Neste domingo o compositor Aloisio Villar escreve sobre a paixão pelas escolas de samba da Ilha do Governador e as disputas para os sambas-enredo de 2014 na Acadêmicos do Dendê e no Boi da Ilha, nas quais o nosso colunista se sagrou campeão.

Boi, Dendê e eu

Durante a semana pedi ao Pedro Migão que demorasse um pouco mais para lhe mandar essa coluna de domingo, e que esperasse até sábado o fechamento da mesma, por um motivo especial.

Ou melhor. Dois.

Na verdade essa coluna de hoje me faz voltar no tempo, ao ano de 1995. Eu tinha 18 anos de idade e pela primeira e última vez até hoje passei o Carnaval fora do Rio de Janeiro. Passei no Mato Grosso, local onde morei entre 1992 e 1995.

Eu já era um apaixonado por Carnaval e principalmente por desfiles de escolas de samba. Enquanto o pessoal foi curtir músicas de Carnaval na pracinha principal da cidade fiquei em casa sozinho assistindo aos desfiles.

Mas eu não era um fissurado apenas pelo desfile das escolas de samba do Grupo Especial. No meu coração existia lugar para mais duas agremiações, as do meu bairro: Boi da Ilha e Acadêmicos do Dendê.

O Boi da Ilha era o antigo bloco Boi da Freguesia, agremiação que ensaiava na esquina da minha casa, a qual meu pai era passista e o som era tão alto que de casa eu decorava os sambas. Dendê era uma escola de apenas três anos, mas com uma subida meteórica, sendo campeã ou vice todos os anos.

Por que cito 1995? Porque nesse ano ocorreu uma coisa curiosa. As duas agremiações se encontraram no mesmo grupo.

Era o Grupo C, equivalente à quarta divisão do Carnaval carioca. O Dendê fora campeão do Grupo D em 1994 e pela primeira vez se encontrava com o Boi. Aquele duelo chamou muito minha atenção. O primeiro confronto entre elas.

Na época não existia internet e era raríssimo conseguir informações das escolas dos grupos de baixo. Eu passei o Carnaval ansioso por esse confronto; depois do mesmo, como louco tentei descobrir o que ocorrera e só semanas depois descobri o resultado.

O Acadêmicos do Dendê vencera a disputa, fora campeão do Grupo C e assim passou ao B com o Boi se mantendo no C.

Em 1996 as duas subiram de grupos e em 1997 as duas desceram, impedindo um novo encontro. Em 1998 o Boi subiu, Dendê desceu novamente e inverteram posições, evitando o encontro. De 1998 pra frente foi assim, o Boi em grupos acima do Dendê.

Até que em 2013 o Boi desceu, Dendê se manteve e novamente se encontram no mesmo grupo, pela segunda vez na história.

E por quê conto isso?

Porque não tenho mais 18 anos e nem moro mais no Mato Grosso. Hoje tenho 37, e dois anos depois daquele confronto, virei compositor de samba-enredo e, entre as agremiações em que ingressei, estavam as duas.

Logo em 1997 fiz minha primeira final de samba-enredo e foi no Boi da Ilha. No enredo sobre o Círio de Nazaré fizemos uma disputa bonita, com bastante torcida, fogos e na parceria que também tinha Paulo Travassos, Cadinho, Dãozinho e Ricardo consegui essa final. Perdi, mas ali se iniciava uma história.

No mesmo ano fiz Acadêmicos do Dendê, escola que eu tinha menos intimidade das três insulanas, que eu tinha menos conhecimento. Fez um enredo sobre dendê, desde o coco, passando pelo azeite, morro e a escola de samba. Um enredo confuso que fez que tivéssemos um samba confuso.

Samba fraco, amador e que teve sua situação piorada com a falta de Cadinho devido a trabalho e o saudoso Dãozinho cantando embriagado. Eu e Paulo tivemos que cantar com ele e péssimos cantores que somos fizemos uma apresentação desastrosa que rendeu a eliminação logo no primeiro corte.

Começo com derrotas, mas que fizeram aprender e me fizeram chegar a esse ano de 2013, para o Carnaval 2014 com seis vitórias em cada escola.

