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Nesta sexta feira, a coluna “Bissexta”, do advogado Walter Monteiro, inicia uma série de duas colunas avaliando a nova gestão rubro negra, comandada pelo Presidente Eduardo Bandeira de Mello. Os posts foram escritos em conjunto com o também colunista Jorge Farah.

Diria que concordo em termos gerais com o conteúdo dos posts, apesar de discordâncias pontuais. A consideração que faço é que o recém lançado projeto de sócio torcedor está bastante aquém do que seria realmente atrativo ao rubro negro – é mais um programa de fidelização que propriamente de associação.

Vamos à primeira parte, com a análise sob os aspectos institucional e de futebol. A segunda parte será publicada segunda feira.

100 Dias da Gestão Rubro Negra – Parte I

Franklin D. Roosevelt assumiu a presidência dos Estados Unidos quando o PIB do país havia caído pela metade, 15 milhões de pessoas estavam desempregadas e a Bolsa de Valores havia encerrado suas atividades por tempo indeterminado, tudo por conta dos efeitos deletérios do crash de 1929, conhecido como a Grande Depressão. Hoje pode parecer ridículo, mas em 1933, data de sua posse, não havia certeza se o sistema econômico sobreviveria.

A história, a partir daí, é razoavelmente conhecida: Roosevelt implantou o regime do New Deal, a economia aprumou novamente e aqueles tempos sombrios serviram apenas de inspiração para uma penca de filmes holywoodianos.

O que pouca gente sabe é que Roosevelt inaugurou um conceito que hoje é um lugar comum: a avaliação dos primeiros cem dias de governo. Tudo porque nesse exíguo tempo, FDR conseguiu com que o Congresso aprovasse 15 leis essenciais às reformas e injetou otimismo e confiança na população e nos agentes econômicos.

Em nossa visão, o Flamengo não estava, por óbvio, sob os efeitos de uma Grande Depressão, não era uma terra arrasada e de sobrevivência ameaçada. Contudo, lentamente caminhava para uma decadência que poderia roubar-lhe o protagonismo absoluto de maior clube do país. Já não era mais o clube de maior receita, sua maior conquista recente (o título de 2009) foi em grande medida obra do acaso, não tinha força esportiva consistente, não sabia agregar valor ao seu gigantesco potencial de marketing vindo da imensa torcida, perdia-se em questões menores da política interna.

O processo eleitoral de 2012 – do qual os autores se orgulham de terem contribuído ao incentivarem o debate em torno da inadiável necessidade de gerir o clube sob parâmetros de boa governança – resultou em ampla mobilização de rubro-negros, unindo sócios e torcedores em um apoio quase uníssono a um grupo que defendia a modernização do comando do clube.

Passados os primeiros 100 dias da presidência de Eduardo Bandeira de Mello, a Nação foi brindada com relatórios específicos das intervenções realizadas por cada uma das VPs do clube. Uma prática saudável e inédita, que merece demorados aplausos.

Ao longo desses 100 dias, nós publicamos vários textos com abordagens pontuais de atos da nova gestão, alguns com elogios entusiasmados, outros com críticas ácidas. Julgamos que é com independência que se deve analisar cada passo dado rumo à reconstrução do Mais Querido e que o confronto de ideias é absolutamente indispensável.

Em muitos pontos, concordamos profundamente com as escolhas feitas pelos atuais gestores. Em alguns outros, nem tanto. Esse é o debate que gostaríamos de propor. Vamos a ele:

Presidência

Há, decerto, muitas coisas boas no Novo Flamengo, mas nenhuma delas supera a ótima surpresa que o acaso nos reservou: a liderança do Presidente Eduardo Bandeira de Mello.

