Nesta segunda feira, o historiador Luiz Antonio Simas nos conta a incrível história do boi que se tornou funcionário público.

O Padroeiro dos Fantasmas

Dia desses, numa manhã especialmente gelada, uma vizinha de rua, clássica fofoqueira tijucana, me parou para falar barbaridades do ex-marido. Segundo a língua ferina da madame, o cujo era funcionário fantasma de uma repartição há não sei quantos anos. E tome de descer a lenha no sujeito.

Sem paciência para escutar o arrazoado da dona, de resto uma chata de marca maior que, sabidamente, colocou chifres épicos no cônjuge, disse apenas que o ex-marido deveria virar devoto do boi Patrício, o padroeiro de todos os funcionários fantasmas. Os amigos sabem de quem se trata?

Nós, os historiadores e professores de História, adoramos falar sobre a chegada da família real citando D. João, Dona Maria I, Carlota Joaquina, D. Pedro, D. Miguel, e por aí vai. Costumamos, porém, esquecer que Patrício, o boi de D. João, também fugiu da invasão de Napoleão Bonaparte, cruzou o mar e chegou ao Brasil com a Corte.

Segundo relatos, Patrício encarou a travessia do Atlântico com a galhardia típica dos bovinos de boa cepa. Mugiu pouco, comeu moderadamente e foi discreto na hora de fazer suas necessidades fisiológicas.

Ao desembarcar no Rio de Janeiro, D. João se mostrou preocupado com a acomodação de seu querido Patrício. Depois de muito matutar, resolveu enviar o boi para a Real Fazenda de Santa Cruz. O mais interessante foi o seguinte: o príncipe resolveu honrar Patrício com o título de Gentil Homem do Reino e funcionário da Real Fazenda – o que daria ao vacum o direito de receber uma pensão para suas despesas diárias.

O boi Patrício, dessa forma, viveu seus anos de Brasil com a maior tranquilidade, exercendo com sabedoria suas funções de funcionário na Fazenda de Santa Cruz – que consistiam basicamente em pastar, invadir terrenos vizinhos, meditar, dormir, acordar, fazer cocô e pastar de novo; nos conformes recomendados pela mastozoologia dos bovídeos.

Quando explodiu, em 1820, a Revolução Liberal do Porto, e com ela os primeiros levantes a favor da Independência do Brasil, alguns liberais exaltados, do grupo político de Gonçalves Lêdo, receberam a denuncia de que Patrício era pensionista e funcionário público. Os exaltados, então, fizeram um estardalhaço, denunciando a mamata e exigindo a restituição dos ganhos do boi aos cofres públicos. Uma maldade, como se vê.

No fim das contas, D. João voltou a Portugal, o Brasil ficou independente, Patrício não se alterou com os desdobramentos do Grito do Ipiranga e viveu o resto de seus dias na bucólica Santa Cruz. Teve a dignidade de não se pronunciar sobre as denuncias a respeito de sua condição de boi pensionista.

A Real Fazenda de Santa Cruz, aliás, continuou sendo, com o país independente, um paraíso do funcionalismo público imperial. D. Pedro I, filho de D. João, concedeu títulos de nobreza para cerca de quarenta parentes de sua amante principal, a Marquesa de Santos. Todos viraram barões, viscondes, guarda-roupas, gentis-homens e moços da câmara imperial e foram lotados na Real Fazenda, com vencimentos nada modestos. Não preciso nem dizer que os parentes nunca pisaram nas terras em que Patrício pastava.

Patrício é, enfim, um personagem injustamente esquecido. Lanço, por isso, uma campanha: Que se erga uma estátua em homenagem a ele em algum ponto do território nacional. O boi de D. João, funcionário exemplar, merece figurar, ao lado do Boi Garantido, do Boi Caprichoso, do Boi Barroso, do Boi da Cara Preta do Boitatá e do ex-marido da minha vizinha chata, no altar dos ícones vacuns dessa nossa fabulosa Terra Papagalis.