dom-odilo-scherer-durante-celebracao-em-sao-paulo-1347820596217_564x430Nesta terça feira, a coluna “Made in USA”, do advogado Rafael Rafic, traz a segunda parte do post sobre o conclave papal – e as chances de termos um papa brasileiro.

O Conclave Papal: Parte II

Retomando , o tema, vamos ao terceiro ponto relevante para a escolha, que acaba se tornando outra encruzilhada: a localização geográfica. 

Não é surpresa para ninguém que os locais nos quais a Igreja Católica está se expandindo rapidamente são nos continentes asiático e africano. Além disso, também há uma relevância forte na América, na qual estão a maior concentração de fiéis (na América Latina) e de doações para a Igreja (nos Estados Unidos, que mesmo com os escândalos de pedofilia ainda é o maior doador da Igreja). 

Enquanto isso, a Igreja passa uma crise na Europa, já saturada de católicos e com hordas e mais hordas de pessoas tornando-se decididamente atéias. A salvação da Igreja por um momento esteve na Europa Oriental com o fim do comunismo e o excelente trabalho de Wojtila (João Paulo II), um polonês, nessa região. Porém, desde a morte de Wojtila, até nessa área a Igreja vem perdendo fieis constantemente, em uma batalha tida por sociólogos, antropólogos e até vaticanistas como já perdida e sem volta. 

Apesar disso, durante os dois últimos papados, cada vez mais a Igreja se fechou em seu círculo conservador-eurocêntrico, buscando refundar a religião em uma forma mais, digamos, fundamentalista em seu berço europeu. 

Essa estratégia foi elevada ao ápice com a subida de Ratzinger ao trono e já ficou desde o início exposta até pela escolha do nome pontifício. Para quem não sabe, São Bento é tido como o Protetor da Europa e Bento XV foi o papa que enfrentou o início da primeira guerra mundial, que apesar do nome, foi basicamente um conflito interno europeu, pregando o fim das hostilidades por uma “Europa unida no catolicismo” – tendo mantido negociações de paz inúmeras vezes. 

O resultado desse circulo eurocêntrico é que, apesar da Igreja necessitar de um papa não-europeu, de preferência latino-americano, como quem escolhe os novos cardeais são justamente o Papa e seus atuais cardeais, os escolhidos são em sua maioria cada vez mais europeus, conservadores e eurocêntricos, em um ciclo vicioso que pode complicar bastante a Igreja Católica. 

Por isso também acredito que o novo papa virá das hostes conservadoras, sem chance para progressistas. Dificilmente será eleito um “Papa Pop”. 

Parêntese: aqui derrubo dois papáveis: o Cardeal Maradiaga (Arcebispo de Tegucigalpa) e o Cardeal Tagle (Arcebispo de Manila). 

Corroborando minha visão, vejam a supremacia européia no colégio cardinalício que elegerá o novo Papa: em 2005, 58 dos 116 (exatamente 50%) eleitores eram europeus, um número já na época considerado alto. Para a eleição do novo papa 62 dos 118 (52,54%) eleitores serão europeus. Mesmo em qualidade, os cardeais europeus atualmente são menos universais do que eram há 15 ou 20 anos.

Ou seja: os “príncipes da Igreja” não representam os seus fiéis. 

Um pequeno exemplo desse esquecimento podemos encontrar atualmente na Arquidiocese do Rio de Janeiro. 

Por tradição ela é cardinalícia desde a nomeação do primeiro Cardeal brasileiro, o Cardeal Arcoverde em 1905, mas hoje ela não é, já que seu titular atual, D. Orani Tempesta, apesar de nomeado em 2009, não teve seu título cardinalício dado no Consistório (reunião de Papas e Cardeais que nomeia novos cardeais) de 2010. Como não houve outro consistório após 2010, a Arquidiocese carioca continua sem o seu tradicional barrete cardinalício. 

Resultado: o Brasil que já chegou a ter oito cardeais em posição de eleição papal, teve apenas cinco em 2005 e continuará com os mesmos cinco agora em 2013: Scherer (Arcebispo de São Paulo, foto), Aviz (Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica), Damasceno (Arcebispo de Aparecida e presidente da CNBB, o mais progressista dos cinco), Hummes (Emérito da Congregação para o Clero) e Majella (Arcebispo Emérito de Salvador). Sendo que Majella perde esse direito em outubro próximo e Hummes perderá em agosto de 2014. 

É um número igual ao da Índia e menos da metade dos EUA, com 11. O México, outro país no qual a Igreja deveria concentrar esforços, tem apenas três. Ainda sim, eu tinha certa convicção que os europeus seriam barrados pelos não-europeus, criando um impasse no segundo dia de conclave, já que pelas regras atuais um papa só pode ser eleito por 2/3 dos votos, levando o conclave para um terceiro dia. 