Ser presidente de um clube de futebol potencializa a exposição de seu ocupante de forma inigualável., mas ser presidente do Flamengo é estar permanentemente na mira da curiosidade pública. Querem ver? Um bom indicador é o número de páginas indexadas pelo Google:

Graça Foster, presidente da maior empresa brasileira e que está no cargo há mais de 1 ano (e antes já havia sido presidente da BR Distribuidora e diretora da empresa), retorna 1.030.000 resultados;

Aldemir Bendine comanda, desde 2009, uma empresa com um patrimônio de mais de R$ 60 bilhões e lucros também na casa dos bilhões. A empresa dele é a 4a marca mais valiosa do país. Conhece o sujeito? Talvez não, afinal ele só é citado em 50 mil páginas na Internet, mas ele é o presidente do Banco do Brasil;

Fernando Haddad, prefeito de SP e ex-ministro da Educação , é citado em 963.000 páginas;

Mario Gobbi, que volta e meia vai aos jornais dizer que seu clube é o mais valioso do Brasil, com mais curtidores no Facebook, mais visualizações no You Tube e mais influência nas agências de publicidade, preside o Corinthians desde fevereiro de 2012, retornando 1.450.000 resultados, incluindo os dos tempos em que era diretor de futebol.

Pois Bandeira de Mello, com apenas 100 dias de gestão e um ilustre desconhecido até novembro passado, já retorna 1.620.000 resultados. Em se tratando de gente no exercício de suas funções, o Google registra poucas pessoas à frente de EBM, como a Presidenta Dilma Roussef e o presidente do Congresso, Renan Calheiros (sim, Joaquim Barbosa, mesmo com toda a fama do Mensalão, está atrás). EBM é um dos brasileiros mais vigiados do país e o que tem a maior relação entre menção em artigos x tempo no cargo.

Tudo isso deveria mexer com a cabeça do sujeito. É natural que a pessoa perca o eixo, fale mais que devia, se deslumbre com os holofotes, goste de aparecer. Outros colegas seus no conselho de gestão rubro-negro volta e meia se excedem nas entrevistas, prometem o que não devem, dão declarações polêmicas.

Já Bandeira de Mello não. Sempre sereno, sempre equilibrado, se comporta diante da imprensa esportiva com a mesma fleuma de Alan Greenspan à frente do Federal Reserve. Não fez uma promessa. Não disse uma bravata. Não foi arrogante, prepotente, belicoso. Realmente, parece viver em um mundo totalmente estranho ao que se vê com habitualidade no futebol.

O melhor é que dentro de um clube 100% profissionalizado (o que o Flamengo ainda não é), o perfil ideal do presidente eleito (portanto, “amador”), é exatamente este: discreto, sóbrio e deixando os executivos trabalharem sem interferir no cotidiano. Curiosamente, de todos os que chegaram ao Conselho Gestor, EBM – que se não fosse o episódio da impugnação da candidatura Wallim Vasconcellos talvez sequer estivesse na diretoria – é, de longe, o que melhor se encaixa na função.

Principalmente por ter uma aura de homem comum, de gente que não se envolve em politicagem, de quem só quer fazer seu trabalho. E também por não ostentar um ranço elitista que volta e meia escapa em declarações impensadas de seus colegas de sangue azul, o que faz do presidente a encarnação da alma rubro-negra na diretoria.

Que siga assim por todos os seus três anos. Ou quiçá seis!

Futebol

A melhor demonstração pública da mudança de atitude no Departamento de Futebol vem do relatório de 100 dias apresentado por sua vice-presidência: sem rodeios, Wallim Vasconcellos admite que o desempenho recente do time foi “pífio e inaceitável”, prometendo que tomará medidas para que isso não volte a acontecer”.

O comportamento padrão do dirigente em tempos de insucesso é procurar bodes expiatórios que possam ser acusados pelo fracasso – como antecessores no cargo, arbitragem, gramado e afins. A sinceridade de Wallim sinaliza que os tempos realmente são outros. Aprender com os erros é a melhor forma de evoluir em busca de um êxito perene.

Apesar dessa esperança renovada, acreditamos que a condução do futebol nesse início ficou aquém do que se esperava. O conceito de profissionalismo que defendemos pressupõe a delegação integral do poder decisório ao executivo contratado, mas não parece ser isso o que está acontecendo no Flamengo.

