No artigo de hoje o advogado Rafael Rafic retoma o tema da última coluna e nos conta mais duas histórias de utilização do dinheiro público na construção de arenas americanas.

Estádios com Dinheiro Público nos EUA: alguns casos (Parte II)

Depois da enorme repercussão da última coluna sobre financiamento público de estádios nos Estados Unidos, a pedidos do editor-chefe reuni outros dois casos interessantes ocorridos. Afinal, como escrevi no final da coluna, existem casos para várias colunas.

Começaremos esta com uma história que está bastante ligada ao escândalo do Yankee Stadium: a do Citi Field, novo estádio do outro time de baseball de New York, o Mets. O que eu não havia contado é que em dezembro de 2001, quando o antigo prefeito de New York, Rudy Guiliani, estava de saída do cargo, ele havia capitulado a um antigo pedido de George Steinbrenner (dono do NY Yankees) e havia feito um acordo para construir dois novos estádios de baseball: um para o Yankees e outro para o Mets.

Para quem não está ligando os marcos temporais, lembro que o atentado contra o World Trade Center ocorrera apenas dois meses antes e tais estádios fariam parte do plano de reposicionamento da imagem da cidade e da auto-estima de seus habitantes.

Só que em 2002, quando o então novo prefeito Michael Bloomberg assumiu o posto (apoiado por Guiliani), o mesmo atacou publicamente o contrato, clamando que eram “subsídios desnecessários para times bem sucedidos em detrimento de programas sociais voltados aos pobres”.

Assim, Bloomberg usou a cláusula de retirada do contrato e cancelou a construção dos novos estádios. É verdade que o contrato tinha cláusulas polêmicas, como: o pagamento pela cidade da metade do valor de ambos os estádios mais toda a infra-estrutura ao redor (estações de trem e metrô além de garagens) em um total de US$ 1,1 bilhão; a manutenção de toda receita de garagens para os cofres dos times, além de quase toda receita de ingressos e direitos de cathering para os mesmos cofres.

Realmente era um contrato leonino, no qual a prefeitura só perdia. Neste caso ainda havia o agravante dos enormes custos de reconstrução que a cidade teria após os atentados do ’11 de setembro’.

Mas não deixa de ser interessante notar que, como informei na coluna passada, no meio de 2005, Bloomberg, após ter falado tão mal de tal contrato, ter acordado com Yankees a construção de um novo estádio quase exatamente nos mesmos moldes do combinado por Giuliani em 2001. A única diferença é que a cidade, ao invés de pagar US$ 800 milhões e ser a dona do estádio como acordado em 2001, emprestou a juros subsidiados os mesmos US$ 800 milhões ao Yankees que assim construiu o estádio em nome próprio (apesar da terra nua ainda ser da prefeitura de New York).

O que eu não expliquei é que, não satisfeito em fazer o escândalo do Yankee Stadium, na semana seguinte fez outro pior ainda com o Citi Field, que pelo valor inferior e toda a mídia voltada ao Yankee Stadium ficou em segundo plano.

Mais uma vez, aos fatos: estamos em junho de 2005 e a decisão sobre a sede olímpica de 2012 sairia no dia 6 de julho. New York era uma das cidades candidatas, porém ocupando o posto de ‘azarona’ na corrida.

Então Bloomberg, para impressionar o Comitê Olímpico Internacional, anunciou um acordo com o Mets para a construção de um novo estádio que, caso New York fosse eleita, seria o Estádio Olímpico (mal sabia ele que esse movimento foi o tiro de misericórdia no já mal-recebido plano apresentado por New York, pois tal Estádio no Queens, longe de Manhattan, complicaria bastante o projeto inicial de transportes).

Para isso, a prefeitura pagaria US$ 200 milhões do estádio, dos US$ 610 milhões previstos, com o Mets pagando o resto. O que ninguém na época reparou é que grande parte deste dinheiro seria emprestado pela prefeitura ao Mets nos mesmos moldes do acordo anterior com o Yankees e assim o Mets também construiria o estádio em nome próprio.

Por que Bloomberg mudou de idéia tão repentinamente e não satisfeito em um estádio, fez o acordo para os dois logo? Muito simples: ele estava em plena campanha de reeleição, já que as eleições seriam em outubro de 2005 e seus principais aliados nos boroughs do Bronx e do Queens eram historicamente aliados dos novos estádios.

Parêntese: três anos depois Bloomberg se envolveu em uma polêmica para alterar as regras de reeleição da cidade para que ele pudesse concorrer a um terceiro mandado consecutivo – polêmica que transformou o congresso brasileiro de 1997 em amador. Hoje ele está cumprindo este terceiro mandato obtido e é o único político americano do meu conhecimento que já foi tanto democrata como republicano, mas brigou com ambos os partidos e hoje é independente. Mas isso é história para outra coluna.

Para terminar: é claro que o estádio (abaixo) não custou apenas US$ 600 milhões, mas ao fim custou US$ 900 milhões. Quem pagou a diferença? O New York Mets. Onde ele conseguiu esse dinheiro? Em incentivos fiscais da prefeitura, é claro! Ou seja, no fim o contribuinte acabou pagando quase a metade do Citi Field. Muito mais até do que no Yankee Stadium, mas o estádio é do Mets. Citi_Field_Home_OpenerOutro caso escandaloso é o do Lucas Oil Stadium, o estado do Indianápolis Colts, do futebol americano (alto do post, no SuperBowl XLVI).

