Earns AMRNesta sexta feira, a coluna “Sabinadas”, do jornalista Fred Sabino, conta o grande susto sofrido pelo colunista na sua viagem de retorno aos Estados Unidos. Demonstra também que os problemas na aviação não se restringem às empresas brasileiras.

Passemos à coluna.

Negligência à Americana

Desculpem o atraso na coluna, mas foi por um motivo sério. 

Nesta semana passei por uma das experiências mais desagradáveis da minha vida. Depois da cobertura das 24 Horas de Daytona, peguei na segunda-feira de manhã um voo de Orlando para Miami, onde haveria uma conexão. Mal sabia o que estava por vir. 

O voo número 233 da American Airlines com destino a São Paulo estava programado para sair ao meio-dia (horário local, três horas a menos do que em Brasília). 

Atrasou por duas horas porque, segundo os funcionários, uma bateria precisava ser trocada no Boeing 767. Depois de feito o “conserto”, embarcamos para um voo que não seria completado como o previsto. 

Depois de aproximadamente duas horas e meia de um voo tranquilo, com direito ao almoço e a um cochilo, o piloto anunciou aos passageiros que seria necessário realizar um pouso não-previsto no aeroporto de San Juan, capital de Porto Rico, devido a problemas técnicos. 

Não houve pânico: apenas uma tensão normal que uma informação dessas proporciona. Até porque o tempo estava bom, o avião não balançava e o processo de descida estava tranquilo. Além disso, com a história do problema na bateria na cabeça, eu pelo menos pensei que seria apenas uma precaução para evitar algo pior. Quem dera. 

Depois do relativamente suave pouso, ligeiros aplausos. E carros de bombeiros e ambulâncias cercando o avião… Eu e pelo menos os passageiros que estavam próximos achamos que era um procedimento padrão. Mas quando se chegava à parte dianteira do avião, o cheiro de queimado não deixava dúvidas. Havia um problema bem mais sério. 

De fato, quando os passageiros se acomodaram próximo ao portão 9, as informações começaram a chegar. Um curto-circuito havia acontecido. O cheiro de queimado já tomava conta da cabine e o piloto não tinha mais controle sobre a temperatura do avião, que estava subindo. Em 15 minutos, ele desceu o avião da altura de cruzeiro para o solo. 

Foi aí que caiu a ficha para os passageiros. Se o voo estivesse sendo realizado sobre o oceano, não haveria como pousar o avião e um incêndio certamente irromperia a qualquer momento. Ou seja, todos escapamos de uma morte brutal e repentina. 

É um tanto estranho você se sentir aliviado por estar vivo e desesperado em pensar o que aconteceria… 

Tínhamos total consciência de que demoraríamos a voltar para casa. Afinal, não havia voos diretos de San Juan para São Paulo e os aviões que fazem voos internacionais de Porto Rico para outros países não são de grande porte, bem como o aeroporto de lá. Precisaríamos esperar uma solução. 

Como se esperava, as informações eram desencontradas, até porque as funcionárias de terra da American Airlines em San Juan estavam, como se diz por aí, como baratas tontas. Uma dizia que o avião seria consertado, outra que todos voltariam em voos separados para os Estados Unidos – de onde pegariam um novo avião para o Brasil. 

Alguns passageiros da classe executiva, de fato, foram encaminhados para os Estados Unidos até que em um prazo razoavelmente curto. Mas de repente, umas três horas depois do pouso forçado, outra informação chegou: a maioria dos passageiros embarcaria de volta num voo especial San Juan-São Paulo – e num avião que chegaria de Nova York – às 7 horas de terça-feira (9 horas de Brasília). 

Era, de fato, a melhor solução. Afinal, a American Airlines pagaria um hotel no próprio aeroporto e um jantar para todos. Não seria necessário fazer o chatíssimo processo imigratório (em Porto Rico, o processo é igual ao dos EUA) nem check in. Bastaria passar as bagagens de mão pelo raio-x. 

Mais tranquilos, jantamos e dormimos umas poucas horas. Mas até chegar em casa, teríamos outra maratona pela frente. 

Todos os passageiros esperavam pelo embarque mas nada… O novo avião estava lá esperando e, mesmo com os funcionários garantindo que era uma nova aeronave, a demora levou muitos a acharem que entraríamos no mesmo avião da véspera. Na verdade, era um outro equívoco da companhia…. 

Por não comportar voos longos, o aeroporto de San Juan não tinha no estoque comida para almoço, nem travesseiros. Até aí tudo bem: mas o novo avião providenciado pela American Airlines desde Nova York não trouxe o que era necessário para um voo de seis horas até o Brasil. Por motivos óbvios, a tripulação se recusou a iniciar o voo sem que os mantimentos fossem providenciados. Afinal, não era uma ponte aérea RJ-SP, mas um voo de seis horas… 

Depois de mais duas horas de atraso, finalmente o voo partiu, tudo correu bem e chegamos em segurança a SP, 19 horas depois do previsto. Aplausos no pouso, alívio dos passageiros, et cetera e tal. 

Mas, enfim, escrevi esse relato pessoal por um motivo.

Minha coluna é para mostrar que negligência, inoperância e descaso com a vida não são um privilégio brasileiro, como o da tragédia em Santa Maria. Uma companhia que é símbolo americano há décadas pôs em risco a vida de 198 passageiros e 13 tripulantes porque forçou a barra ao decolar um avião que já tinha tido problemas. 

Mas estou vivo e pronto para tentar melhorar um mundo que hoje é uma merda das bem fedidas por causa desses cretinos que tem desapego pela vida. 

P.S.: o novo slogan da American Airlines é “Becoming a new American”. Não está sendo posto em prática, pelo menos por enquanto. Tenham certeza disso.

One Reply to “Sabinadas – “Negligência à Americana””

Comments are closed.