Nesta terça feira pós-feriado carioca o historiador Luiz Antonio Simas conta um pouco da história de Natal da Portela, um dos maiores da história da escola, relembrado neste 2014 na reedição da Beija Flor a ser levada pela Tradição à Marquês de Sapucaí sábado de carnaval.

Natal da Portela, a Beija Flor e o jogo do bicho

O samba, o jogo do bicho e o futebol, três instituições da cultura carioca, fizeram a história e a fama de Natalino José do Nascimento, o Seu Natal da Portela.

Paulista da cidade de Queluz, onde nasceu em 1905, Natal chegou ao Rio de Janeiro ainda menino de calças curtas. Depois de um breve período em Cachoeira Grande, entre os bairros do Méier e de Lins de Vasconcelos, mudou-se com a família para a esquina da Rua Joaquim Teixeira com a Estrada do Portela, no subúrbio de Oswaldo Cruz, onde reza a tradição que a Portela foi fundada, sob o comando de Paulo, Rufino e Caetano.

Ainda na adolescência, depois de uma infância com muitas dificuldades financeiras, Natal conseguiu uma colocação na Estrada de Ferro Central do Brasil, onde trabalhou durante seis anos. Exerceu as funções de cabineiro, condutor de trem e telegrafista. Em 1925, foi demitido por invalidez, após sofrer um acidente e perder o braço direito nos trilhos do trem. Passou, então, a viver de biscates e chegou a ter uma pequena barraca de camelô. Sem conseguir qualquer colocação no mundo do trabalho formal, arrumou emprego de anotador do jogo do bicho.

A carreira do cabra na contravenção foi exuberante. De anotador a gerente, de gerente a dono de banca, tornou-se o maioral da loteria popular e pioneiro da polêmica ligação entre o bicho e as escolas de samba. Com ele consagrou-se a figura do patrono, depois tão comum no meio. A Portela deve às artimanhas pouco lícitas de Natal, e ele admitia isso, alguns de seus triunfos. Envolvido também com o futebol, chegou a diretor do Madureira, o tricolor do subúrbio.395661_337121519740535_60992931_nFoi valente pra dedéu. Gostava de um charivari. Sofreu quase quatrocentos processos, foi preso mais de noventa vezes, tirou cana quatro vezes na Ilha Grande e uma em Fernando de Noronha. Enfrentou, com um braço só, o temível matador China Preto, famoso pistoleiro do subúrbio nos anos 50. Deu um barata-voa no camarada que fez o China Preto ficar mais branco do que defunto dinamarquês.

Natal não era muito chegado ao universo da moda: só andava de chinelos e paletó de pijama. Era assim, em trajes tremendamente informais, que geralmente desfilava pela azul e branca de Oswaldo Cruz. No único ano em que convenceram o malandro a desfilar na beca, de terno, sapatos nos trinques e outros salamaleques, creditou ao traje requintado a derrota da Portela.

Para o bem e para o mal Seu Natal foi o retrato de um Rio de Janeiro que, nos anos 50 e 60, auge do seu poder, fugiu ao estereótipo da cidade cantada pela bossa nova, que então surgia com o objetivo mequetrefe de retirar a África do samba.

Muito além do barquinho, da garota gostosa, do cantinho e do violão, a cidade dos subúrbios, dos pequenos times de futebol, do samba e do jogo do bicho, pulsava nos botequins, terreiros de macumba e esquinas de Oswaldo Cruz e Madureira. Ali, longe do mar, Natal foi o rei e a lenda.

O velho cantou pra subir em 1975, com fama de bandido e herói, feito o personagem de desenho animado que tem asas de anjo e tridente de capeta.

No ano seguinte, 1976, a Beija-Flor de Nilópolis conquistou seu primeiro título homenageando o jogo do bicho e a figura lendária de Natal. Um detalhe – o refrão do meio, politicamente incorreto, é um belo manual sobre como interpretar os sonhos e fazer a fé no bicho certo:

“Sonhar com filharada é o coelhinho
Com gente teimosa na cabeça dá burrinho
E com rapaz todo enfeitado
O resultado, pessoal
É pavão ou é veado.”
 

Para uma escola que nos anos anteriores saudara os feitos do regime militar, a exaltação ao jogo do bicho foi um avanço e tanto: Sonhar com rei dá leão!

6 Replies to “Histórias Brasileiras: “Natal da Portela, a Beija Flor e o jogo do bicho””

    1. Caro Carlos!

      Não havia ligação alguma entre eles, são de épocas distintas. Porém, entre as duas Escolas há realmente uma ligação, a Portela é Madrinha da Beija-Flor, bem como:
      Vila Isabel
      União da Ilha
      Viradouro
      Caprichosos de Pilares
      Sereno de Campo Grande
      Em Cima da Hora
      Unidos da Vila Santa Tereza
      Arranco Do Engenho de Dentro
      Acadêmicos Do Sossego
      Unidos Do Cabuçu
      Acadêmicos do Engenho da Rainha
      Rosa de Ouro
      Lins Imperial (há controvérsias entre Mangueira e Portela)
      Gato de Bonsucesso
      Independente de Nova América
      Antiga Abissínia (Cabo Frio)

      SP:

      Nenê de Vila Matilde
      Portela da Zona Sul

      RS:

      Bambas da Orgia

      DF:

      Águia Imperial
      ARUC

      AM:

      Balaku Blaku

      ES:

      Unidos da Piedade
      Unidos de Juatuquara

  1. Sobre a madrinha da Lins Imperial, não há controvérsia alguma: as três grandes na época de sua fundação, Portela, Mangueira e Império, são juntas “co-madrinhas” da Lins. Inclusive influenciaram na identidade da escola: as cores são da Manga, o nome do IS e o brasão da Portela.

  2. Boa tarde!

    Estou fazendo um trabalho voltado à história da Região Madureira – Patrimônio – Memória, assim sendo, preciso saber se ainda existe a casa onde morava Natal da Portela e onde fica situada.

    No aguardo,
    Katya

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