários elementos que já nos cansamos de ver na Sapucaí.

O que faltou à Cubango no ano passado foram samba-enredo e um enredo minimamente entendível. O enredo desse ano é bem claro e o samba-enredo é uma pancada. Eu espero nada menos do que um senhor desfile vindo da Noronha Torrezão.

Por fim é interessante notar que este samba é assinado pelo famoso trio da Mangueira Lequinho, Igor Leal e Junior Fionda e meu gosto particular não se coaduna com o estilo de samba que eles costumam compor. Não é normal eu gostar de forma tão forte de um samba desse trio.

Talvez a resposta para essa incongruência seja o fato que este samba da Cubango tenha muito pouco desse estilo mangueirense. Em compensação, abunda o estilo do jovem compositor e puxador Diego Nicolau, que defendeu este samba na quadra durante a disputa e de quem sou fã declarado.

Considerações finais: infelizmente, excluindo as reedições, não é uma safra muito inspirada da Serie A, especialmente se forem feitas comparações anteriores. Apesar do número pequeno de “bombas” (apenas três), várias escolas destoaram da sua boa série histórica neste ano. É um dos poucos anos em que a safra do Grupo Especial é indiscutivelmente superior a da Serie A.

  1. Em Cima da Hora
  2. Tuiuti
  3. Tradição
  4. Cubango
  5. Alegria da Zona Sul
  6. Renascer
  7. Estácio de Sá
  8. Império Serrano
  9. Unidos de Padre Miguel
  10. Viradouro
  11. União de Jacarepaguá
  12. Inocentes
  13. Porto da Pedra
  14. Caprichosos
  15. Curicica
  16. Santa Cruz
  17. Rocinha