O VP nomeado, representando o Conselho Gestor, dá seguidas entrevistas sobre montagem do elenco e chegou a comparecer ao CT para cobrar o elenco. Isso deixa dúvidas sobre quem realmente comanda o departamento: o diretor contratado não parece ter a mesma autonomia que, por exemplo, José Carlos Brunoro tem no Palmeiras.

É compreensível que a diretoria possa hesitar se deve realmente implantar um profissionalismo radical e definitivo no departamento mais sensível logo de início. Ocorre que é justamente ali que se deve evitar que a diretoria eleita interfira, para que as emoções naturais do coração torcedor não contaminem a tomada de decisão.

Em nossa visão, o profissional contratado, estava longe de ser a melhor opção disponível para ocupar o cargo. Em seu relatório, Wallim Vasconcellos fez questão de destacar que Pelaipe seria um profissional com 35 anos de experiência em vários clubes, sendo os últimos Corinthians e Grêmio. Infelizmente, não é bem assim.

Paulo Pelaipe foi, a vida inteira, ligado ao Grêmio, como torcedor e associado. Chegou à direção de futebol apenas em meados da década passada e de lá saiu em abril/2008. Logo depois foi contratado pelo Fortaleza, onde teve uma curta passagem, entrando em janeiro e saindo em março de 2009. Voltou ao Grêmio em agosto de 2011 e de lá saiu no fim do ano passado, com a mudança da diretoria. Ele esteve no Corinthians? Bom, não há registros conhecidos de sua presença por lá, nem ele nunca comentou o fato em suas muitas entrevistas. Se esteve, não ocupou nenhum cargo de destaque

Portanto, tirando a experiência do Fortaleza (cuja breve passagem ficou marcada por contratações questionáveis, dentre as quais Rodrigo Mendes, aquele mesmo), a carreira de Pelaipe como executivo profissional começou para valer no Flamengo. Daí a nossa reserva inicial quando de seu anúncio, uma vez que a torcida era por alguém com uma bagagem mais robusta.

Apesar disso, é necessário reconhecer que Pelaipe tem sido um dirigente com atitudes bem mais adequadas do que em seus tempos de Grêmio, quando era conhecido pela impetuosidade e excessos verbais (tanto que chegou a ser preso no Engenhão acusado de ofender um segurança do Flamengo com expressões racistas). O Pelaipe atual é discreto, solícito nas entrevistas, sereno nas declarações.

Dentre outros feitos, Pelaipe foi responsável, a nosso ver, por uma medida decisiva para o futuro do Flamengo: a montagem de uma área de acompanhamento de atletas e desempenho de adversários, a cargo de Rafael Vieira, que veio da CBF (e antes tinha passado por Corinthians e Grêmio, sempre acompanhando Mano Menezes).

A partir de uma extensa base de dados digital, com informações sobre atletas do mundo inteiro, a decisão de contratar um jogador tende a ser mais “científica”. Em paralelo, o setor ainda municia a comissão técnica com informações sobre padrões de comportamento dos times adversários, para auxiliar no desenho tático de cada partida.

É intrigante que uma intervenção tão notável não tenha sido mencionada pela VP de Futebol no relatório de suas realizações. Provavelmente porque é um trabalho silencioso, que só rende resultados em médio prazo, mas sobre o qual vale o registro, dado que acreditamos muito nas suas contribuições ao clube.

A parte mais crítica desses 100 dias tem a ver com a montagem do elenco. De um modo geral, a análise padrão tende a creditar o mau desempenho do time na segunda metade do campeonato carioca a um esforço de contenção de despesas, que impediria a contratação de estrelas.

Discordamos dessa análise.

O Flamengo projetou um orçamento para o seu departamento de futebol de R$ 97 milhões – grosso modo, pouco mais de R$ 8 milhões por mês. Esse orçamento posiciona o time entre as 10 maiores folhas de pagamento do país.

Em que pese a herança de contratos de atletas com alta remuneração vindos da antiga gestão (casos, por exemplo, de Ibson e Alex Silva), a nova direção, segundo informações publicadas pela imprensa, estaria gastando R$ 1,25 milhão com apenas 5 atletas, contratados ou com contrato renovado nesse primeiro trimestre: Carlos Eduardo, Elias, Gabriel, Renato Abreu e Hernane.

