Nesta segunda feira e em tempos de manifestações nas ruas, a coluna “Histórias Brasileiras”, do historiador e professor Luiz Antonio Simas, nos traz uma deliciosa história de protestos populares ocorrida no final do Século XIX.

Baderna e as laranjas da Sabina

Sabina era uma quitandeira famosa, provavelmente ex-escrava, que trabalhava nas ruas do Rio de Janeiro nos idos de 1889, ano em que a Monarquia foi pro beleléu e o Brasil virou República, no golpe de 15 de novembro.

Pouco antes da queda de D. Pedro II, mais precisamente em julho, alguns estudantes da Escola de Medicina, republicanos até os ossos e principais clientes das laranjas Sabina, resolveram alvejar com os bagaços das frutas do tabuleiro da vendedora a carruagem do Visconde de Ouro Preto, figura imponente do Império, que cruzou à frente da escola.

Na manhã seguinte, o subdelegado da região chegou com uns meganhas e, aos berros, expulsou Sabina do ponto, além de apreender seu tabuleiro e levar as laranjas sabem os deuses pra onde. Ameaçou, ainda, prender os estudantes e descer a lenha em quem fizesse baderna em via pública.

Aqui cabe um parêntese: a expressão ‘baderna’ fazia tremendo sucesso no Rio de Janeiro e tem origem na história de Marietta Baderna, uma bailarina italiana que, na segunda metade do século XIX, chocou as senhoras da sociedade carioca ao misturar os “changements de pieds” da dança clássica com os requebrados sensuais e cheios de ziriguidum do lundu africano.

A italianinha gostava de um fuzuê: frequentava bares depois dos espetáculos, bebia, cantava, requebrava nas cadeiras e pintava os cavacos.  Era arretada, a moça. Onde a Baderna chegava, diziam os cariocas, a confusão vinha também. Por seu comportamento, a italiana começou a ser boicotada pelas casas de espetáculo da cidade. Seus fãs passaram a ser conhecidos como baderneiros e faziam protestos onde Marietta não podia dançar.  Fecha o parêntese.

Os jovens clientes de Sabina resolveram, então, armar um furdunço pacífico. Percorreram o centro da cidade com laranjas espetadas em bengalas e receberam impressionante adesão da população carioca. A marcha era precedida por um estandarte com uma coroa feita com bananas e leguminosas e uma faixa em homenagem ao homem da lei: Ao exterminador das laranjas.

Em pouco tempo, as ruas do centro estavam tomadas por manifestantes portando laranjas, bananas, maçãs e hortifrutigranjeiros em geral. Fez-se um carnaval fora de época nas esquinas do Rio. Os rebeldes saíram do Largo da Misericórdia, percorreram a Primeiro de Março e, ao entrar na Rua do Ouvidor, saudaram as redações dos principais jornais cariocas. Receberam mais adesões e vivas entusiasmados.

Diante da reação popular causada pela remoção da quitandeira mais famosa da cidade, o subdelegado pediu demissão e a chefatura de policia permitiu que a quitanda de rua voltasse a funcionar no mesmo local.

A história de Sabina virou lenda – uns dizem até que a punida não foi ela, mas outra vendedora de sua quitanda, de nome Geralda. Não importa; Sabina estava imortalizada pela cultura das ruas cariocas.

Em 1890, logo depois da queda do Império, os irmãos Arthur e Aluísio Azevedo popularizaram Sabina na revista teatral A República. O curioso – e revelador de uma época em que o racismo era explícito e quase não havia atrizes negras – é que a artista que representou Sabina no teatro era uma grega, tremenda branca azeda, chamada Ana Menarezzi.

A canção As Laranjas de Sabina (ao final deste artigo há um vídeo com uma gravação de 1906), composta para o espetáculo dos Azevedo, acabou sendo, segundo o pesquisador José Ramos Tinhorão, uma das primeiras em que a expressão mulata apareceu na história da música brasileira. Eis o trechinho garboso:

“Os rapazes arranjaram

Uma grande passeata

Deste modo provaram

Quanto gostam da mulata, ai…”

Longa vida, enfim, ao Rio de Janeiro que requebrou com Marietta Baderna e chupou as laranjas da Sabina. E que saibamos em quem e onde jogar os bagaços…