Neste domingo, a coluna “Orun Ayé”, do compositor Aloísio Villar, a partir da morte do grande arquiteto Oscar Niemeyer o colunista traça um panorama sobre assuntos correlatos – e importantes.
O gênio, o idiota e uma final de samba-enredo
E morreu Oscar Niemeyer…
A notícia veio na noite da última quarta-feira, enquanto boa parte do país assistia a um xoxo Tigre x São Paulo pela primeira partida da final da Copa Sul Americana. Depois do anúncio, que deixou a todos incrédulos, ninguém mais prestou atenção no jogo. Aliás fizemos bem, já que o jogo foi muito chato.
Ao contrário da vida de Niemeyer, que foi intensa.    
O mais curioso dessa história toda é que foi uma morte ao mesmo tempo esperada e impactante. Provavelmente todos os textos já estavam escritos, todas as matérias de televisão editadas, todos os dizeres em twitter e facebook de artistas e personalidades anotados… Faltava o principal: o homem morrer.
E Niemeyer não queria morrer. Aliás Oscar Niemeyer chegou a um estado onde sua imortalidade já estava traçada. O nome “Oscar Niemeyer” não representava mais apenas um nome, mas uma entidade. Um nome que ao aparecer não precisava de legendas pra dizer quem é.
Uma lenda ainda em vida.
Temos poucas pessoas vivas ainda assim: talvez Pelé, Roberto Carlos, Silvio Santos, Caetano Velloso, Chico Buarque e com boa vontade Fernanda Montenegro, Bibi Ferreira e poucos outros.
Mas Niemeyer era diferente. O homem já era nome de avenida vivo, já fazia parte de livros da história desse país em vida – e por merecimento. Oscar Niemeyer foi e é um dos brasileiros mais importantes desde que Cabral chegou por essas terras em abril de 1500.
E não somente por ser um dos responsáveis por nossa Capital Federal. Brasília por si só já lhe colocaria junto com JK e Lúcio Costa na história do Brasil, mas ele fez muito mais. É um dos homens que elaborou a sede da ONU em Nova York, o edifício COPAN e o conjunto do Ibirapuera em São Paulo, o conjunto da Pampulha em Minas Gerais, a Universidade de Constantine e a mesquita de Argel na Argélia, além de trabalhos na França, Itália, Portugal entre outros países.
Seus últimos grandes trabalhos foram o Memorial da América Latina em São Paulo, o museu de Arte Contemporânea em Niterói e claro, o sambódromo do Rio de Janeiro, trabalho dele que tem tudo a ver comigo e que todos os anos visito e passo com imensa emoção.  
Oscar Niemeyer é um gênio da raça, um homem aplaudido e reverenciado no mundo inteiro. Um homem que “morreu” várias vezes ao longo dos anos, principalmente depois da criação das redes sociais que, por diversas vezes, tiveram que constrangidas desmentir a sua morte.
Muitos que escreveram seu obituário morreram, muitos que deixaram anotado o que dizer quando morresse, editaram as matérias de televisão e escreveram os textos que descrevi acima ‘bateram as botas’ muito antes dele. Alguns médicos seus inclusive.
A sua força de vontade, a gana que tem pela vida, só isso para fazer um homem de 104 anos morrer e mesmo assim as pessoas se surpreenderam e ficarem incrédulas. Oscar Niemeyer era assim: não era uma linha reta.
E o mais curioso de tudo é que nesse momento em que o mundo reverencia o homem e seu talento, aparece um ‘jornalista’ chamado Reinaldo Azevedo (revista Veja) dizendo que Niemeyer era “metade genial e metade um idiota” e completando dizendo coisas como “o comunismo lhe fez imbecil, a arte genial”.
Eu leio coisas assim e me sinto nos anos 40, 50, quando Chaplin foi impedido de voltar aos Estados Unidos por ser comunista. Sim, Niemeyer era comunista, Nelson Rodrigues reacionário, Chico Anysio era vascaíno e assim eu lhes pergunto: e daí?
Cada um tem o direito de pensar, ter a ideologia que quiser, por mais babaca que elas aparentem. O fato de alguém ser comunista, capitalista, petista, pessedebista, botafoguense ou portelense não devia interferir na vida de ninguém, é um problema da pessoa.
Wilson Simonal foi “patrulhado” pela esquerda nos anos 70 e caiu no ostracismo, virou alcoólatra e morreu de desgosto. Muitos dos heróis daqueles esquerdistas hoje tentam se explicar ao STF e ao povo brasileiro em escândalos.
Oscar Niemeyer, que fez tudo o que fez pelo Brasil e a arquitetura depois de morto, é patrulhado por uma direita que cheira a mofo, pela revista Veja e seus seguidores. Não foi apenas o dito jornalista que lembrou o lado comunista de Niemeyer para criticá-lo, muitos seguiram “o mestre” e falaram no twitter.
