A coluna de hoje do advogado Alexandre Valle faz uma reflexão sobre as últimas decisões do Ministro Joaquim Barbosa no caso do Mensalão.

A Regra é Clara – até para o STF

O ser humano, por natureza e o brasileiro, em especial, tem necessidade de “mitos”, sejam eles ícones do Bem ou do Mal.

O problema maior não é o processo de “mitificação”, mas a consequência disso, qual seja, não se admitir que o “representante do mal” – assim estereotipado por aqueles que assim o qualificam –  nunca tenha alguma qualidade ou que aquele que se imagina um “quase santo” nunca possa ter defeitos, imputando-se, a aqueles que os apontam, a condição de invejosos ou de hereges.

Faço essa introdução para falar sobre a figura de Joaquim Barbosa, Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça. Este último é órgão que tem, entre outras competências, a de fiscalizar o funcionamento do Judiciário e, inclusive, se for o caso, punir os serventuários e Juízes que cometam irregularidades.

É inegável que o sobredito Ministro tem uma trajetória fantástica. Filho de um pedreiro e de uma dona de casa, o menino negrinho de Paracatu / MG, tornou-se arrimo de sua família de oito irmãos após a separação de seus pais, trabalhou em gráfica e sempre estudou em escolas públicas até se formar em Direito pela Universidade de Brasília,onde também fez Mestrado. Fez carreira diplomática, foi aprovado em concursos públicos para Procurador da República, para Professor da UERJ e fala fluentemente inglês, francês, alemão e espanhol.

Chegou ao STF, indicado pelo Presidente Lula – todos os Ministros são indicados pelo Presidente da República – em 2003 e, desde 2013 preside o maior Tribunal do País. Barbosa alcançou maior projeção junto à opinião pública quando essa passou a acompanhar, com maior interesse, o julgamento do chamado mensalão (Ação Penal 470) e passou a ser admirado por sua coragem e incansável determinação.

Não pretendo aqui discutir a questão política do julgamento, se são – todos – os Réus culpados ou inocentes, mas, sim, demonstrar que até mesmo os mitos (criados pelo homem) podem e devem ser criticados quando adotam certas posturas autoritárias e, nesse caso, até mesmo contra a Lei e contra a Constituição.

Em atitude que vem sendo combatida por entidades de Juízes e Advogados (OAB, Associação dos Magistrados Brasileiros, Associação dos Juízes Federais e a Associação dos Juízes para a Democracia), o Ministro Joaquim Barbosa pediu a substituição do Juiz da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal, responsável pelo cumprimento da pena dos condenados.

Antes de traduzir do “juridiquês” para o português o que representa tal atitude, vamos a algumas considerações: O Estado Democrático de Direito pressupõe a existência da figura do JUIZ NATURAL, ou seja, o Juiz que, naturalmente é competente para examinar tal caso, ou que tenha jurisdição sobre determinado local não pode ser substituído por outro juiz, seja por quem for (não há hierarquia entre os Magistrados que justifique tal medida), a não ser que tenha havido alguma irregularidade que esteja sendo motivo de processo para sua apuração, o que, definitivamente, não é caso.

O Judiciário tem essas garantias, como a da inamovibilidade dos Juízes, justamente para não sofrer pressão política ou econômica, senão, aquele que exercer um poder maior, sempre conseguirá escolher o juiz que irá julgar determinada causa, como já se viu, outrora, em regimes autoritários, não só no Brasil. Tal atitude é um verdadeiro atentado ao Estado Democrático de Direito.

Ouso dizer que seria a instituição do coronelismo no Judiciário.

O Princípio do Juiz Natural, assim como o Princípio da Vedação aos Tribunais de Exceção estão, ambos, previstos em nossa Constituição e a manter-se tal decisão (de substituição do Juiz da Vara de Execuções Penais) estará sendo ferida, de forma visceral, essa mesma Constituição, justamente pelo Presidente da Suprema Corte que é aquela que tem como principal missão a defesa de nossa Carta Magna. Constituindo-se, assim, tal “canetaço”, em um verdadeiro contrassenso daquele que deveria ser o maior defensor dos Princípios Constitucionais.

Seguindo o caminho didático para aqueles que não conhecem os meandros jurídicos da questão, esclareço que o Juiz da Vara de Execuções Penais é aquele que examina, após o julgamento, todas as questões atinentes ao cumprimento da pena, não cabendo, portanto, ao Ministro Barbosa, qualquer outra ingerência, uma vez que seu poder de jurisdição terminou com o julgamento da Ação Penal no STF.

Saliento que o mesmo requereu a substituição do referido Magistrado, desta feita, como Presidente do CNJ (em outras palavras, foi ali, mudou a toga de Presidente do STF e voltou com o novo uniforme, desta feita de Presidente do CNJ), sem que qualquer justificativa plausível, legal ou razoável fosse apresentada.

Teria sido o Ministro Joaquim picado pela mosca azul do poder? Seria mera vaidade? Vontade de se manter “bem na fita” com a leiga opinião pública? Ou haveria algum outro interesse? Tais respostas são de difícil apuração até porque as questõess são sempre subjetivos.

A única coisa que se pode afirmar é que o Juiz indicado para substituir o que já exercia as suas funções chama-se Bruno André Silva Ribeiro e é filho de um ex-deputado distrital do PSDB. Como o nome do Ministro Barbosa já foi ventilado por diversos figurões desse mesmo PSDB para o Governo de Minas Gerais ou ainda para compor chapa com Aécio Neves em um possível vôo presidencial desse último, ficam algumas dúvidas e especulações no ar.

Para quem não acredita, sugiro que coloquem no Google as expressões “Joaquim Barbosa Candidato PSDB” e confiram quantas notícias já foram divulgadas com tais comentários.

Não proponho aqui uma discussão sobre a honestidade de propósitos de ninguém, mas apenas uma reflexão sobre a “mitificação” de certas figuras públicas. Nem todos são absolutamente vilões ou completamente herois, mas, como diz aquele ex-árbitro de futebol, “a regra é clara” e aqueles que querem ser vistos como bastiões da moralidade e da imparcialidade devem agir dentro dos estritos limites da legalidade, dos princípios constitucionais e despirem-se de suas vaidades; sob pena de repetirem, ainda que por vias transversas as atitudes condenáveis que tanto dizem repudiar.

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