Quem estuda um pouco sobre conclaves modernos sabe que se o conclave chegar ao terceiro dia a única certeza que se tem é que tudo o que foi discutido anteriormente pode ser esquecido, pois o mesmo se torna totalmente imprevisível. 

Começam a circular fortes rumores que Ratzinger fará duas mudanças na legislação que ordena a votação: a primeira seria a diminuição do período necessário entre o fim de um papado e o início do conclave e a segunda seria a redução do quórum mínimo de votação de 2/3 para 1/2. 

Caso isso ocorra, e dependendo do modo como for redigida essa mudança, me fará ter a certeza que o grupo que eu chamo de “conglomerado ultra-conservador ítalo-germânico” (que não tem apenas italianos ou alemães, apesar de serem a maioria) já está com tudo armado e prontinho para eleger o papa deles na primeira ou segunda eleição do conclave. 

A primeira mudança é prejudicial aos não-europeus por não lhes dar mais tempo de participar das conversas com seus colegas europeus, que tem mais contato devido a quantidade e a proximidade territorial deles, e assim não conseguir fazer suas próprias costuras. Porém ela é necessária em contexto inédito de renúncia papal. 

Como não haverá exéquias do papa anterior, muito menos terá que ser respeitado seu luto, faz bem a Igreja diminuir o período de Sé Vacante em Roma (período sem Papa) quando puder. Será uma mudança boa do ponto de vista institucional, para além de algo casuístico. 

A segunda mudança é que poderá ser mais perigosa, principalmente se essa ela valer a partir das votações iniciais. Nas regras atuais um papa pode até ser eleito por menos que 2/3 dos votos, mas só depois de 35 escrutínios. Se a regra valer desde a primeira votação, a vida desse grupo ficará bastante facilitada e o casuísmo ficará bem marcado. 

Por tudo exposto, após um breve período em que eu apostava na figura brasileira do Cardeal Scherer, hoje acho muito difícil não sair um papa europeu, principalmente se o conclave ainda acabar no seu segundo dia. 

Não apostarei mais em nomes porque percebo que o próximo conclave tem características bastante parecidos com os conclaves de outubro de 1978 e de 1963, ambos terminados em três dias. 

Para complicar ainda mais uma aposta minha, enquanto no primeiro o resultado foi um enorme azarão, Wojtila (talvez a maior surpresa da história moderna dos conclaves), no segundo ganhou o favorito, aquele que o papa anterior tinha preparado para ser seu sucessor: Montini. 

Caso realmente Ratzinger permita que o novo Papa seja eleito por mera maioria absoluta no primeiro escrutínio, o que particularmente duvido, é bastante possível que o “conglomerado conservador” já tenha um nome preparado e o mesmo está sendo guardado a sete chaves, fora de qualquer radar, sendo impossível tentar apontar quem seja. 

O que posso dizer é que quase todos os nomes que estão sendo apontados por agora pela imprensa, para mim são cartas fora do baralho para serem eleitos. Mas os mesmos serão importantíssimos cabos eleitorais para a eleição do eventual escolhido. Sem o apoio deles ninguém conseguirá uma eleição. 

Nessa minha categoria entram os seguintes Cardeais: Ravasi (italiano do Conselho Pontifício para a Cultura), Sandri (argentino da Congregação para as Igrejas Orientais), Bagnasco (polêmico Arcebispo de Gênova e presidente da CEI), Schomborn (checo, Arcebispo de Viena), Sodano (italiano,Decano dos Cardeais) e Dolan (Arcebispo de New York). 

Percebam que ainda fazem parte de várias listas papáveis os Cardeais Scola (Arcebispo de Milão) e Scherer (Arcebispo de São Paulo), mas esses ainda guardam chances no meio de alguma confusão ao longo de um possível terceiro dia de conclave. 

Por fim, uma dica rápida: quem deverá fazer o famoso anúncio “Annuntio vobis gaudium magnum; Habemus Papam…” é o Cardeal Protodiácono, que atualmente é o Cardeal Tauran (francês do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso). Se por um acaso outro Cardeal fizer o anúncio é porque o mesmo foi eleito papa (chances muito próximas da nulidade, pois ele não se encaixa em nenhum dos padrões abordados acima).

[N.do.E.: após o fechamento da coluna, o Papa Bento XVI anunciou que está mantido o quórum de 2/3 para a eleição do novo Pontífice e que o Conclave irá se iniciar assim que todos os Cardeais estiverem em Roma. Além disso, o Cardeal escocês O’Brien, envolvido em escândalos sexuais foi afastado e não participará do conclave.]