Isso mostra que a idiotice, a burrice e ter cérebro do tamanho de uma azeitona sem caroço não é privilégio de direita ou esquerda. A falta de senso de ridículo e a canalhice são prerrogativas das mais democráticas que existem, podendo atingir qualquer pessoa de qualquer orientação política, social, sexual ou filosófica.
Falar mal de Oscar Niemeyer porque ele era comunista é o mesmo que falar mal de Carmem Miranda porque ela voltou americanizada.
Eu disse duas semanas atrás que o mal do século era o fanatismo: completo que o fim do mundo será através da burrice.
Salve Oscar Niemeyer, comunista, tricolor, ateu, que bolou a Sapucaí com um M que parece do Mc Donalds no fim que nenhum sambista até hoje entendeu, mas que era um gênio, um grande homem e que todos nós brasileiros devíamos nos orgulhar muito de tê-lo como compatriota.
Não vou escrever clichês como “foi se encontrar com o grande arquiteto do Universo”, isso é piegas demais e como eu disse acima, ele era ateu. Então onde quer que ele esteja, o lugar onde for, que ele revolucione com papel, lápis e novos traçados.
Quanto ao Reinaldo Azevedo, parodio o samba da Unidos da Tijuca pro carnaval 2013: “metade dele é imbecil, a outra metade também”.
Quinze anos da primeira final
Esse seria o tema da coluna de hoje até o falecimento do Niemeyer. No dia 5 de dezembro fez quinze anos aonde pela primeira vez cheguei a uma final de samba-enredo na vida. A escola era o Boi da Ilha do Governador, com o enredo “Círio de Nazaré”.
Uma disputa inesquecível. Uma final que teve uma das maiores apresentações nossas até hoje, a única vez que vi o portão lateral da agremiação ser aberto. Teve que ser aberto para que nossa torcida entrasse, para vocês leitores verem o tanto de gente que tinha.
Perdemos aquela disputa, mas tenho muito orgulho dela, por tudo que passamos e as amizades eternas que fiz. Só posso agradecer a Paulo Travassos, Cadinho da Ilha e a Dãozinho (que hoje se encontra no céu) pela felicidade e honra de terem sido meus parceiros nessa empreitada.
E a minha mãe que, chorando, depois daquela final catou bandeiras e trouxe de volta pra casa sozinha, triste por eu ter perdido. Três anos e dois meses depois chorou de novo, mas de emoção – ao me ver ganhar um Estandarte de Ouro pelo mesmo Boi e dedicar a ela.
Bons tempos aqueles. Tempos de faculdade, noitada com os amigos. Cabelo grande, cavanhaque, militante do PDT e comunista. Achava que iria mudar o mundo.
[N.do.E.: enquanto edito a coluna estou às gargalhadas aqui imaginando o colunista de cabelo grande e cavanhaque.]
Hoje sou pai de família, cabelo cortado a maquina, cara lisa e virei capitalista. Adoro coca-cola, big mac e dinheiro na minha conta.
Mas tanto o comunista daquela época quanto o capitalista de hoje acham Reinaldo Azevedo um idiota. Porque a idiotice não vem do pensamento político, vem da alma.
Viva Niemeyer!!! Orun Ayé!
P. S. – Com a morte de Niemeyer, lembraram-se que ele quase foi enredo da União da Ilha para o carnaval 2013. A escola teria um problemão com enredo e samba, defasados devido a sua morte.
Isso me lembrou um caso que ocorreu de 1998 para 1999.
A União da Ilha fez o enredo “Barbosa Lima, 101 anos do sobrinho do Brasil”. Uma homenagem ao jornalista Barbosa Lima Sobrinho. O compositor Márcio André aproveitou a deixa e fez seu refrão assim “zum, zum, zum, Barbosa é 101”.
Só que durante a disputa a escola descobriu que Barbosa Lima faria 102 anos antes do carnaval e mudou o nome do enredo, colocando 102 em vez de 101. Marcio André, com sua famosa língua presa, indignado quando soube da mudança vociferou soltando perdigotos a esmo:
“- Puta que pariu!! Fodeu o meu samba!!”.
Boas histórias, grandes homenageados.
[N.do.E.: o samba que foi para a avenida neste 1999, de autoria de Bicudo, Djalma Falcão, Jota Erre e Ditão, tem versos no mínimo inusitados para a idade provecta do homenageado na ocasião: “Mente Sã, Corpo são, entregou a paixão / Ao amor de uma mulher / Deixa, Deixa eu te amar / Me assanha com seus beijos / Me faz sonhar”]

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