Temos um artigo de uma convidada hoje. A jornalista Mariana Serafini, estudiosa da política paraguaia, nos escreve sobre o projeto aprovado nesta segunda feira pelo Senado paraguaio denominado “Aliança Público Privada”, que, em linhas gerais, representa privatização ampla do Estado paraguaio e retira poderes do Congresso e os concentra no Executivo.

Paraguai: Levante popular contra o Neoliberalismo

Na manhã desta segunda-feira (28) o povo paraguaio acordou nas ruas; mais de 60 pontos de manifestação em todo o país reuniram cerca de 100 mil pessoas. O povo protestou contra a lei de Aliança Público Privada, então em votação no Senado,  que prevê uma série de privatizações de serviços públicos.

Em menos de cem dias de governo, Horácio Cartes já tomou algumas medidas preocupantes; se depender dele, o avanço neoliberal segue a passos largos no país. O presidente é o responsável pela criação de duas leis que claramente favorecem a venda de patrimônios estatais e prejudicam os trabalhadores. A primeira, Lei de Aliança Público Privada, centraliza o poder no Executivo e permite o presidente tomar decisões sem a consulta aos poderes legislativos. Além de prever a venda de patrimônios estatais como estradas, aeroportos, sistema de educação e saúde e distribuição de energia. Criou também a Lei de Responsabilidade Fiscal com objetivo de reduzir os impostos dos grandes empresários, aumentar dos trabalhadores e ainda congelar os salários dos funcionários públicos.

Não são poucos os motivos que levaram os cem mil paraguaios às ruas. Em todo o país as palavras de ordem eram unânimes, “APP No!” e “Fuera, Cartes”. Boa parte das manifestações foram articuladas pela Frente Guasu, coalizão dos partidos de esquerda cujo dirigente é o senador Fernando Lugo – presidente deposto com um Golpe Parlamentar em 2012. Durante as semanas que antecederam a manifestação a Frente Guasu fez diversas reuniões com organizações campesinas e urbanas em todo o país para alertar o povo sobre os riscos com a aprovação das leis.

Apesar de toda a indignação popular, Horácio Cartes segue com o discurso entreguista. Recentemente ele adotou o slogan “Paraguai Fácil” e apresenta o país, em reuniões com grandes empresários estrangeiros, como uma feira de negócios. Em uma reunião no Uruguai no final de semana, o presidente fez a infeliz afirmação “o Paraguai deve ser fácil, assim como uma mulher linda”. Questionado por uma repórter uruguaia sobre o machismo expressado na frase ele respondeu “se achar mulheres lindas é machismo então sou machista”.

O povo paraguaio não aprova tais atitudes, prova disso são as recentes pesquisas de popularidade que mostram o presidente com uma queda significativa. Já atinge menos de 50% de aprovação. O grito das ruas “Fuera, Cartes”, a princípio é uma palavra de ordem indignada, mas os líderes das manifestações prometem: com a lei de Aliança Público Privada aprovada a resistência popular permanecerá até que seu clamor seja ouvido.

Em Ciudad Del Este, fronteira com o Brasil através da Ponte Da Amizade (principal via de ligação entre os dois países) os manifestantes fecharam a ponte durante pouco mais de uma hora (foto). Cerca de 3 mil pessoas marcharam em direção à fronteira, a ação teve ampla audiência tanto nos estados de Alto Paraná (PY) quanto no Paraná (BR). Já no município de San Pedro a forte repressão policial impediu as manifestações. Em Assunção os manifestantes seguiam em vigília na praça em frente ao Congresso Nacional.

Segundo um dos líderes da manifestação, Nelson Maidana, a situação no Senado é complicada, são poucos senadores que com certeza votarão contra a APP (Aliança Público Privada), e outra parte deles estaria disposta a negociar caso a pressão popular realmente acontecesse. O clima no país é apreensivo. O líder estudantil Willians Kuarahy afirmou “se privatizam a educação e saúde vamos passar o resto de nossas vidas trabalhando para pagar aos grandes empresários. A educação não se mede pela cotação da bolsa de valores!”.

Após a declaração machista do presidente Horácio Cartes, a hastag #NiLindaNiFácil passou a ser usada no microblog Twitter com intuito de mostrar as qualidades da mulher paraguaia. E fora da internet isso também aconteceu: a dona de casa Beatriz foi à rua manifestar sua indignação “se na minha casa não tem arroz, nem feijão, e se eu não posso pagar médico e escola para os meus filhos o que me resta fazer? Vou me prostituir? Não! A mulher paraguaia trabalha e luta pelos seus direitos, é isso que eu estou fazendo aqui”.

Apesar dos protestos, a lei foi aprovada na última segunda feira.