Ainda nesta terça feira, em edição extra, a coluna “Bissexta”, do advogado Walter Monteiro, traz uma outra visão dos protestos dos últimos dias. Notará o leitor que é uma visão diametralmente oposta a que expressei no artigo anterior. Mas este é o espírito desta revista eletrônica.

Reflexões sobre o Inexplicável #Vemprarua

“Atordoado, eu permaneço atento / Na arquibancada, para a qualquer momento / Ver emergir o monstro da lagoa”

Olha, é necessário olhar para o fenômeno com algum rigor crítico. É assim que se faz em política.

Em primeiro lugar, por mais dispersas que sejam as bandeiras – e elas são muitas – há sim dois elementos centrais que tiram as pessoas de casa, que são a insatisfação generalizada com os serviços públicos (simbolizada pela questão do transporte público) e os gastos da Copa.

Como a luta é muito voltada para a questão dos transportes, uma demanda que ganhou corpo nos últimos tempos, a tendência é que haja uma redução nessas tarifas. Aqui em Porto Alegre o dia começou com o prefeito sugerindo a redução de R$ 2,85 para R$ 2,80, zerando a alíquota do ISS, o que representaria um custo de R$ 15 milhões anuais para a prefeitura. Quase caí para trás quando vi esse número. Caramba, cada centavo a mais agregado na passagem custa “apenas” R$ 3 milhões/ano para a prefeitura, ou R$ 250 mil por mês.

Vamos transferir esse cenário para SP e fazer uma correlação com os gastos da Copa. A prefeitura de SP deu R$ 420 milhões de isenção para a construção do Itaquerão. Ora, se a relação fosse a mesma do que em Porto Alegre (e certamente não é), os gastos do estádio corintiano sustentariam 6 meses de ônibus inteiramente grátis para a população. Isso revela que há muita margem para reduzir o preço das tarifas, se essa demanda se mostrar prioritária.

A redução das tarifas representará uma vitória inequívoca do movimento. Portanto, sua tendência é arrefecer.

Em paralelo, tem a questão dos gastos da Copa.

O modelo que o Brasil adotou – e só agora estou fazendo essa reflexão de forma sistemática – foi o mais perverso possível. Bancou a construção dos estádios com verbas públicas, mas excluiu a população da festa. Ao se curvar as exigências da FIFA, que decidiu reinventar o jeito brasileiro de torcer, combinado com o preço dos ingressos proibitivos para quase todo mundo, o governo fez o brasileiro se sentir estrangeiro em sua própria terra. Ora, como o povo não foi convidado para a festa que pagou, a resposta foi protestar por um uso mais racional das verbas. Mas de forma bem raivosa, porque o descaso do Estado com a população nas demandas essenciais é muito elevado.

Só que essa manifestação tem data certa para acabar e é semana que vem, quando se encerra a Copa das Confederações. Aí o Brasil terá um ano inteiro para reavaliar sua relação com a Copa. A minha aposta é que os protestos diminuirão ou até terminarão em pouco tempo.

Mas e se não arrefecerem? Qual será o próximo passo? Bom, vamos olhar para as ruas.

Por enquanto, é um movimento de estudantes. Todas as nossas manifestações, desde a 2a Guerra Mundial, foram lideradas pelos estudantes, sempre os primeiros a saírem às ruas. Só que os estudantes sozinhos não vão a lugar nenhum. É como a preliminar de um jogo que vai ser jogado mais à frente.

Os setores que realmente têm peso social ainda estão observando. O movimento sindical, por exemplo, com uma capacidade de mobilização muito maior e capaz de sustentar uma luta longa, está de fora. Para onde vão os religiosos (inclusive, ou melhor, sobretudo, a Igreja Católica), esses milhões de brasileiros que obedecem cegamente ao comando de seus líderes? E a política institucional, que movimento vai fazer nessa hora?

Finalmente, os militares. Como se comportarão?

Quando você olha o nosso passado e vê os momentos em que as ruas intervieram na história (envio de tropas à 2a Guerra, queda do Getúlio, suícidio do Getúlio, golpe de 64, resistência de 68, Diretas Já, Fora Collor), você nota que é necessário unir algumas dessas forças em torno de um objetivo. Algumas delas, claro, às vezes saem derrotadas. Os políticos perderam na morte de Getúlio, os sindicalistas perderam no golpe, os estudantes perderam em 68, os militares perderam nas Diretas, no Fora Collor só ele perdeu. Mas observe que os demais players estavam alinhados contra um inimigo comum.

Enquanto essas demais forças estiverem quietas, não há risco de ruptura. É só estudantada nas ruas gritando “ah, mas que vergonha, uma passagem está mais cara que a maconha”. Só vou me preocupar quando mais gente se unir em torno de um objetivo concreto.

Mas vamos especular e admitir alguma ruptura. Vamos dizer que vamos adotar uma solução paraguaia, como alguém cogitou, um golpe referendado pelo Judiciário, o maior temor de quem nessas horas adora ver chifre em cabeça de cavalo.

Eu lamento decepcionar os mais assustados, pois por mais estranho que pareça, a solução paraguaia seguiu o script previsto pela Constituição deles. Isso nos levaria à inevitável conclusão de que o mesmo se daria aqui, um golpe “legalista”, seguindo a Constituição.

Isso representaria o impeachment da Dilma, por crime de responsabilidade. Algo muitíssimo difícil de passar no Congresso atual, mas que, se passasse, jogaria o Brasil nas mãos de Michel Temer e do PMDB. Convenhamos, não há clima para isso. Não é como nos tempos do Lula, em que o vice era um empresário um tanto outsider da política. Michel Temer é um cara detestável por onde quer que se olhe (exceto pelo bom gosto na escolha da esposa).

Outra hipótese seria uma quartelada, os militares assumirem o poder. Isso é ainda mais improvável, dada a imensa impopularidade das forças da ordem junto aos que protestam.

O risco real – grande risco, por sinal, cada vez mais palpável – é esse processo todo desgastar a imagem pública do governo e inviabilizar uma reeleição. A economia vai mal, mas não tanto assim. O problema é que a população está revoltada com as mazelas brasileiras. E esse lance da Copa ganhou um protagonismo muito grande e surpreendente.

A sorte da Dilma é o idêntico desgaste da oposição. Mas eu não apostaria tanto assim. Pode aparecer uma terceira via real, alguém novo, com um discurso renovado, que una a base conservadora e fisiologista e leve a parada.

Por enquanto só nos resta ficar felizes com a voz das ruas. É lindo, lindíssimo, ver o povo revoltado contra tanta gente que nos sacaneia sem dó.

http://www.youtube.com/watch?v=PvGlxX8CUi8