Parcerias completamente diferentes montadas no Boi da Ilha e no Acadêmicos do Dendê para os concursos. Para o Boi um dream team montado com compositores do nível de Djalma Falcão, Marquinhus do Banjo, Gugu das Candongas, Rafael Mikaiá entre outros. No Acadêmicos do Dendê, uma parceria mais operária, mas com bons valores como Bruno Revelação, Lobo Junior, Cadinho e chegada de gente como Alexandre Valle, sete vezes campeão na União de Jacarepaguá, além claro, do dono desse blog, o amigo Pedro Migão.

O Boi falando de uma fábula de um pierrot que conhece uma colombina através da internet. O Dendê, da história do samba. Dois enredos completamente diferentes com parcerias diferentes e histórias diferentes.

Na hora do concurso a impressão que tudo se inverteu. A superparceria do Boi encontrou dificuldades durante a disputa. Começou mal o concurso numa mistura de desdém e soberba, a do Dendê virou um dream team fazendo tudo certo, organizado e com um samba que considero um dos melhores que já fizemos.

O samba do Boi reagiu no meio do concurso, o do Dendê entrou em disparada rumo a vitória.

E quis o destino que as duas agremiações, que voltavam a se encontrar no mesmo desfile, quase se encontrassem na mesma data em suas finais. Boi da Ilha 5 de dezembro, Acadêmicos do Dendê 6 de dezembro.

Uma curiosidade. Essa data 5 de dezembro foi a da primeira final da minha vida. No mesmo Boi da Ilha, em 1997.

O Boi fez sua final na gigantesca quadra da União da Ilha e teve a falta de sorte de uma chuva torrencial alagar o Rio de Janeiro na mesma noite deixando a quadra vazia. Disputa nivelada onde enfrentamos grandes sambas e eu não tinha a mínima ideia do que ocorreria.

Na noite seguinte, o Dendê contou com um bom tempo, quadra cheia e apenas dois sambas na final, decisão inédita da escola. Nosso samba fez uma apresentação soberba, uma das maiores de um samba meu em toda minha trajetória.

E no fim deu aquilo que eu tanto queria. Ganhamos nas duas.

Em 1995, eu no Mato Grosso procurava ansioso o resultado do encontro entre Boi da Ilha e Acadêmicos do Dendê. Em 2014, quando as duas voltam as encontrar depois de dezenove anos, desfilarão com sambas meus.

Nunca, mas nunca que aquele garoto de 18 anos poderia imaginar que isso ocorreria um dia, que o próximo encontro delas seria com sambas seus.

Sou sete vezes campeão do Boi da Ilha, o segundo maior vencedor da história da agremiação só perdendo para Marquinhus do Banjo e ultrapassando dois compositores históricos da escola. Carlinhos Fuzil e Mauricio 100.

Sou sete vezes campeão do Acadêmicos do Dendê, ao lado do Cadinho o maior vencedor da história da agremiação. Trajetória que começou lá atrás, segurando cantor embriagado para não cair do palco.

Além desses, ganhei na União da Ilha em 2012. São quinze vitórias em escolas de samba da Ilha, apenas Didi, Aurinho da Ilha e Marquinhus do Banjo venceram mais. Nem nos meus maiores sonhos, quando comecei no samba,poderia imaginar isso. Não sei qual meu lugar hoje na história do samba do meu bairro ou dessas agremiações. Só sei o lugar na minha história que elas tem.

De amor, carinho, respeito e admiração. Meu amor pelo Boi e pelo Dendê é enorme. Ganho, perco, me alegro, me irrito, digo que nunca mais colocarei samba lá e no ano seguinte estou de volta. Amor é assim, passa por tormentas e sobrevive.

Esse ano, não precisarei caçar o resultado da disputa entre elas. Estarei na avenida com elas cantando meus sambas.

Como farei pra dividir meu coração entre Boi e Dendê? Ele não irá se dividir.

Meu coração irá se multiplicar.

“Vem no batuque do meu coração”

“Xô, chororô”