Mais uma vez o estádio só foi construído após pressão do time, que inclusive usou a já famosa ameaça de se mudar para Los Angeles (ver a coluna retrasada http://www.pedromigao.com.br/ourodetolo/2013/07/made-in-usa-ainda-sobre-a-lista-dos-50-mais-valiosos/) e mais uma vez os termos do acordo entre o time e a cidade foram altamente questionados.

O estádio custou US$ 720 milhões, sendo que o Colts entrou com apenas US$ 100 milhões: o resto foi pago pela Cidade de Indianápolis e pelo Estado de Indiana. Frise-se que o valor com o qual o Colts se comprometeu é uma bagatela tendo em vista que o lucro líquido anual do time gira em torno de US$ 60 milhões e o time tem uma relação entre débitos e valor de marcado de apenas 4%. Ou seja, a capacidade do time de se endividar sadiamente para a construção do estádio era bem maior e havia a condição de se auto-financiar completamente caso necessário.

Para honrar seus compromissos, o condado de Marion, no qual fica a cidade de Indianápolis, assim como Arlington aumentou seus impostos. Assim, foram elevados os impostos sobre aluguel de carros, hospedagens, ingressos esportivos e culturais em geral e, pasmem, comidas e bebidas. Imaginem se o Sérgio Cabral anuncia um aumento do ICMS sobre comida para financiar o Maracanã? Seria forçado a renunciar em menos de 24 horas.

Assim o dinheiro saiu e o estádio foi construído, apesar da reclamação de alguns setores relevantes da cidade de Indianápolis de que todos estariam pagando pela diversão de alguns poucos que gostam de futebol americano e dando lucro a apenas 1 pessoa: Jim Irsay, dono do Colts.

Não satisfeitos, os políticos de Indiana ainda fizeram besteira. O CIB, órgão do governo responsável por operar o estádio (o estádio pertence ao estado de Indiana) estimou que os custos de manutenção do estádio seriam aumentados em US$ 10 milhões por ano se comparados ao do antigo estádio e exigiram que a assembléia legislativa do estado de Indiana aprovasse que o governo de Indiana cobrisse tais custos permanentemente.

Por muito pouco não foi aprovado um aumento generalizado do imposto sobre vendas do comércio para financiar tal quantia. Tal projeto só não foi aprovado pois os legisladores vindos do interior de Indiana, muito forte economicamente, se opuseram veementemente ao projeto.

Ao final, foi autorizado um aumento apenas na área do condado de Marion. O mais interessante é que logo após essa aprovação, os operadores do estádio anunciaram que conseguiram uma redução de exatos US$ 10 milhões na manutenção do time cortando pessoal, mas o aumento foi aprovado e o dinheiro revertido para financiar os custos de manutenção do estádio.

Porém ainda sim, temos um problema: os custos de manutenção, todos bancados pelo Estado de Indiana, tem o triplo do que a parte dos lucros do estádio que cabem ao CIB. Ou seja, o estádio sequer está se bancando para o CIB. Quem está cobrindo esse déficit?

Os contribuintes de Indiana, óbvio.

O escândalo foi tanto que o Colts se sentiu na obrigação de escrever uma carta aberta aos fãs se explicando; mas era melhor não ter escrito porque ficou pior do que desculpa de político brasileiro. Quem quiser ler a carta em sua versão original, ela está aqui.

O time já começou a carta dizendo que não solicitou qualquer favor ao CIB ou ao estado de Indiana. É verdade, mas o que faltou dizer é que o clube tem direito a 80% dos ingressos e dos direitos de cathering do estádio sem pagar 1 centavo de sua manutenção.

Logo depois ele afirma que nunca solicitou à cidade um novo estádio. Só que, por mais que Jim Irsay nunca tenha vindo a publico, não faltaram notícias em sites especializados entre 2002 e 2004 que indicavam que o time não só solicitou um novo estádio como, em vários momentos, ameaçou a saída do time a portas fechadas.

Depois afirma que o clube aceitou o risco de “por 30 anos tentar a sorte em Indianápolis” sem a existência de qualquer cláusula de desistência. Isso é verdade, mas qual o time corre riscos ganhando 80% dos lucros sem pagar nada? Ou seja, a carta foi recheada de mentiras e meias-verdades, mas em seu fim falou a única verdade: o déficit do CIB é histórico e não começou com o aumento de despesas vindas do Lucas Oil Stadium, nem é um problema apenas esportivo.

Isso é verdade. Ao que tudo indica esse CIB consegue ser uma bagunça maior do que a SUDERJ e essa é a principal causa dos constantes prejuízos do órgão. Mas os termos do acordo entre o Colts e o estado de Indiana aumentam a tragédia.

Mais uma vez, lá como cá. Mas a série não acabou ainda…

2 Replies to “Made in USA – “Estádios com Dinheiro Público nos EUA: alguns casos (Parte II)””

  1. Quer ver um estádio mais polêmico ainda? O do Miami Marlins, time de baseball de Miami. Esse é mais escandaloso ainda.

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