Portanto, nesses primeiros 100 dias a opção não foi por apostar em jovens promessas ou atletas desconhecidos. Ao contrário, a diretoria escolheu investir em jogadores que pudessem assumir a titularidade e dar uma resposta imediata. O drama é que esses atletas estão rendendo abaixo da expectativa e consumindo uma fatia significativa do orçamento.

Isso torna ainda mais crítica a decisão de novas contratações. Por um lado, o clube precisa se reforçar em muitas posições, para algumas sequer há reservas. Por outro, boa parte do orçamento para atrair jogadores de qualidade já foi comprometida com esses jogadores cujo rendimento não vem correspondendo. Logo, o clube precisará ser bem mais efetivo na contratação de novos jogadores e ser mais cauteloso na definição, fugindo de apostas altas em atletas de bom potencial e alta remuneração, para não repetir os erros de Carlos Eduardo e Elias, que ganham muito sem conseguir apresentar, ao menos até agora, uma performance consistente.

A substituição do treinador, muito criticada no que se refere ao timing de execução, nos pareceu uma decisão acertada da diretoria. Se o contrato previa uma redução substancial da multa rescisória a partir de março, esperar dois meses era o que de melhor se podia fazer.

A contratação de Jorginho também tinha tudo para ser uma boa escolha. O início confuso e atabalhoado de Jorginho foi algo imprevisível e até inexplicável, mas, paciência, nada há para ser feito por agora. Desde que reconheça seus erros e corrija os rumos de seu trabalho, Jorginho tem tudo para melhorar e repetir, no Flamengo, seus acertos na Seleção e no Figueirense.

Noves fora os dissabores recentes, o que realmente anima a torcida é a disposição dos novos comandantes em acertar e de não colocar suas vaidades e interesses pessoais acima das demandas do clube. A confiança da torcida de que tudo vai dar certo é quase irrestrita e isso ajuda bastante.

Nossos votos são para que os desastres recentes não alterem absolutamente nada no propósito inicial. Passado o susto inicial pela contratação de Paulo Pelaipe, nosso desejo é para que ele permaneça e conquiste ainda mais autonomia, assumindo de vez o comando do departamento de forma plena. E que o clube siga firme em seu propósito de montar uma equipe de acordo com nossas possibilidades financeiras (que ainda são relativamente extensas), tendo mais precisão na hora de atrair novos talentos.

Segunda feira retomamos o balanço, enfocando os aspectos financeiro, o de marketing, os esportes olímpicos e a nossa conclusão.

3 Replies to “Bissexta: “100 Dias da Gestão Rubro Negra – Parte I””

  1. Muito boa e pertinente a análise. De modo geral, concordo com ela e só faria ressalva à opção pelo Pelaipe. Vale lembrar que, na época, eram pouquíssimas as opções disponíveis. Lembro-me do Ximenes do Coritiba (ótimo nome mas que, segundo a imprensa, pediu coisa de 300 mil por mês em remuneração) e o Maluf do Atlético-MG (que precisaria romper o seu vínculo atual e, ainda por cima, negociar salários altos, na faixa dos que recebe do time mineiro). Rodrigo Caetano estava empregado e tinha recém assumido a direção executiva de futebol do Fluminense e não sairia. Sem falar que o Pelaipe havia formado um bom elenco pro Grêmio, numa análise recente (trouxe o ótimo Zé Roberto, o goleiro Vitor, Elano entre outros pro tricolor gaúcho). Por isso, não creio que o Pelaipe tenha sido má escolha, considerando os nomes disponíveis e o patamar de remuneração na casa dos R$ 100 mil mensais. No mais, aceitou o contrato com bônus por metas e se mostrou em sintonia com a noção contratual da nova gestão. É o que me parece.

  2. Discordo apenas de usar informações da imprensa sobre salários como guia. A imprensa esportiva brasileira é notadamente ruim, não merece créditos quando se trata de divulgar salários.

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